sábado, 2 de janeiro de 2010

Eric Svendsen: 2 Coríntios 5:19-20

1)Eu escrevi: "Se o fato de que as transgressões dos não-eleitos ainda são sustentadas como constituindo "prova" de que Cristo não pagou por seus pecados, então passagens como Ef 2:3 seriam igualmente "prova" de que Cristo não pagou pelos pecados dos eleitos. - pois eles ainda são “filhos da ira” mesmo depois de Cristo ter morrido"

O Dr White respondeu:

“Esta é uma referência a 2 Coríntios 5:19, onde se lê “a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação”. A questão-chave no texto, a meu ver, é o fato, eu sei, de uma única outra passagem em que vemos a não-imputação do pecado, e isso é em Romanos 4:6-8.”

Eu não creio que a não-imputação do pecado deve ser equiparada a "reconciliação" em 2 Coríntios 5:19. Na verdade, a reconciliação não deve ser equacionada com o período da justificação. A reconciliação tem a ver com fornecer a base sobre a qual Deus pode agora justamente perdoar aqueles que exercem fé em Jesus Cristo. É para esses – e somente para esses - que exercitam fé em Cristo que pode ser dito que Deus "não conta as suas transgressões contra eles". Reconciliação não significa que Deus já os perdoou. Significa que Ele está pronto para perdoar, com base na obra expiatória de Cristo. A não-imputação do pecado é a aplicação dessa reconciliação a todos aqueles que recebem a mensagem e crêem (ver discussão de GE Ladd deste tema em sua Teologia do Novo Testamento). Certamente, se fossemos equiparar a reconciliação com justificação e "não-imputação de pecado", então qual é a "mensagem da reconciliação" mencionada aqui? Que os eleitos já foram perdoados baseado exclusivamente na obra de Cristo na cruz, antes mesmo deles crerem? Eu não acho que o Dr. White pretende concluir isso.

Dr. White continua:

“Claramente, o" mundo "aqui não pode incluir aqueles que, de fato, terão seus pecados sustentados contra eles”

Na verdade, eu acredito que é exatamente o que se está em mente. Se tivermos em mente que após nos ser dito que "Deus estava reconciliando consigo o mundo", somos imediatamente suplicados por Paulo "Reconciliai-vos com Deus!", então vemos que a reconciliação efetuada por Deus de acordo com 5:19 deve ser pessoalmente aplicada pela fé de acordo com a 5:20 antes da imputação dos pecados ser aplicada. O pecado ainda é sustentado contra o homem que recusa a "mensagem da reconciliação."

O Dr White continua:

“O "mundo" aqui teria de ser co-extensivo com o homem abençoado de Romanos 4:8, a quem é imputada a justiça aparte das obras, e nós certamente sabemos quem são essas pessoas.”

Se a não-imputação do pecado ocorreu na cruz, então estamos de volta à idéia de que a justificação deve ter ocorrido para todos os eleitos, o mais tardar no ponto da cruz. No entanto, nos foi especificamente dito que temos de agir sobre a "mensagem de reconciliação", antes da plena reconciliação poder ter lugar: "Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus”

Em outras palavras, "reconciliação" em 2 Coríntios 5 engloba duas partes: por um lado, Deus “reconciliou consigo o mundo” através da morte de Cristo, e como resultado, Ele está pronto para perdoar (isto é, Ele agora tem uma fundamento justo para o perdão). A imagem aqui é que a face de Deus estava afastada da humanidade e agora se volta para ela.

Por outro lado, somos suplicados por Paulo, "vos reconcilieis com Deus!" Mas por quê? Se Deus já realizou "uma completa reconciliação" e "não-imputação do pecado" na cruz, porque a obrigação adicional de nossa parte de nos “reconciliarmos com Deus"? A resposta é que nós não nos tornamos totalmente reconciliados com Deus exceto por meio da fé Nele. Deus está pronto a perdoar, mas esse perdão não é realmente aplicado a qualquer pessoa até o momento da fé. É nesse ponto que nós experimentamos a "não-imputação" do pecado encontrado em Rm 4: 6-8 e não antes.

Penso que esta é também a idéia por trás da declaração de Paulo sobre a propiciação de Cristo em Romanos 3:25: "a quem Deus exibiu publicamente como propiciação em Seu sangue pela fé" (NASB; ou "por meio da fé em seu sangue", NVI) . A propiciação – a completa satisfação da justiça de Deus - é aplicada a nós somente "pela fé". A propiciação de Rom 3:25 é a "reconciliação" de 2 Coríntios 5:19-21. Mas nenhuma delas é aplicada a qualquer pessoa, enquanto estiver em um estado de incredulidade, quer eleito ou não-eleitos. Os eleitos e os não-eleitos são igualmente ordenados a se reconciliarem com Deus. Os eleitos crerão porque eles foram predestinados a isso.

Os não-eleitos tão certamente não crerão, e como resultado serão responsabilizados por rejeitar essa "mensagem de reconciliação" ou, como Pedro chama, o "santo mandamento que lhes foi entregue". Mais uma vez, como podem ser responsabilizados por rejeitar algo que não foi legitimamente oferecidos a eles em primeiro lugar? E se não há obrigação por parte dos não-eleitos em crer (já que, per expiação limitada, eles não são incluídos no chamado do evangelho), então como Jesus pode manter em Mateus 22:14 que "muitos são chamados, mas poucos são escolhidos "?

O ponto de resumo dessa parábola, no contexto, é aquele que lida com a redenção e retribuição. Em que sentido são muitos os "chamados" mas não "escolhidos"? Certamente não no sentido eficaz. O "chamado", no contexto, é um convite geral ao qual alguns dão ouvidos (v. 10) e outros rejeitam (v. 5). Eu afirmo que essa passagem - e outras miríades como esta - não faz sentido a menos que nós vejamos o evangelho como um chamado universal; e esse apelo universal deve ter um legitimo fundamento na expiação universal.

Há um duplo propósito na morte de Cristo; e é por isso que os defensores da expiação limitada não podem legitimamente acusar os defensores da 4.5 com a visualização da universalidade da expiação de Cristo como um exemplo de Cristo falhando em cumprir Sua missão. Por um lado, a morte de Cristo provê o fundamento necessário para a redenção e o perdão por parte de Deus dos seus eleitos. Por outro lado, a morte de Cristo oferece o fundamento necessário para a justa condenação por parte de Deus do resto do mundo, os quais rejeitam o comando para crer no evangelho e ser salvos.

Fonte: http://ntrminblog.blogspot.com/2005/02/when-does-our-union-with-christs-death.html

Eric Svendsen: Gálatas 2:16-20

1)
"Eu pressumiria que Eric não diria que os não-eleitos estão unidos a Cristo, de qualquer maneira. Assim, se a expiação envolve a substituição, e os não-eleitos não estão unidos a Cristo, então como são os seus pecados "incidentalmente" pagos pela morte de Cristo?"

Realmente os não-eleitos não estão unidos a Cristo. Mas eu creio que é um erro igualar o ato da expiação em si com a união com Cristo na sua morte. Somente um dos eleitos pode dizer “fui crucificado com Cristo. . . . que me amou e se entregou por mim." Em outras palavras, por um lado nós estamos colocando direto de volta a distinção que estou fazendo entre intenção e extensão. Uma vez que a intenção de Cristo em sua morte foi salvar os eleitos, a união com Cristo é corretamente aplicada somente a eles. No entanto, mesmo com essa ressalva, não vejo nenhuma evidência no Novo Testamento de que a união com Cristo na sua morte é aplicada antes do momento da justificação.

Assim, as palavras de Paulo em Gálatas 2:20 "Eu já estou crucificado com Cristo", não estão separadas de "não mais sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim, e a vida que agora vivo na carne, vivo pela fé no Filho de Deus." Isso não é uma afirmação que pode ser feita antes da justificação dos eleitos. Da mesma forma, somos informados por Paulo que nossa identificação com a morte de Cristo ocorre no momento da justificação (Gl 2:16-20) e é representada no batismo (Romanos 6:3-5). Assim, a expiação e a substituição são faces opostas da mesma moeda, mas são lados opostos, no entanto. A primeiro ocorre uma vez no tempo e por todos, enquanto a segunda é a aplicação da primeira¹ para os eleitos no momento da justificação.

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/limited-atonement-or-intentional.html

2)

"Em segundo lugar, gostaria de saber, à luz do fato de que o Dr. Svendsen aceita o conceito de expiação substitutiva, como os não-eleitos podem ser considerados como tendo sido unidos a Cristo na Sua morte."

Eles não podem. Como eu expliquei acima, a união com Cristo e a identificação com a sua morte no Novo Testamento ocorrem no momento da justificação (Gl 2:16-20), e é significada no batismo (Rm 6). Uma vez que os não-eleitos jamais chegam a esse ponto, eles nunca foram unidos com Cristo na sua morte. Novamente, eu não creio que a morte de Cristo é fatiada e repartida na forma de pedaços. Sua morte, em termos de extensão, expiou os pecados do mundo coletivamente - incluídos aqui são todos aqueles "em Adão" - embora ela seja certamente aplicada individualmente ("Eu estou crucificado com Cristo").

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/limited-atonement-or-intentional.html

3)O dr. White escreveu:

“Com relação a Gálatas 2:16-20, não vejo a aplicação feita pelo dr. Svendsen. O “sustauro, omai” de Paulo ("ser crucificado junto com") é muito difícil de entender se, de fato, está se referindo a um evento anos após a morte de Cristo”

Eu quero deixar claro que meu apontamento anterior sobre o momento exato em que os eleitos são unidos com Cristo na Sua morte é realmente apenas incidental ao meu apontamento maior de que somente os eleitos são unidos com Cristo na sua morte. Eu não creio que sustentar que somente os eleitos experimentam união com Cristo na Sua morte necessita de uma visão específica apenas de quando essa união acontece. Dito isto, eu creio que o Novo Testamento é comprovadamente a favor dos eleitos experimentando a união com Cristo no momento da fé, não na eternidade passada (exceto, talvez, em um sentido predestinariano).

Dito isto, eu não estou certo porque ver a união da visão com Cristo como algo que ocorre no momento da fé seria mais difícil de entender do que outras declarações semelhantes que Paulo faz. Paulo afirma que fomos "sepultados com ele" no momento do batismo (Cl 2:12), que fomos "ressuscitados com Ele por meio da fé" (v. 12). Nosso ser "vivificado com Ele" (nossa ressurreição espiritual) só ocorreu depois que nós fomos "mortos em nossas transgressões" (v. 13). Embora seja verdade que o certificado de dívida constituído dos decretos que eram hostis a nós foi cravado na cruz (v. 14), o cancelamento dessa dívida em termos de perdão, que é aplicada a nós, não ocorre até que Ele "nos vivificou com Ele "(v. 13).

Assim, quando chegamos ao v. 20: "Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo” entendemos que Paulo esteja recapitulando o que ele já explicou nos versículos 12 a 14, ou seja, que todas as coisas que nos é dito ter sido feitas "com Cristo" são aplicações pessoais para nós no tempo e no momento da fé, mesmo que isso tenha acontecido historicamente com Cristo em um ponto anterior no tempo. Paulo insiste que a nossa morte “com Cristo” também foi uma "morte quanto aos rudimentos do mundo", isto é, “as ordenanças que eram contra nós e que eram hostis a nós "(v. 14), sugerindo que houve um período de tempo quando estávamos sujeitos a essas coisas (ou seja, quando estavamos sob a lei). Em outras palavras, a nossa morte "com Cristo" ocorre apenas após a nossa escravização aos "rudimentos do mundo", pois essa morte não é apenas "com" alguém (ou seja, Cristo), mas "para" algo (ou seja, ordenanças que eram hostis a nós, ou seja, a Lei e qualquer complementar legalismo humano). Isso indica que a nossa união com a morte de Cristo ocorre no momento da fé e não na eternidade passada.

Paulo amplia esse ponto em 3:1: "Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.” e ele conecta esse ponto de "ser ressuscitado" ("ressurreição" esta que, como já vimos, ocorre no momento da fé, 2:13) com o seu ponto seguinte: “Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (3:3).

Paulo faz observações muito semelhantes em sua carta aos Efésios (o que não é nenhuma surpresa, uma vez que ele escreveu essas cartas quase consecutivamente). Em Efésios 2 nos é dito que o nosso antigo estado era um de pecado e de hostilidade para com Deus. Nós estávamos "mortos" em pecado (2:1), nós "antigamente andavamos segundo o curso deste mundo" (v. 2), nós "antigamente viviamos na luxúria da nossa carne" (v. 3), e nós eramos "por natureza filhos da ira" (v. 3), assim como o resto do mundo. Mas Deus, por causa de seu eterno amor e misericórdia para conosco "nos vivificou juntamente com Cristo" (v. 5), e Ele "nos ressuscitou com Ele" (v. 6).

A questão torna-se: Quando a "vivificação com Cristo" e a "ressurreição com Ele" ocorre? Nós sabemos a partir do contexto que foi depois do nosso "antigo estilo de vida" (vv. 1-3). Sabemos também que Paulo conecta essas ações com o momento da fé: "Porque pela graça sois salvos mediante a fé.” Em outras palavras, o nosso ser "vivificado" com Ele e o nosso ser "ressuscitado" com Ele são ambos indissociavelmente ligados ao momento da fé. Portanto, não haveria absolutamente nenhuma dificuldade com nossa visão de "morrer" com ele como parte e parcela desse evento, que ocorre no tempo e no momento da fé. Isso, creio eu, é a linguagem do Novo Testamento.

Dr. White escreve:

“e note que, enquanto Paulo está certamente falando de sua vida naquele momento, ele não tem nenhum problema em claramente apontar para trás novamente a morte substitutiva de Cristo nas palavras "que me amou e Se entregou por mim".

Não, claro que não tem. Assim como Paulo, em sua insistência de que nós fomos "ressuscitados com Ele" mediante a fé, não tem nenhum problema em apontar para a realidade histórica da ressurreição de Cristo (Ef 1:20). Os acontecimentos históricos servem como base da nossa união com Ele em seu “sepultamento”, "sua ressurreição", “sua ascensão ", e sim, em sua “morte" (a qual é pressuposta por todas as outras) e esta união ocorre por meio da fé .


4) O Dr. White continua (sobre o tópico de Galatas 2):

“Agora, isso não é o Calvário? E não é o amor de Cristo por Paulo expresso aqui? Mas se esse foi um ato não diferenciado, sem a união dos eleitos sendo considerada aí na expressão do amor redentor, não se segue que o mesmo poderia ser dito por Faraó? A única maneira de contornar isso seria dizer "que me amou [na minha conversão] e Se entregou por mim [na cruz]". Eu tenho certeza que o Dr. Svendsen afirmará que tou/ avgaph,santo,j me kai. parado,ntoj e`auto.nu`pe.r evmou/  refere-se a um ato: os dois aoristo participio referem-se à auto-doação de Cristo na cruz. Assim, se o sacrifício expiatório é a própria demonstração do amor de Cristo por Paulo pessoalmente, como pode o sacrifício trazer perdão para toda a humanidade?”

Eu creio ter demonstrado suficientemente na parte 1 desta série que a nossa união com Cristo é baseada na obra histórica de Cristo na cruz, mas essa união não ocorre (isto é, nós não realmente "morremos com Cristo") até o momento da fé, assim como nós não somos realmente "sepultados com Ele" ou "ressuscitados com Ele" até o momento da fé - todos esses três atos são coincidentes.

Além disso, eu não defendo que a morte de Cristo na cruz foi um ato "não diferenciado." Está além do escopo das Escrituras sugerir que Cristo poderia ter dois propósitos distintos na expiação, um para a eleição (para servir como base para sua redenção) e outro para os não-eleitos (para servir como base para sua condenação)? Eu creio que não. E ainda creio que isso é justamente onde a evidência nos leva.

Aqui estão as questões como as vejo. Primeiro, a posição da expiação limitada confunde o conceito de ser "escolhidos em Cristo" (en [christos]) com o conceito de união “com Cristo" (sun [christos]). O primeiro refere-se ao locus da boa vontade de Deus e é dita ser eterna, enquanto o segundo refere-se a união (ou "identificação com") e é dito ser aplicada no tempo. 

Efésios 1 deixa claro que fomos escolhidos "Nele" antes da fundação do mundo (Ef 1:4), e que, como resultado, estamos presentemente “Nele” . O objetivo da linguagem usada “Nele" não é demonstrar a união em si, mas mostrar o ponto focal da boa vontade de Deus. Qualquer pessoa - de fato, qualquer coisa - "em Cristo" é ipso facto "abençoada com todas as bênçãos espirituais" e tem derramado sobre si "as riquezas da Sua graça". A razão para isso é porque Cristo é o centro do “beneplácito” e da “bondosa intenção” de Deus. Portanto, tudo o que está "em Cristo", por extensão, torna-se objeto da boa vontade de Deus.

Mas só no capítulo 2, que o conceito de "união com Cristo" aparece. Quando estávamos mortos em nossos pecados, nós fomos "vivificados juntamente com Cristo" (no tempo e no momento da fé). Naquele momento, Deus nos ressuscitou “com Cristo" e "nos assentou juntos com Ele". Isso ocorre também no momento da fé, e depois de Paulo já ter mencionado a “obra” de Deus a qual “manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos, e pondo-o à sua direita nos céus” (1:19-20). Em outras palavras, a morte, o sepultamento, a ressurreição e a ascensão de Cristo ocorreram historicamente em um ponto no tempo, mas a nossa “morte”, “sepultamento”, “ressurreição” e “ascensão” ocorre no momento em que somos “salvos por meio da fé "(Ef 2:8-9).

Você recordará que também vimos este mesmo padrão em Colossenses. Assim, quando o Dr. White afirma:

“Com relação a Gálatas 2:16-20, não vejo a aplicação formulada pelo Dr. Svendsen. O sustauro, omai de Paulo ("ser crucificado junto com") é muito difícil de compreender como, de fato, se referindo a um evento anos após a morte de Cristo”

. . . Eu creio que o ponto oposto é estabelecido com fundamento exegético, não só no texto de Efésios 2 e Colossenses 2-3, mas também no texto de Gálatas 2.

Para reiterar um ponto do Dr. White que anteriormente abordei apenas brevemente, a saber:

“e note que, enquanto Paulo está certamente falando de sua vida naquele momento, ele não tem nenhum problema em apontar para trás mais uma vez, claramente, para a morte substitutiva de Cristo nas palavras 'que me amou e Se entregou por mim'.”

Certamente, e como mencionei antes, eu nunca iria sugerir o contrário. Nossa união com a morte de Cristo, no momento da fé tem um referência histórica ao ato de Cristo na cruz. Mas quando é que Paulo "morre" de acordo com Gal 2:19? "Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus." Paulo aqui faz o mesmo ponto que já havia feito em Colossenses 2, ou seja, que o momento da "morte" é algum tempo depois dele ter a experiência de ser "obrigado" pela lei ("os rudimentos do mundo"), por isso a morte é tanto "com Cristo" quanto "para a lei" (ou "os rudimentos do mundo"; Col 2:20). O comentário de Paulo sobre o que significa "morrer para a lei" é encontrado no versículo seguinte: "Estou crucificado com Cristo, logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” A frase "já não” (ouketi) sugere fortemente (se não prova completamente), que o ponto em que Paulo deixa de "viver" (ie, "morre") e em que Cristo começa a "viver nele" é o mesmo ponto no qual ele foi "crucificado com Cristo; "(ie, morreu "com Cristo" e "para a lei").

Dr. White continua: 

"E eu não acredito que Ele, de forma substitutiva, proposital, intencional, e aparte do amor redentivo, levou sobre Si a penalidade devida ao pecado de Faraó."

Nem eu. Mas Ele não poderia ter suportado aquele pecado para servir como base para a condenação do Faraó, que persistiu na incredulidade?

Dr. White continua:

“Até onde eu posso ver, ou os eleitos foram unidos a Cristo na Sua morte en toto, ou toda a idéia de substituição torna-se irrelevante. Eu acredito que a realidade da nossa eleição em Cristo torna a nossa união com Cristo uma realidade divina antes mesmo de nossa existência temporal.”

Mas, então, esse mesmo princípio também se aplica ao nosso “sepultamento" com Ele, à nossa “ressurreição” com Ele, e à nossa “ascensão”com Ele? Todas estas coisas são ditas como ocorrendo no ponto da fé. Será que estamos predestinados a estas coisas? É claro que estamos, mas acho que é um pouco diferente de dizer que já ocorreram ou que já eram verdades em relação a nós antes da conversão.

Além disso, parece-me que o Dr. White pode estar sendo inconsistente sobre este ponto. Se nós concluímos que essas coisas já aconteceram na eleição na eternidade passada ("in toto") só porque elas estão determinadas a tomar lugar no tempo e só porque a bondosa intenção de Cristo sempre foi morrer pelos seus eleitos, então poderíamos fazer esse mesmo processo também em relação a justificação e a glorificação. Aos olhos de Deus, todos que Ele predestinou Ele já tem "justificado" e "glorificado" (pretérito; Rom 8:30). Tudo isso é verdadeiro no sentido de que os eleitos são certamente predestinados a estas coisas - e que isso é algo tão certo que pode ser apresentado como algo já concluído.

Mas, tão certo como estas coisas acontecerão, o Dr. White e eu concordamos que não se pode concluir que a justificação (muito menos a glorificação) já foi realizada nos eleitos que ainda não creram. O Dr. White tem registrado sua rejeição à justificação eterna. Isso significa que, tão certo como todos os eleitos serão justificados, e tão certo como a justificação dos eleitos está dentro do beneplácito de Sua vontade eterna, os seus eleitos não são, no entanto, realmente justificados na eternidade passada, mas no momento da fé. Por que então devemos concluir que a nossa união com Cristo na sua morte teve lugar na eternidade passada, apenas porque é certo que vamos experimentar a união com Cristo no tempo?

Dr. White continua:

"(Como mencionado acima: o eterno determina a forma do temporal, e não vice-versa, mas nós, como criaturas vinculadas ao tempo, olhando de "baixo”, lutamos para ver isso, e, portanto, devemos permitir que a Palavra seja a lente através da qual podemos contemplar esta tremenda verdade) e nascimento, de modo que em um sentido muito real, os eleitos foram, de fato, "crucificados com Cristo."

Sim, e em um sentido muito real, os eleitos já foram "justificados" por Deus. Mas não podemos concluir com base nisso que nós somos justificados da eternidade - do contrário não haveria mais razão para sermos "justificados pela fé." Da mesma maneira, só porque a nossa união com Cristo na Sua morte, estava na mente, na intenção e na vontade de Cristo na eternidade passada não significa que nós realmente experimentamos união com Cristo na Sua morte antes do momento da fé.

Eric Svendsen: Hebreus 7:24-25 e João 17:9

1)
“Mas eu não vejo como o Dr. Svendsen pode sustentar firmemente a graça incondicional da eleição de Deus e Sua obra de graça irresistível, pela qual Deus traz Seus eleitos à vida sem falhar, e então ainda dizer que Cristo levou sobre Si o pecado de um não-eleito, que não pretendia salvar, que aparentemente (isto é onde a minha apresentação não foi abordada e, portanto, eu só posso perguntar retoricamente) intercedeu por essa pessoa, mas sem sucesso (já que nem o Pai nem o Filho, nem o Espírito Santo, tem a intenção de salvar a pessoa, contra Heb. 7:24-25), e, embora os fundamentos de uma salvação perfeita, tenham sido estabelecidos na obra de Cristo em favor dessa pessoa e mesmo assim o Espírito não a aplicará nele na regeneração.”


Ok, vamos tratar um ponto de cada vez. Antes de tudo, eu não vejo qualquer dependência necessária entre (1a) a escolha incondicional dos eleitos de Deus e a eficaz atração deles, e (2a) a extensão da obra expiatória de Cristo na cruz. Cristo pode (2b) morrer para pagar pelos pecados de seus eleitos, e (por força do valor incomensurável e eterno dessa morte) incidentalmente pagar pelos pecados do mundo inteiro no processo, e (1b) eleger incondicionalmente e atrair seus escolhidos para Si sem fazer o mesmo para os não-eleitos. Em que a oração que Ele faz é incompatível com isso?

Em segundo lugar, eu não acredito que haja qualquer dependência necessária entre a extensão da expiação de Cristo e os objetos de sua intercessão. Eu não estou sugerindo por um momento que Cristo está intercedendo pelos não-eleitos (Hebreus 7:24-25) – ele muito enfaticamente não está - e, se estivesse, eles seriam salvos. Creio que a preocupação do Dr. White sobre este ponto é mal direcionada, porque eu não creio que ele tenha entendido a distinção que estou fazendo entre aqueles por quem Cristo intentava morrer (o eleito), e aqueles que (devido ao valor eterno do sacrifício ) são reais beneficiários da morte de Cristo ("todos os homens"). Cristo cumpriu plenamente seu propósito salvífico em sua morte, o qual (nas palavras do Dr. White) era "lançar o fundamento para a salvação perfeita" para seus eleitos. Mas, no processo, o longo alcance e eterno valor do sacrifício não podiam deixar de expiar os “pecados do mundo”.

Isso pode ser ilustrado por um exemplo do Antigo Testamento. Quando Deus libertou os filhos de Israel da sujeição à escravidão na terra do Egito, sabemos que muito mais do que só Israel se beneficiaram dessa ação, pois ficamos sabendo que muitos dos egípcios também escolheram ir com eles, mesmo que eles próprios não estivessem em escravidão. Eu creio que podemos fazer aqui uma distinção entre a intenção de Deus em seu ato redentor (resgatar os filhos de Israel, cuja intenção realizou plenamente) eo resultado incidental da ação (outros, não incluídos na intenção salvífica de Deus, se beneficiaram de alguma forma pelo ato redentor). Aqui é onde os “estágios de redenção" são os mais cruciais:

Os "pecados do mundo" (incluindo os dos não-eleitos) foram pagos integralmente na cruz – todos são incluídos nesse estágio da redenção, bem como a multidão foi comprada na terra do Egito junto com os filhos de Israel. Mas esse estágio não é o fim de tudo e tudo que há de salvação - nem todos que foram levados para o deserto entraram na terra prometida. Pelo contrário, como o Dr. White reconheceu, isso "lançou os fundamentos para a salvação perfeita". Mais informações sobre as ramificações disso em um momento.


2)
“Isso me chamou a atenção mais do que qualquer outra coisa. Em essência, não vejo como há consistência de propósito no ponto de vista aqui expresso. Eu vejo uma conexão e dependência muito forte entre a intenção da Trindade na salvação dos eleitos e a obra do Sumo Sacerdote em favor do Seu povo. Esta é uma das principais questões, conforme vejo, pois creio que poderíamos examinar os textos de Hebreus e estabelecer que o Sumo Sacerdote perfeito não falhará, como os antigos sumo sacerdotes fizeram, em oferecer diante do trono o sangue do mesmo sacrifício oferecido sobre o altar:”

Com isto eu posso concordar (pondo de lado a questão da consistência de propósito). Mas eu creio que o Dr. White chega a uma conclusão desnecessária a partir desta, a saber: 

“isto é, o escopo da intercessão e da oferta eram os mesmos para os antigos sumo sacerdotes.”

Não vejo como este ponto se encaixa com o anterior, que a extensão da expiação esteja de alguma forma igualada a extensão da intercessão de Cristo. Assim, como afirmar que Cristo não falhará em oferecer o seu sangue (a sua morte sacrificial) no santo dos santos em intercessão por seus eleitos de alguma forma necessita que a expiação de Cristo seja limitada àqueles por quem intercede? Na minha opinião, a primeira (aqueles incluidos na expiação) é simplesmente uma categoria maior do que a última (aqueles incluídos na intercessão).

Este ponto é particularmente pertinente porque minha visão distingue extensão e intenção. Se eu comprar um jornal para poder ler como o Flamengo jogou contra o Vasco*, eu não comprei só a página de esporte, eu comprei o jornal todo. No entanto, ao mesmo tempo eu não tenho absolutamente nenhuma intenção de ler o resto do jornal. Em outras palavras, minha intenção era adquirir apenas a página de esportes, mas no processo, eu comprei o jornal todo (extensão). Mas, uma vez que eu obtive essa aquisição, ela é minha para fazer com ela o que eu quiser. Neste caso, eu só vou ler a página de esportes, e jogar o resto do jornal no lixo, ou deixá-lo numa caixa de madeira para acender o fogo de minha lareira. Agora, pode corretamente ser dito que meu objetivo em comprar o jornal foi de algum modo frustrado, ou que de alguma maneira eu não cumpri a finalidade para a qual me propus, meramente porque eu comprei o jornal todo, mas escolhi de forma última não "salvar" a maioria dele?

Eu vejo a expiação de uma maneira muito similar. Toda a humanidade está em Adão e são herdeiros de seu pecado - mas esse é um pacote. A fim de expiar os pecados de alguns (intenção), deve expiar os pecados de todos (extensão). Cristo não assumiu a forma dos eleitos, Ele tomou a forma do homem. Sua morte pode não salvar, mas expia os pecados de todos aqueles cuja natureza Ele compartilhou – todos aqueles "em Adão" E assim, a morte de Cristo expia pelos pecados de todos (extensão), mas Ele intercede por e salva apenas aqueles que Ele elegeu, chamou e justificou. 

"Como pode o Sumo Sacerdote perfeito oferecer um sacrifício substitutivo que "incidentalmente" paga os pecados dos não-eleitos e, em seguida, não oferecer esse mesmo sangue, com o qual pagou a penalidade dos seus pecados, diante do altar (intercessão)?"

Esse sacrifício é oferecido - mas não é oferecido fragmentado, como se Cristo tivesse “fatiado” seu sacrifício em pequenos pedaços e tivesse distribuído um pedaço do seu sacrifício pra mim, um outro pedaço para outro dos eleitos, e assim por diante, mas retém e não oferece um pedaço que foi divido para o não-eleito Joe Schmoe. Essa, na minha opinião, não é como se deve ver o sacrifício de Cristo.

Além disso, não é o sacrifício ou a expiação que rogam na intercessão - é Cristo que roga. O sacrifício e expiação são apenas o fundamento para aquele apelo, e Cristo pode interceder por aqueles que conheceu de antemão e pode escolher não interceder por aqueles que Ele não conheceu de antemão (João 17:9). Voltando à analogia do jornal, a minha aquisição do jornal todo me fornece a base para a leitura da página de esportes. Se eu disser a minha esposa: "Eu quero te mostrar a classificação do Flamengo no Campeonato Brasileiro** " ("rogando" a ela, em certo sentido), ninguém vai dizer: "Espere um minuto! Você comprou o jornal todo.. Portanto, você é obrigado a mostrar a sua esposa o jornal todo e não apenas a página de esportes!" Eu tenho a liberdade de chamar especial atenção (rogar) pela página de esporte à minha esposa com base no fato de que eu comprei o jornal – e cabe a mim fazer com ele o que me agradar, e que o ato da  aquisição é a base da minha prerrogativa... Mas eu não sou dessa forma obrigado a ler o jornal todo para ela.

“Isso fala do assunto em questão: Eu sinceramente não entendo, e sinceramente nunca vi na minha leitura, o uso do termo "incidentalmente" no que diz respeito ao pagamento da dívida do pecado.”

Como mencionei no meu blog, eu ainda estou no estágio de reflexão sobre isso, e isso por mais de quinze anos. O termo "incidental" é um termo estritamente funcional usado para diferenciar entre a intenção de Cristo em sua morte com relação aos seus eleitos para “salvar ao extremo” e os resultados reais dessa morte para toda a raça daqueles em Adão.

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/limited-atonement-or-intentional.html

Eric Svendsen: 1 Tim 4:10:

Mas o verdadeiro enigma para o defensor da expiação limitada, a meu ver, é 1 Tim 4:10: 

"Ora, é para esse fim que labutamos e nos esforçamos sobremodo, porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente dos crentes. " 

Mesmo se nós fôssemos desconsiderar 1 João 2:2 na base de que o" mundo" na mente de João é o mundo dos gentios, por oposição aos judeus, esse mesmo raciocínio não poderia ser aplicado neste caso . O contraste neste versículo não é entre judeus e gentios, mas entre "todos os homens" e "aqueles que crêem." Deus, que nos é dito, é o "salvador" (o contexto é soteriológico) de "todos os homens." 

Normalmente eu concederia que "todos" pode significar todos sem distinção ("todos os tipos de homens" e não apenas os judeus) ao invés de todos sem exceção (todos os homens categoricamente). Mas aqui Paulo nos diz que "todos os homens" é a maior categoria da qual "aqueles que crêem" são tomados. Deus é em um sentido menor o salvador de "todos os homens", e em um sentido maior ("especial"), o salvador "daqueles que crêem." Aqueles que defendem a expiação limitada não fazem uma distinção entre os níveis de redenção. Cristo pagou o preço completo da redenção na cruz uma vez por todas, e completamente redimiu todos os eleitos nesse ponto. Mas aqui estamos tomando que há há uma menor redenção ("todos os homens" em geral) e uma maior redenção ("especialmente aqueles que crêem”).

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/we-interrupt-this-broadcast.html

2)

“Primeiro, em relação à 1 Timóteo 4:10: Esta passagem não está, de fato, num contexto soteriológico e, a não ser que nós estejamos indo lê-la numa perspectiva universalista, não somos obrigados a sugerir que Deus é o Salvador de todos os homens em potencial, mas realmente o Salvador somente dos que crêem? Onde mais o termo grego "Salvador" é utilizado para se referir a uma hipotética salvação ao invés de uma verdadeira? Na realidade, esta é uma declaração geral sobre Deus (note que Paulo especificamente não designa Cristo como o Salvador aqui).”


Não estou postulando algum tipo de salvação hipotética. Isso só seria aplicável se eu não acreditasse que Jesus realmente realizou algo por toda a humanidade (ou seja, expiou seus pecados). "Salvação hipotética" muito mais acertadamente se aplica àqueles que afirmam (por 1 Tm 4:10) que Deus é o salvador de todos os homens, mas depois passam a sugerir que não há nenhum sentido em que Deus realmente agiu como salvador para alguns homens - que ele realmente não é o salvador de todos os homens. 

O dr. White sugere que a palavra "salvador" aqui não é usada num contexto soteriológico. Confesso que não faço idéia do que isso significa e como pode apoiar seu ponto subsequente. Em que sentido Deus é "o salvador de todos os homens, especialmente aqueles que crêem", se não de uma maneira “soteriológica”? A própria palavra "salvador" é “soter”, de onde obtemos a palavra soteriológico. O Dr. White pode estar querendo dizer aqui (embora não tenha dito) que “soter” não está sendo usada em um sentido redentivo, mas sim num sentido geral no qual Deus liberta as pessoas de seus problemas (como vemos em alguns contextos do Antigo Testamento). Eu acho que nós precisamos trabalhar sobre isso um pouco mais abaixo:

“Assim como Deus é o Criador de todos, até mesmo daqueles que não o reconhecem como Criador e Senhor de todos, mesmo sobre aqueles que se recusam a dobrar o joelho diante dele, e assim como Ele é o Rei dos reis e Senhor dos senhores, assim também , pois, Ele é o único Salvador que existe, Ele é o Salvador de todos os homens.”

Ele previamente argumentou que este não era um contexto soteriológico (pelo qual eu tomo que ele queria dizer redentivo). Mas aqui parece afirmar que Deus é realmente o único “soter” disponível aos homens de uma maneira soteriológica (Ele é o único Salvador disponível). Acho que isso é sábio dado o fato de que aparentemente não há ainda nenhum exemplo de “soter” no Novo Testamento que claramente tem um outro significado. No entanto, no momento em que reconhece isso, o Dr. White não pode (é o que me pareceu) escapar da ramificação de que Deus é a mesma coisa que ele insistiu que Deus não era, ou seja, um mero salvador hipotético para alguns. Em outras palavras, embora eu certamente compreenda o seu argumento de que Deus é Salvador de todos os homens no sentido de que não há outro Salvador disponível para o homem, e concordo com isso, ...eu não creio que ele tenha compreendido totalmente a ramificação dessa declaração, porque ela sugere que isso é a mesma coisa que sua declaração havia rejeitado. Deus termina sendo o Salvador real dos eleitos e o hipotético (ou meramente potencial) Salvador dos não-eleitos.

Eu ilustrarei esse ponto, usando as mesmas analogias do Dr. White e todas elas, eu creio, trabalham contra a sua posição:

A declaração "Deus é o criador de todos os homens" implica que todos os homens foram realmente criados por Deus. Isso não significa que Deus é o único criador disponível mesmo se Ele não tivesse criado alguns. Pelo contrário, significa que Deus realmente criou o ateu que nega que foi criado por Ele. 

O título "Senhor de todos" não significa que ele é o único Senhor disponível mesmo que alguns realmente não estejam sob o seu governo e autoridade. Isso significa que Ele realmente governa todos os seres vivos, inclusive aqueles que não reconhecem o Seu senhorio. Queira ou não a criatura reconhecer essse governo não muda o fato de que Ele está sendo governado. 

Assim, quando chegamos ao título "Deus é o Salvador de todos os homens," é incompatível com as analogias anteriores sugerir que esta afirmação significa apenas que Deus é o único Salvador disponível para os homens, mesmo que alguns homens realmente não participem nessa atividade de alguma forma.

“Se esse termo foi intentado em um sentido hipotético, a  expressão seguinte  "mas especialmente" não faria sentido. "Malista" não toma alguém do hipotético para o real. Ao invés disso, o ponto é que uma vez que Deus é o único Salvador que existe, Ele é o Salvador de todos, mas apenas daqueles que acreditam reconhecer Ele no papel de Salvador. Nada no texto está falando da questão da expiação, seu alcance ou finalidade.”

Eu mantenho que a compreensão do Dr. White desta frase acaba por postular que Deus é apenas um hipotético Salvador para alguns homens. Se Paulo tivesse pretendido o sentido dado por ele, ou seja, que Deus é o único salvador disponivel, mas em nenhum sentido o salvador real dos não-eleitos, então nós poderiamos esperar que Paulo usasse a frase "Deus, nosso Salvador" (como fez em 1 Tm 2:3), ou simplesmente dizer "Deus é o Salvador", sem acrescentar o modificador "de todos os homens." O modificador sugere fortemente que o papel de Deus como Salvador tenha sido efetivamente aplicado, em certo sentido, a "todos os homens". Agora, se Paulo tivesse, naquele momento, acrescentado a frase "especialmente aos judeus” (cf. Rm 2:9-10, onde ele faz algo semelhante), então é claro que nós tomaríamos a frase "todos os homens" como "todos os tipos de homens (sem distinção) " ao invés de “todos os homens (sem exceção) ", e corretamente limitariamos a aplicação aos eleitos, alguns dos quais são judeus e outros que são gentios.

Mas não é isso que Paulo faz aqui. Ao invés disso, ele introduz uma categoria maior ("todos os homens") e uma subcategoria dentro desta categoria maior ("aqueles que crêem"), e afirma que Deus é em um menor sentido o Salvador da categoria principal e em um grande sentido o Salvador da subcategoria. A declaração de Paulo faz Deus, em algum real e aplicado sentido o Salvador de todos os homens. Em contrapartida, a posição do Dr. White vislumbra Deus como o Salvador da subcategoria ("aqueles que crêem") em um sentido real, verdadeiro e aplicado, mantendo que Deus não é o Salvador da categoria principal ("todos os homens"), em nenhum sentido real, efetivo ou aplicado. Portanto, creio que a nomenclatura “Salvador hipotético"  se aplica muito mais facilmente à sua posição.

Eric Svendsen: 1 João 2:2

Outra passagem que eu creio constituir uma dificuldade exegética para os defensores da expiação limitada é 1 João 2:2: "E Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.” Tendo escrito um comentário sobre as cartas de João (ver Store NTRMin), tenho lutado com este texto extensamente e não pude justificar a explicação comum dos defensores da expiação limitada de que o contraste entre "nós" e "o mundo" aqui é o contraste entre os judeus e os gentios. Normalmente, eu concordaria com a explicação "judeu/gentio" dos textos sobre predestinação, mas não posso neste caso. Aqui estão os comentários diretamente do meu comentário:


"Esta propiciação não é pelos nossos pecados somente, mas também pelos pecados do "mundo inteiro". No contexto "nossos pecados" deve se referir aos pecados dos crentes (isto é, os eleitos de Deus), e não pode se referir a uma distinção entre diversos "tipos" de pessoas (por exemplo, o "nosso" = judeus, enquanto o mundo "= gentios)."

"Há algumas evidências de que os gnósticos ensinaram a sua própria versão de "expiação limitada", segundo a qual seu "evangelho" seria entregue somente para aqueles iluminados. Paulo deixa entender isso quando contendendo com os gnósticos de Colossos, insistiu que o verdadeiro evangelho tem chegado a "todo o mundo" (Cl 1:6), e foi proclamado "a toda criatura debaixo do céu" (1:23), e que, por este evangelho, devemos advertir e ensinar "a todo homem" (1:28)."

"Assim, não há base para a entender a palavra "mundo", em 1 João 2:2, no sentido exigido por aqueles que defendem a expiação limitada (ou particular), segundo a qual na morte de Jesus Ele expiou somente pelos pecados dos eleitos. João nega essa visão quando insiste que a na morte de Jesus, Ele não só expiou por nossos pecados, mas também pelos pecados do mundo inteiro. O "mundo", na visão de João, consiste daqueles que não tenham ultrapassado as filosofias anti-cristãs, tais como a cobiça, o materialismo, o orgulho e falsos ensinamentos religiosos (2:15-17; 5:4-5); daqueles que não compreendem e até mesmo odeiam os verdadeiros cristãos (3:1,13); daqueles que tem abraçado os falsos profetas (4:1,3), daqueles que são controlados pelo maligno (4:4; 5:19), e tem abraçado o espírito de erro (4:5-6). A comparação, portanto, é entre os crentes e o resto da humanidade incrédula."

"O ponto de João é que a morte de Jesus é de valor infinitamente tão grande que não é apenas suficiente para expiar, mas de fato tem expiado os pecados do mundo inteiro. Isto não significa que o mundo inteiro é assim salvo. A base final sobre o qual alguém recebe a vida eterna não é que o seu pecado foi expiado (apesar de certamente ser uma condição necessária para a vida eterna), mas sim que ele creu em Jesus (5:11-13), e assim aceitou (aplicou) pela fé Sua expiação. Os verdadeiros crentes satisfazem essa exigência (embora só porque a própria fé tenha sido concedida a eles; Ef 2:8-9), o resto do mundo não."

Eric Svendsen: 2 Pedro 2:1

Agora, as passagens que apresentam diferentes níveis de dificuldade para o defensor da expiação limitada. A primeira que eu colocaria é 2 Pedro 2:1:

"Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou [ou: comprou], trazendo sobre si mesmos repentina destruição.”

Repare que dos “falsos mestres” que irão ser “destruidos” foi dito terem sido “comprados” pelo Mestre. Em outras palavras, não há dúvida de que isso se refere aos não-eleitos (eles serão destruídos), e não há dúvida de que a linguagem redentiva está sendo empregada (eles foram “comprados/resgatados" pelo Mestre) . A palavra "comprados" (agorazo) é a palavra técnica para “resgatar”, que significa "comprar, adquirir, resgatar, ou redimir." É a mesma palavra usada em 1 Coríntios 6:20:

"Porque fostes comprados por bom preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo."

e 1 Coríntios 7:23:

"Fostes comprados por bom preço; não vos torneis escravos dos homens"

e em Apocalipse 5:9,

"Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação."

Eu li todas as tentativas de explicar essa passagem pelos que defendem a expiação limitada e nenhuma delas é satisfatória, pois todas as explicações simplesmente assumem que a redenção in toto é algo que foi totalmente cumprido na cruz. Se alguém não começar com essa premissa, então pode facilmente explicar como alguém pode ser "comprado" (resgatado/redimido), no estágio da cruz (Cristo levou seus pecados), sem dar o salto exegético de afirmar que se trata de alguém que foi (ou será sempre) justificado. 

"Redenção" (como a palavra "salvação" e "santificação") engloba várias etapas, das quais apenas uma é a morte de Cristo na cruz. Aquele que foi redimido também deve crer e ser justificado, e, então ser glorificado antes que a completa redenção tenha ocorrido. A glorificação de nossos corpos - o ponto em que Cristo "transformará o nosso corpo humilde de forma que será como o seu corpo glorioso" é chamado de "redenção do nosso corpo" (Rm 8:23). Em outras palavras, parte de mim ainda não foi redimida. No entanto, ninguém contenderia que nós, que somos justificados, não tenhamos já sido em algum sentido redimidos, reconhecendo, neste caso, pelo menos, duas etapas da redenção. De fato, Paulo afirma em seguinda que:

“Porque, na esperança [da redenção dos nossos corpos], fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.” (Rom 8:24-25)

Nós ainda não "tivemos" a redenção final, mesmo que já tenhamos, pelo menos, um estágio dela. E assim, podemos reconhecer um “estágio” anterior da redenção que teve lugar na cruz, sem postular que neste estágio da redenção foi uma “completa” redenção que já "salvou" a todos por quem ela foi feita. Assim, alguém pode ser "resgatado" no sentido de que ele foi "comprado" pela morte de Cristo sem ser justificado e sem participar da redenção final.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O(s) Decreto(s) de Deus: Supralapsarianismo, Infralapsarianismo, etc.

John Davenant (1572-1641): O Perigo de “Ordenar” os Decretos de Deus

Norman Douty: Atos 13

Apresento apenas uma passagem no livro de Atos (cap. 13). No v.23 Paulo diz que Deus trouxe “Jesus para Salvador de Israel” - que certamente não significa que Jesus era o Salvador real da nação, mas apenas o Salvador oferecido. “A palavra desta salvação,” lemos no v. 26, foi enviada para judeus e prosélitos: “filhos da geração de Abraão, e os que dentre vós temem a Deus.” que fundamento temos para pensar que todas estas pessoas receberam a salvação? Absolutamente nenhum. Todavia, claramente, ela foi colocada dentro de seu alcance. O verso 38 é da mesma significação: “Seja-vos, pois, notório, homens irmãos [irmãos judeus], que por este se vos anuncia a remissão dos pecados,” que não poderia ter sido feito à parte de sua compra pelo sangue (Hb 9.22). No final, Paulo chama alguns de seus ouvintes de “desprezadores” da salvação de Deus, e declara: “Visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios” (v. 46). Todavia quão claro é que a remissão dos pecados e a vida eterna, obtidas pelas agonias do Calvário, foram oferecidas a estes, que se mostraram ser miseráveis ingratos.

Norman Douty: João 17:9

Em seus comentários sobre este verso na magnífica oração sacerdotal (“Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”), o bispo Ryle diz:

“Não há como fugir do texto que diz dos perversos que eles ‘negarão o Senhor que os resgatou’ (2Pe 2.1). A interpretação mais justa e honesta do texto, ‘Deus amou o mundo de tal maneira’ (Jo 3.16), é considerar ‘o mundo’ como significando toda a humanidade....

“Não cederei espaço para ninguém em manter que Jesus ama toda a humanidade, veio ao mundo por todos, morreu por todos, proporcionou redenção suficiente para todos, faz um apelo a todos, convida todos, comanda todos a se arrepender e crer; e deve ser oferecido a todos – livremente, completamente, irrestritamente, diretamente, incondicionalmente, - sem dinheiro e sem preço. Se eu não defendesse isto, eu não ousaria entrar em um púlpito, e não saberia como pregar o Evangelho.”[28]

As palavras, “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo,” não podem ser razoavelmente tomadas para significar que, nesta oração sacerdotal, Cristo não rogou, alguma vez, pelo mundo. Esta opinião está em desacordo com Seu último pedido por aqueles que deviam crer nele pela palavra dos apóstolos (v. 20). Antes de sua fé, estes futuros convertidos eram ainda uma parte do mundo. Além disso, no verso 21 Ele orou “para que o mundo creia que tu me enviaste;” e o verso 23, “para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim.” Veja o Capítulo III.4.

Norman Douty: João 16:8-11

Em Jo 16.7 Cristo declarou: “Se eu não for, o Consolador não virá a vós.” No próximo verso, Ele acrescentou: “E, quando ele vier, convencerá o mundo.” Dessa forma Ele distinguiu Seu povo crente no mundo, e disse que seria pela vinda do Espírito ao primeiro que o último seria convencido. Embora o mundo foi incapaz de convencer Cristo (cap. 8.46), Seu Espírito convenceria o mundo.

Uma das coisas das quais o Espírito convenceria o mundo depois que viesse para os crentes, é o pecado de não crer em Cristo (v. 9), isto é, de não confiar nele como Redentor. Devemos pensar que “o mundo” que é convencido deste pecado é somente “o mundo dos eleitos”? Então devemos também pensar que “o príncipe deste mundo,” mencionado no v. 11, seja o príncipe dos eleitos.” Mas isto é julgar equivocadamente (cap. 12.31; 14.30). O próprio Calvino diz aqui:

“Sob o termo mundo estão, penso, incluídos não apenas aqueles que verdadeiramente seriam convertidos a Cristo, mas os hipócritas e os reprovados.” 

Igualmente – comentando sobre o cap. 17.21, ele diz que a palavra mundo significa os reprovados.[27]

Norman Douty: João 6:32-51

Em Jo 6.32-33, Cristo disse aos Seus inimigos: “Meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.” Aqui a efetiva concessão da vida não deve ser entendida, mais do que deve ser entendida no v. 51: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” Ambas as afirmações seguiram a alimentação dos 5.000 onde, certamente, a eleitos e não eleitos foram ofertados o pão material. E essa ocasião foi claramente simbólica. Thayer lista a palavra “mundo” em ambos os versos como significando toda a raça dos homens.[23]

Ryle comenta sobre o v. 32 que o “dar” significa “oferecer algo para aceitação que aqueles a quem é oferecido podem não receber,” e então acrescenta:

“É uma declaração notável, e uma que parece para mim provar incontestavelmente que Cristo é o dom de Deus ao mundo todo – que Sua redenção foi feita para toda a humanidade – que Ele morreu por todos – e é oferecido a todos.... Corretamente interpretadas, as palavras significam que em algum sentido ou outro o Pai verdadeiramente dá o Filho àqueles que não são crentes. Eles autorizam os pregadores e os mestres a fazerem uma oferta vasta, ampla, completa, livre, ilimitada, de Cristo a toda a humanidade sem exceção.”[24]

Sobre o v. 33, ele diz:

“O pão de Deus foi para todo o mundo, e forneceu vida eterna a todo membro da família de Adão que o comeria, judeu ou gentio.... Que todo o mundo não tem vida de Cristo, e não crê nele, é indubitavelmente verdadeiro. Mas essa vida é proporcionada em Cristo, e a salvação suficiente para todo o mundo parece ser a interpretação natural do texto.”[25]

Sobre o v. 51, ele comenta:

“Eu somente posso ver um significado na palavra mundo. Significa toda a humanidade.... Cristo morreu por toda a humanidade; não pelos eleitos apenas, mas por toda a humanidade.... Que a morte de Cristo foi suficiente para toda a humanidade, e que quando Ele morreu Ele fez expiação suficiente para todo o mundo, são verdades que, tanto neste texto como em outros como estes, parecem à minha mente indisputáveis.”[26]

Entre as duas partes que acabamos de citar de Jo 6, está o famoso verso 44: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer,” sobre o qual um comentário é feito no capítulo precedente (V.6). A dificuldade se encontra na vil disposição do pecador, e ele é completamente responsável por isso. Ele não é nenhum “pobre cativo,” como Owen o chama, mas um deliberado rebelde. Seu caso, por isso, não é para compaixão, mas para censura.

Norman Douty: João 5:40

Novamente, eu cito Jo 5.40: “E não quereis (não desejais) vir a mim para terdes vida.” Ryle comenta:

“Estas palavras são uma sentença dourada, que devem ser gravadas em nossas memórias, e guardadas em nossas mentes. É falta de vontade para vir para Cristo para salvação que será descoberto, finalmente, ter excluído muitos do céu. Não é os pecados dos homens: todo tipo de pecado pode ser perdoado. Não é o decreto de Deus: a Bíblia não nos diz de qualquer um que Deus somente criou para ser destruído. Não há qualquer limite na obra de redenção de Cristo: Ele pagou um preço suficiente para toda a humanidade. E algo mais do que isto: é a própria má vontade inata do homem para vir para Cristo, se arrepender, e crer.”[21]

Shedd diz:

“O não eleito recebe a graça comum, e a graça comum inclinaria a vontade humana se ela não fosse derrotada pela vontade humana. Se o pecador não fizesse nenhuma oposição hostil, a graça comum seria equivalente à graça salvadora.”[22]

Claramente, tivessem vindo para Ele eles teriam recebido a vida eterna dele. Mas Ele não poderia tê-la entregue sem expiar seus pecados (cap. 3.14-15). Segue necessariamente que Sua morte deve ter incluído provisão para eles. A única razão que eles não obtiveram a vida foi, de acordo com Ele, porque eles recusaram aceitar de Sua graça. Similarmente, lemos em Lc 7.30 que “os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos.”

Norman Douty: João 4:42

Em Jo 4.42 os samaritanos disseram à mulher com quem Jesus tinha conversado no poço de Sicar: “Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.” João depois declarou que “o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo” (1Jo 4.14). Devemos dizer que o termo “mundo” nestes textos significa “o mundo dos eleitos,” porque é somente essa parte do mundo que é verdadeiramente salva; ou, que o termo significa o mundo todo dos homens por quem o Pai enviou Seu Filho, para fornecer salvação a todos, se eles se beneficiarem de Sua graça salvadora ou não? É certo que quando os samaritanos chamaram Jesus “o Salvador do mundo,” eles não queriam dizer “o mundo dos eleitos.” Não é óbvio que, quando João mais tarde empregou o mesmo título, ele não impõs um significado especial nele?

É também certo que quando Cristo, usando uma expressão similar, disse, “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12; 9.5), Ele não queria dizer “o mundo dos eleitos,” como qualquer um pode vir a saber comparando os cap. 1.1-9; 3.19 e 12.46. O sol nos céus brilha sobre todos os homens, ainda que alguns, em sua insensatez, possam escolher recolher-se em cavernas escuras para fugir de seus raios iluminadores. Como a Luz do mundo, o Filho de Deus visava o bem salvífico de todos os homens, como o batista em seu ministério também visava (cap. 1.7). Em ambos os casos, a maior parte dos ouvintes se exclui do bem que lhe foi oferecido. É certo que quando Cristo chamou Seus discípulos “a luz do mundo” (Mt 5.14), Ele não queria dizer “a luz dos eleitos.” Concluímos, então, que “o Salvador do mundo” não significa “o Salvador dos eleitos.”

Norman Douty: João 3:16

O próximo, Jo 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” O significado óbvio é que “o mundo” denota a raça, e que “todo aquele” significa qualquer um, e que, embora Deus tenha mostrado Seu amor a todos na dádiva de Seu Filho, somente aqueles que colocam sua confiança nele serão salvos. Entretanto, homens instruídos, e alguns nem tanto, têm feito o melhor que podem para refutar esta construção do verso: novamente, “o mundo” deve ser reduzido ao grupo dos eleitos, e “todo aquele” não deve ser vasto o suficiente para incluir justamente qualquer um. Mas aqui, como no cap. 1.29, os léxicos gregos dizem que “o mundo” denota a humanidade. Além disso, é inútil negar que “todo aquele” abrange todo mundo, como uma referência às suas outras ocorrências demonstram (p. ex., Mt 7.24; Jo 12.46; At 2.21; 10.43; Rm 9.33; 10.11, 13; Ap 22.17). É equivalente àquelas outras palavras que Jesus empregou: “se qualquer um” (p. ex., Jo 6.51; 7.17, 37; 10.9; 12.26, 47). Sobre este último verso (cap. 12.47) Calvino diz: “A fim de que as mentes de todos os homens possam ser inclinadas ao arrependimento, a salvação é aqui oferecida a todos os homens sem distinção.” (A palavra final deve ser “exceção” ou a afirmação é uma non sequitur.)

O décimo sexto verso do terceiro capítulo de João não deve ser separado dos dois versos precedentes, nos quais Cristo aludiu ao 21º capítulo de Números. Lá, Moisés levantou a serpente de bronze no acampamento de Israel, que se “qualquer um” olhasse para ela, experimentava libertação física. Aqui, no verso 15, Cristo aplica a história espiritualmente quando diz que “todo aquele” que crê no Filho do Homem levantado experimentará libertação espiritual. O mesmo “todo aquele” ocorre no verso 16, e carrega com ele a mesma idéia de universalidade tipificada em Nm 21. Calvino diz:

“Ele empregou o termo universal todo aquele, tanto para convidar todos indiscriminadamente a participar da vida, como para pôr fim a toda desculpa dos incrédulos. Este também é o significado do termo mundo que Ele anteriormente usou [Deus amou o mundo de tal maneira]; pois embora nada será encontrado no mundo que seja digno do favor de Deus, todavia Ele se mostra para ser reconciliado com o mundo todo, quando Ele convida todos os homens sem exceção [não meramente sem distinção] à fé de Cristo, que nada mais é do que uma entrada para a vida.”[15]

A referência aqui é, obviamente, não ao amor de complacência de Deus, mas ao Seu amor de compaixão. Foi deste amor de piedade que Ele deu Seu Filho unigênito – em Belém, sim, mas principalmente no Calvário, pois é somente crendo nele “levantado” (como crucificado, vv. 14, 15; cf. cap. 12.32-33) que alguém pode receber a vida eterna.

Novamente, as observações de Calvino são apropriadas:

“O Pai celestial ama a raça humana e deseja que eles não pereçam.” Ele pergunta, “Como acreditaremos que somos amados por Ele, até que a expiação tenha sido feita por aqueles pecados por causa dos quais Ele está justamente desgostoso conosco?”

Assim temos que primeiro entender que a expiação foi feita por nossos pecados antes que possamos concluir que somos amados por Deus. Mas se a expiação foi feita somente pelos pecados de alguns, quem deve saber se seus pecados foram incluídos na transação? A posição de Calvino não implicava em nenhuma dificuldade, pois ele fala aqui da “reconciliação que foi obtida através de Cristo,” como consistindo da reconciliação “com o mundo todo” - não meramente os eleitos. Todavia, como ele acrescenta, é somente os eleitos que buscam a Deus pela fé. É claro, por essa razão, que Calvino assumia que “o mundo” aqui significa a raça, não os eleitos.[16]

Ryle diz sobre este texto:

“Parece-me uma violência à linguagem confinar a palavra mundo aos eleitos. O mundo é indubitavelmente um nome às vezes dado aos perversos exclusivamente. Mas eu não consigo ver que seja um nome alguma vez dado aos santos.... Se o mundo significasse somente a porção crente da humanidade, teria sido suficiente dizer, Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que o mundo não pereça.... A verdadeira concepção das palavras.... creio ser esta: O mundo significa toda a raça humana.... O amor falado é aquele amor de piedade e compaixão com que Deus considera.... especialmente.... a humanidade. Há muito cheguei à conclusão de que homens podem ser mais sistemáticos em suas afirmações do que a Bíblia, e podem ser levados a graves erros pela veneração idólatra de um sistema.”[17]

David Brown também diz que neste verso “o mundo” significa o mundo “em seu sentido mais vasto.”[18]

No sermão de Spurgeon sobre “O Amor Imensurável,” ele diz, logo no começo da seção III: “Há no texto (Jo 3.16) uma palavra que não tem limite – Deus amou o mundo de tal maneira; mas então chega no limite descritivo.... para que todo aquele que nele crê;” mas, estranho de fato, mais adiante, no mesmo parágrafo, ele diz que a restrição se refere ao amor de Deus, ao invés da fé dos homens! Estas são suas palavras: “Aqui está o alcance do amor: enquanto todo incrédulo é excluído, todo crente é incluído.”[19]

Jo 3.17


Considere o próximo verso (Jo 3.17), já comentado em meu segundo capítulo: “Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.” Aqui Calvino diz:

“A palavra mundo é novamente repetida, para que nenhum homem possa pensar-se totalmente excluído, se ele somente manter a estrada da fé”

- mostrando que ele incluiu todos os homens na palavra “mundo,” ao invés de restringi-la para abranger os eleitos apenas. Sobre Jo 12.47b (“Eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”), Calvino similarmente observa:

“Ele demora para pronunciar julgamento sobre eles, porque, ao contrário, Ele veio para a salvação de todos.... Ele põe de lado por um tempo o ofício de juiz e oferece salvação a todos sem reserva, e estende Seus braços para abraçar todos, para que todos possam ser os mais encorajados a se arrepender.”[20]

Seja o envio do Filho ao mundo pelo Pai (como aqui, e no cap. 10.36; 17.18; 1Jo 4.9), ou a vinda do Filho ao mundo (como no cap. 3.19; 6.14; 9.39; 11.27; 12.46; 16.28; 18.37; cf. 1Tm 1.15), a referência é ao mundo da humanidade, e não ao “mundo dos eleitos.”


Jo 3.18


Considere o verso 18: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” Crer no “nome” de Cristo é uma expressão encontrada em outro lugar (Jo 1.12; 20.31; At 10.43; 1Jo 3.23a; 5.13) e significa confiança nele como Redentor, como observado no capítulo V.2. O verso 18 afirma que pecadores que não crêem “no nome do unigênito Filho de Deus” são julgados por isto. Mas como algum pecador poderia ser julgado por não confiar em Cristo como Redentor, se Cristo não proporcionou redenção para ele? A teoria da Expiação Limitada não é capaz de fornecer a resposta.

Norman Douty: João 1:29

Chegamos ao quarto Evangelho. Consideremos o cap 1.29: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” Grimm-Thayer diz que a palavra traduzida como “tirar” (usada novamente em 1Jo 3.5), significa “remover;” Arndt-Gingrich, que ela denota “remover” ou “apagar.” Robinson declarou que a afirmação se refere à remoção da “imputação ou punição do pecado,” que é confirmado por Jeremias, que diz que ela denota “pôr de lado a culpa de outros.”[10]

Obviamente, isto não significa que Cristo dessa forma removeu o pecado, quando Ele morreu como o Cordeiro sacrificado, que aqueles por quem Ele sofreu, não tinham, conseqüentemente, nenhum pecado a ser perdoado. Somente significa que Ele, por Sua morte, sofreu a punição devida a eles por causa de sua culpa. A fim deles efetuarem o benefício dela, eles precisam reconhecer e abandonar seus pecados, e confiar em Cristo crucificado como seu Redentor. Isto expõe a falácia disfarçada na frase “A Cruz Salva.”

Homens como Owen e Pink restringem o termo “mundo” neste texto de modo que ele abrange somente os eleitos. Eles falam do “mundo dos eleitos,” que é uma expressão esquisita, visto que nunca lemos de Deus elegendo “o mundo,” mas somente de Sua escolha de algumas pessoas dele. É completamente verdadeiro que o termo, quando usado dos homens, nem sempre significa todos; mas é inegável que ele usualmente significa isso ou “a humanidade contemplada como em uma condição não regenerada.”[11] De fato, parece que Cristo regularmente usou-o nestes sentidos (p. ex., Mt 5.14; 13.38; 18.7; Mc 14.9; Jo 7.7; 8.12, 26; 9.5; 12.31, 47; 13.1; 14.17, 27, 30; 15.18-19; 16.8, 11, 20, 28, 33; 17.6, 9, 14, 16, 25).

Será observado que a maioria das referências precedentes pertencem ao quarto Evangelho. Westcott diz:

“A idéia fundamental de kosmos em São João é a da soma do ser criado que é parte da esfera da vida humana como um todo ordenado, considerado à parte de Deus.... É fácil ver como o pensamento de um todo ordenado, relativo ao homem e considerado à parte de Deus passa para aquele do todo ordenado separado de Deus. O homem caído imprime seu caráter sobre a ordem que é a esfera de sua atividade. E dessa forma o mundo vem a representar a humanidade em seu estado caído, alienado de seu Criador, e até então determinando o caráter da ordem toda da que o homem faz parte. O mundo ao invés de permanecer a verdadeira expressão da vontade de Deus sob as condições de sua criação, torna Seu rival.... Desta análise do uso de São João do termo será visto quão naturalmente a concepção de uma ordem à parte de Deus passa para a de uma ordem oposta a Deus: como um sistema que é limitado e passageiro torna-se hostil ao divino.”[12]

O comentário de Calvino sobre Jo 1.29 é:

“Ele usa a palavra pecado no singular para qualquer espécie de iniqüidade; como se ele tivesse dito que toda espécie de injustiça que aliena os homens de Deus é retirada por Cristo. E quando ele diz o pecado do mundo, ele estende este favor indiscriminadamente a toda a raça humana” - não meramente aos eleitos.[13]

Em suas observações sobre este texto, Ryle diz,

“Cristo é... um Salvador para toda a humanidade.... Ele não sofreu por algumas pessoas apenas, mas por toda a humanidade.... O que Cristo retirou, e suportou na cruz não foi o pecado de certas pessoas apenas, mas toda a massa acumulada de todos os pecados de todos os filhos de Adão.... Eu defendo tão vigorosamente quanto qualquer um, que a morte de Cristo é proveitosa a ninguém senão os eleitos que crêem em Seu nome. Mas eu não ouso limitar e restringir expressões como esta diante de nós. Eu não ouso dizer que nenhuma expiação foi feita, em qualquer sentido, exceto para os eleitos. Eu creio que é possível ser mais sistemático do que a Bíblia em nossas afirmações.... Não ouso confinar a intenção da redenção aos santos apenas. Cristo é para todo homem.... Eu repudio a idéia de salvação universal como uma heresia perigosa e totalmente contrária à Escritura. Mas os perdidos não provarão ser perdidos porque Cristo não fez nada por eles. Ele carregou seus pecados, Ele levou suas transgressões, Ele proporcionou pagamento; mas eles não afirmariam qualquer interesse nisto... A expiação foi feita por todo o mundo, embora seja aplicada e desfrutada por ninguém senão os crentes.”[14]

Norman Douty: Isaías 53

Is 53.4


A primeira parte deste verso é citado em Mt 8.17: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e levou as nossas doenças.” O evangelista nos conta que estas palavras foram cumpridas quando Cristo “expulsou os espíritos, e curou todos os enfermos” (v. 16).

Mateus repetidamente relata a cura que Cristo realizava de todos que vinham, ou eram trazidos a Ele, em busca de ajuda (cf. 4.23f; 9.35; 12.15; 15.30; 21.14). Não há a menor base para crer que todas estas pessoas faziam parte dos eleitos. Então o pronome “nosso” não deve ser restrito a esses, mas deve ser tomado em um sentido geral, simplesmente para denotar seres humanos. Neste caso, Cristo ser ferido, esmagado e punido, mencionados no próximo verso (Is 53.5) foram para todos os homens também, o “nosso” três vezes usado lá sendo tão abrangente quanto o “nosso” duas vezes usado no verso 4.


Is 53.6


Considere, em seguida, as três afirmações de Is 53.6: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair (fez descer) sobre ele a iniqüidade (a punição) de nós todos.” Se prestarmos atenção no contexto, teremos que confessar que as palavras dizem respeito ao povo de Israel. Mas elas não devem, no final das contas, ser restringidas a esse grupo; ao invés, o povo de Israel deve ser tomado, como em Rm 3.19, como representante de toda a humanidade. Na primeira destas afirmações, a apostasia geral dos homens é declarada; na segunda, o desvio de cada um; na terceira, o sofrimento expiador do Messias, que é dito ser em benefício de todos. Como o primeiro “todos” é verdadeiro de todos os homens (e não apenas dos eleitos), julgamos que o último “todos” diz respeito ao mesmo grupo. Todos os homens são convidados a entrar no primeiro “todos” (contanto que eles confessem sua culpa em ter desviado), e sair no último “todos” (receber seu perdão pelo sacrifício expiador).

É verdadeiro que nós, “desgarrados como ovelhas,” somos curados com os açoites de Cristo – pois “o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele” (v.5) – mas não até que “temos voltado ao Pastor e Bispo das nossas almas” (1Pe 2.24-25). Seus açoites proporcionaram o remédio para a nossa cura, mas nossa cura é dependente de aplicarmos o remédio pela fé penitente.

Os Decretos de Deus: Infralapsarianismo, Supralapsarianismo, etc


John Davenant (1572-1641): O Perigo de “Ordenar” os Decretos de Deus

Norman Douty: Isaías 45:22

Is 45.22 diz a mesma coisa em outras palavras: “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os confins da terra; porque eu sou Deus, e não há outro.” Os professores Murray e Stonehouse em The Free Offer of the Gospel reconhecem que a salvação aqui oferecida não significa segurança temporária ou temporal, mas espiritual e eterna. Eles também confessam que a expressão, “todos os confins da terra,” denota um verdadeiro universalismo, que abrange a todos. Eles constatam isto confirmado pelo contexto, no qual Deus fala como o Criador (vv. 12, 18) e como Salvador (vv. 15, 20, 21) e Juiz (v. 23). Eles concluem dizendo que “não há nenhuma exceção ao comando para olhar e ser salvo, mais do que há para a única dignidade de Criador, a única dignidade de Deus, e a única dignidade de Salvador do Deus que estende o apelo.”[7] É suficiente fazer apenas uma pergunta aqui: Como pode “todos os homens sem exceção” ser chamados à salvação se foi somente “para todos os homens sem distinção” (isto é, todos as classes de homens) que a salvação foi comprada para eles no Calvário?

Norman Douty: Gênesis 3

Começo com Gn 3. Se considerarmos Adão como o cabeça natural da raça, ou como seu cabeça federal, todos nós consideramos ele e toda a humanidade como uma unidade, em todo o relato da criação e da queda. Como resultado, o que é verdadeiro dele é verdadeiro deles. Todos os homens foram criados em Adão, e todos os homens caíram nele. Os resultados da queda são igualmente comuns a ambos. Por causa de sua ligação com ele, todos – eleitos e não-eleitos – estão envolvidos tanto na culpa de Adão quanto em sua depravação; todos estão sob a sentença de morte e corrompidos em suas faculdades. Além disso, todos estão expostos aos prejuízos resultantes da maldição imposta sobre a natureza à sua volta. Então, seja com referência à criação, queda, culpa, depravação, desgraça ou morte, Adão e sua raça constituem uma única entidade.

Mas há um outro ponto importante para a história. Há a graciosa promessa de Deus referente à Semente da Mulher Que traria libertação aos caídos (v. 15). Seguimos a interpretação usual, que entende que a semente da mulher é uma pessoa (“Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”) – Cristo. Por isso rejeitamos a opinião de que esteja falando de Cristo e Seu povo (como Owen acreditava).[1] Se a semente da Mulher é uma pessoa, pareceria necessário entender que a semente da serpente também é uma pessoa – o Anticristo (como Pink).[2] Cristo ferir a cabeça da serpente (Satanás) significa seu ato de desfazer os danos da Queda. Disso, temos aqui a graciosa promessa de Deus de libertação aos caídos.

Agora, a teoria da Expiação Limitada exige que transtornamos a harmonia da história, dizendo que esta promessa, ao invés de pertencer a eleitos e não-eleitos, como todos os outros itens, diz respeito aos primeiros somente. Mantemos que esta mesma exigência serve para mostrar a falácia da teoria. O Filho encarnado é o dom de Deus para a raça, independente de como a maioria de seus membros possa tratá-lo. Como a Bíblia é o dom de Deus para a humanidade, e os homens fariam bem se considerassem como eles lidam com ela, da mesma forma Jesus Cristo é Seu dom a todos e eles seriam prudentes se saudassem-no e considerassem-no.

Que é assim, é ainda manifesto do fato que, quando o Filho de Deus se encarnou, Ele assumiu a natureza da raça – que é comum tanto aos eleitos quanto aos não-eleitos.

Ele chegou tão perto de um grupo como do outro. A humanidade assumida foi a humanidade de ambos, e conseqüentemente Ele representou ambos. Não poderia ser de outra forma, visto que Sua era a Humanidade universal. O bispo H. C. G. Moule (1841-1920) observa em relação a isto:

“É amplamente revelado que o Filho de Deus, em eterna relação com a Encarnação e a Expiação, tem ligação profunda e graciosa, não apenas com certos indivíduos, ou partes da raça, mas com o Homem. Para Ele, como o Verbo Eterno encarnado ‘para nós homens e para nossa salvação,’ todo homem está tão relacionado que tem o direito de dizer, ‘Eu sou dessa natureza que em Cristo é unida a Deus; eu sou desse mundo humano (1Jo 2.2) pelo qual Cristo é a propiciação; eu sou dessa humanidade que Ele redimiu.’”

Compare as palavras de Moule em outro lugar:

“Quando eu falo do 'por quem' de Cristo para os crentes, de forma alguma quero dizer que não haja tal coisa como seu 'por quem' para o HOMEM.”[3]

Assim, também, o bispo Davenant:

“Não deve ser negado que a morte e os méritos de Cristo, Que tomou a mesma natureza de todos, e experimentou a mesma causa de todos, são dessa maneira, que eles podem ser anunciados, oferecidos, e pela fé aplicados a todo indivíduo participante da natureza humana.”[4]

Um outro erudito, D. M. McIntyre (1859-1938) de Glasgow, fala similarmente:

“Há um sentido geral em que o Senhor Jesus se coloca como representante da raça humana. Ele é divino, o próprio Deus do próprio Deus; por essa razão nele todos os homens vivem e movem e existem. Como o Filho do Homem Ele compreende a humanidade universal. Filho do Homem foi o título que nosso Senhor escolheu para Si mesmo.... é uma confissão pública de Sua relação com a raça.”[5]

É freqüentemente dito que Cristo tomou este título de Dn 7.13, mas não há nenhuma menção lá de “o Filho do Homem,” somente de “um como filho de homem,” isto é, de alguém que tem uma aparência humana (em contraste com as quatro bestas já descritas). Mas Cristo não apenas aparenta alguém que é humano; Ele é humano. É também freqüentemente afirmado que o título denotava “o Messias,” mas por que, então, Jesus tantas vezes aplicava-o a Si mesmo em Seu ministério, ao mesmo tempo que Ele ordenava a Seus apóstolos que não dissessem ao público que Ele era o Messias? Não, o título foi inventado por Cristo mesmo para denotar Sua humanidade, e é oposto àquele outro título, “O Filho de Deus,” que denota Sua deidade.

“A idéia da verdadeira humanidade de Cristo se encontra em sua base,” diz Westcott, e significa que “Ele foi o representante da raça toda; o Filho do Homem em quem todos os poderes potenciais da humanidade foram reunidos... Tudo que verdadeiramente pertence à humanidade, tudo, por essa razão, que pertence a todo indivíduo na raça toda, pertence também a Ele.”[6]

Ele, por essa razão, representa todo e qualquer homem. Agora, observe que Cristo declarou que foi como o Filho do Homem que Ele devia sofrer (Mt 17.12; 26.2; Mc 8.31; 9.31; 14.21; Lc 18.31-33; 22.22); dar Sua vida como resgate (Mt 20.38); e ser levantado na cruz (Jo 3.14; 8.28; 12.34).

Fonte:
http://www.arminianismo.com/index.php?option=com_content&view=category&id=117&Itemid=42

Tradução: Paulo César

Norman Douty: A Incapacidade do Pecador

É comumente dito que o pecador de si mesmo não pode se arrepender nem crer. Uma das bases sobre a qual os homens apóiam esta afirmação é Jo 6.44: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer.” Escrevendo sobre este assunto, Pink diz:

“Deve ser claramente entendido que, quando falamos da incapacidade do pecador, não queremos dizer que se os homens desejassem vir a Cristo, eles não teriam a força necessária para realizar seu desejo. Não; o fato é que a incapacidade do pecador ou ausência de força é devida à falta de disposição para vir para Cristo, e esta falta de disposição é fruto de um coração depravado. É de primeira importância que distinguimos entre incapacidade natural e incapacidade moral e espiritual.... Por que é que o pecador não pode vir a Cristo a menos que seja trazido? A resposta é, Porque seu perverso coração ama o pecado e odeia Cristo.”[12]

Comentando sobre o mesmo texto, o bispo J. C. Ryle (1816-1900) diz:

“Do que esta incapacidade do homem consiste? Em que parte de nossa natureza interior esta impotência reside? Aqui está um ponto sobre o qual muitos erros surgem. Continuamente deixe-nos lembrar que a vontade do homem é a parte dele que está com defeito. Sua incapacidade não é física, mas moral. Não seria verdadeiro dizer que um homem tem um real desejo e quer vir a Cristo, mas falta-lhe força para isso. Seria muito mais verdadeiro dizer que um homem não tem força para vir porque não tem nenhum desejo ou vontade. Não é verdadeiro que ele viria se pudesse. É verdadeiro que ele poderia vir se quisesse (itálico meu). A vontade corrupta – a indisposição secreta – a falta de inclinação – são as reais causas da incredulidade. É aqui que se encontra o dano. A força que nos falta é uma nova vontade. É precisamente neste ponto que precisamos da atração do Pai.”[13]

Quando o bispo de Liverpool tratou mais extensivamente de Jo 6.44, ele observou similarmente:

“Quando nosso Senhor diz, Ninguém pode vir a mim, devemos cuidadosamente lembrar que é de incapacidade moral, e não física que Ele fala. Não devemos supor que alguém pode ter um desejo sincero e genuíno para vir a Cristo, e todavia seja impedido por alguma impotência misteriosa. A impotência se encontra na vontade do homem. Ele não pode vir porque não quer vir.”[14]

Similarmente sobre Jo 5.40:

“Milhares, em todas as épocas, estão constantemente trabalhando para mudar a culpa de sua condição de si mesmos. Eles falam de sua incapacidade para mudar. Eles dizem a vocês complacentemente que eles não podem deixar de ser o que são! Eles sabem, deveras, que estão errados, mas eles não podem ser diferentes! – Isso não funcionará. Tal conversa não resiste ao teste da Palavra de Cristo diante de nós. Os impenitentes são o que são porque não têm vontade de melhorar... A verdadeira razão por que os homens não querem vir a Cristo, e conseqüentemente morrem em seus pecados, é sua falta de vontade para vir.”[15]

Exemplos deste tipo de perversidade são encontrados em muitas passagens na Escritura. Em Gn 37.4 somos informados de que os irmãos de José “não lhe podiam falar pacificamente,” mas o ódio deles não era uma necessidade inevitável; eles não tinham que odiá-lo. É verdade que eles não podiam fazer outra coisa senão falar agressivamente a ele, visto que eles odiavam-no, mas eles podiam ter evitado odiá-lo. De fato, eles pararam de odiá-lo posteriormente. Em Jo 5.44 Cristo faz aos Seus inimigos uma pergunta pertinente: “Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não buscais a glória que vem do único Deus?” Devemos pensar que estes homens não podiam deixar de receber glória uns dos outros e que eles não podiam possivelmente buscar a glória que vem de Deus? Obviamente não. Nem podemos pensar que a incapacidade deles para crer era uma incapacidade absoluta. Era somente relativa; era uma incapacidade tal que eles podiam ter eliminado caso quisessem. Por essa razão era uma incapacidade criminosa, pela qual eles mesmos eram totalmente responsáveis.

É completamente verdadeiro que os pecadores se arrependem e crêem apenas porque foram divinamente induzidos a assim fazer, mas dizer que eles não queriam de si mesmos fazer estas coisas não significa que eles simplesmente não podem. No Julgamento Final, os homens não poderão exonerar-se por sua impenitência e incredulidade alegando falta de força, mas honestamente reconhecerão sua auto-determinação como a causa real. Eles não fazem porque não querem. Como o Dr. Griffith Thomas uma vez disse em meu ouvido: “Não é o poder da vontade dos homens que me preocupa, mas seu poder de não ter vontade.”

De um coisa não pode haver a menor dúvida, e é que na Escritura o pecador é constantemente tratado como se não fosse somente responsável, mas também capaz de fazer alguma coisa. Aqui estão alguns exemplos: “Escolhe a vida, para que vivas” (Dt 30.19); “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor” (Is 1.18); “Vinde, e convertei-vos de todas as vossas transgressões.... lançai de vós todas as vossas transgressões que cometestes contra mim; e criai em vós um coração novo e um espírito novo.... convertei-vos, pois, e vivei” (Ez 18.30-32); “Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos” (Ez 33.11); “Cuidai de vós mesmos, e não sejais infiéis” (Ml 2.16); “Se não vos arrependerdes, todos.... perecereis” (Lc 13.3, 5).

Além disso, na pregação apostólica do Evangelho, fala-se dos pecadores como se esperassem agir imediatamente – sem qualquer sugestão que, afinal de contas, eles estivessem sob alguma insuperável necessidade de não fazer nada. É simplesmente uma questão de registro que os pregadores primitivos não disseram a seus ouvintes que eles não tinham absolutamente nenhuma capacidade para fazer qualquer coisa em resposta ao chamado, convite, comando e ameaça de Deus. Mas não precisamos, por isso, dizer que estes homens inspirados eram pelagianos ou arminianos ou ambos. Todos precisamos tomar cuidado a fim de que não, como o “pensador brilhante e sagaz,”[16] William Archer Butler (1814-1848), disse, “Mantemos poucos textos tão próximos dos olhos que eles escondem o restante da Bíblia.”[17]

Acredita-se que a incapacidade total seja o resultado necessário da depravação total, mas não é. A depravação total somente significa que a totalidade das faculdades do homem foi afetada pelo pecado – não que suas faculdades foram totalmente arruinadas por ele. Se elas foram, então obviamente ele é incapaz de qualquer ação correta. Mas a Bíblia toda, como acabamos de observar, contradiz isto.

Mas vamos, por ora, supor que o pecador jaz sob uma impossibilidade absoluta de se arrepender e crer. Vamos imaginar que ele simplesmente não pode se dedicar a estes atos que são necessários à sua salvação. Essa incapacidade o prende em desespero? De maneira alguma, visto que Deus não é somente capaz de lhe conferir o poder necessário, mas também está disposto a agir assim. Tudo que o pecador incapaz tem que fazer é clamar a Ele pela capacidade necessária.

Não pode justificavelmente ser dito que o pecador é tão impotente que não pode nem mesmo clamar a Deus. Todos os dias pessoas ímpias Lhe imploram por livramentos temporais de vários tipos, e embora eles não tenham nenhuma promessa de resposta, todavia muitos obtêm o que pedem. Eu conheci casos como esses, e o leitor pode ter conhecido alguns também. Veja, por exemplo, Sl 107.23-30.

Agora, se os pecadores podem recorrer a Deus para suas necessidades físicas, eles podem – se somente desejarem – recorrer a Ele para concedê-los a capacidade para se arrepender e crer. E assim, até mesmo na hipótese de que lhes faltam qualquer poder para desempenhar estes atos essenciais, eles não estão sem meios de adquirir esse poder. Então, eles são tão responsáveis quanto se eles mesmos tivessem o poder.

Notas:

[1] Murray, Redemption, Accomplished and Applied (Grand Rapids, 1955), pp. 62-75.

[2] Hodge, Systematic Theology (Grand Rapids, 1946), Vol. II, pp. 545f.

[3] ibid., p. 558.

[4] Murray, op. cit., pp. 61f.

[5] Hodge, op. cit., pp. 544-546.

[6] Morris, “The Themes of Romans,” em Apostolic History and the Gospel (Exeter e Grand Rapids, 1970), p. 262.

[7] Owen, The Death of Death (1959), p. 62.

[8] Owen, Works (ed. Goold, 1850), Vol. III, Cap. IV, p. 168.

[9] Hodge, op. cit., Vol. II, p. 544.

[10] ibid., p. 546.

[11] ibid., pp. 556f.

[12] Pink, The Sovereignty of God (Grand Rapids, 1959), pp. 187f.

[13] Ryle, Expository Thoughts on the Gospels (1856-73; reimpresso Grand Rapids, 1900), Vol. III, pp. 383f. Thomas Scott diz que a deficiência do pecador para vir a Cristo “não é [por causa de] falta de capacidade natural.”

[14] Ryle, op. cit., p. 389.

[15] ibid., pp. 317, 320.

[16] The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia, artigo sobre William Archer Butler, Vol. II, p. 321.

[17] Citado em D. M. McIntyre, Spirit and Power (Londres, 1913), p. 10.