O próximo, Jo 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” O significado óbvio é que “o mundo” denota a raça, e que “todo aquele” significa qualquer um, e que, embora Deus tenha mostrado Seu amor a todos na dádiva de Seu Filho, somente aqueles que colocam sua confiança nele serão salvos. Entretanto, homens instruídos, e alguns nem tanto, têm feito o melhor que podem para refutar esta construção do verso: novamente, “o mundo” deve ser reduzido ao grupo dos eleitos, e “todo aquele” não deve ser vasto o suficiente para incluir justamente qualquer um. Mas aqui, como no cap. 1.29, os léxicos gregos dizem que “o mundo” denota a humanidade. Além disso, é inútil negar que “todo aquele” abrange todo mundo, como uma referência às suas outras ocorrências demonstram (p. ex., Mt 7.24; Jo 12.46; At 2.21; 10.43; Rm 9.33; 10.11, 13; Ap 22.17). É equivalente àquelas outras palavras que Jesus empregou: “se qualquer um” (p. ex., Jo 6.51; 7.17, 37; 10.9; 12.26, 47). Sobre este último verso (cap. 12.47) Calvino diz: “A fim de que as mentes de todos os homens possam ser inclinadas ao arrependimento, a salvação é aqui oferecida a todos os homens sem distinção.” (A palavra final deve ser “exceção” ou a afirmação é uma non sequitur.)
O décimo sexto verso do terceiro capítulo de João não deve ser separado dos dois versos precedentes, nos quais Cristo aludiu ao 21º capítulo de Números. Lá, Moisés levantou a serpente de bronze no acampamento de Israel, que se “qualquer um” olhasse para ela, experimentava libertação física. Aqui, no verso 15, Cristo aplica a história espiritualmente quando diz que “todo aquele” que crê no Filho do Homem levantado experimentará libertação espiritual. O mesmo “todo aquele” ocorre no verso 16, e carrega com ele a mesma idéia de universalidade tipificada em Nm 21. Calvino diz:
“Ele empregou o termo universal todo aquele, tanto para convidar todos indiscriminadamente a participar da vida, como para pôr fim a toda desculpa dos incrédulos. Este também é o significado do termo mundo que Ele anteriormente usou [Deus amou o mundo de tal maneira]; pois embora nada será encontrado no mundo que seja digno do favor de Deus, todavia Ele se mostra para ser reconciliado com o mundo todo, quando Ele convida todos os homens sem exceção [não meramente sem distinção] à fé de Cristo, que nada mais é do que uma entrada para a vida.”[15]
A referência aqui é, obviamente, não ao amor de complacência de Deus, mas ao Seu amor de compaixão. Foi deste amor de piedade que Ele deu Seu Filho unigênito – em Belém, sim, mas principalmente no Calvário, pois é somente crendo nele “levantado” (como crucificado, vv. 14, 15; cf. cap. 12.32-33) que alguém pode receber a vida eterna.
Novamente, as observações de Calvino são apropriadas:
“O Pai celestial ama a raça humana e deseja que eles não pereçam.” Ele pergunta, “Como acreditaremos que somos amados por Ele, até que a expiação tenha sido feita por aqueles pecados por causa dos quais Ele está justamente desgostoso conosco?”
Assim temos que primeiro entender que a expiação foi feita por nossos pecados antes que possamos concluir que somos amados por Deus. Mas se a expiação foi feita somente pelos pecados de alguns, quem deve saber se seus pecados foram incluídos na transação? A posição de Calvino não implicava em nenhuma dificuldade, pois ele fala aqui da “reconciliação que foi obtida através de Cristo,” como consistindo da reconciliação “com o mundo todo” - não meramente os eleitos. Todavia, como ele acrescenta, é somente os eleitos que buscam a Deus pela fé. É claro, por essa razão, que Calvino assumia que “o mundo” aqui significa a raça, não os eleitos.[16]
Ryle diz sobre este texto:
“Parece-me uma violência à linguagem confinar a palavra mundo aos eleitos. O mundo é indubitavelmente um nome às vezes dado aos perversos exclusivamente. Mas eu não consigo ver que seja um nome alguma vez dado aos santos.... Se o mundo significasse somente a porção crente da humanidade, teria sido suficiente dizer, Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que o mundo não pereça.... A verdadeira concepção das palavras.... creio ser esta: O mundo significa toda a raça humana.... O amor falado é aquele amor de piedade e compaixão com que Deus considera.... especialmente.... a humanidade. Há muito cheguei à conclusão de que homens podem ser mais sistemáticos em suas afirmações do que a Bíblia, e podem ser levados a graves erros pela veneração idólatra de um sistema.”[17]
David Brown também diz que neste verso “o mundo” significa o mundo “em seu sentido mais vasto.”[18]
No sermão de Spurgeon sobre “O Amor Imensurável,” ele diz, logo no começo da seção III: “Há no texto (Jo 3.16) uma palavra que não tem limite – Deus amou o mundo de tal maneira; mas então chega no limite descritivo.... para que todo aquele que nele crê;” mas, estranho de fato, mais adiante, no mesmo parágrafo, ele diz que a restrição se refere ao amor de Deus, ao invés da fé dos homens! Estas são suas palavras: “Aqui está o alcance do amor: enquanto todo incrédulo é excluído, todo crente é incluído.”[19]
Jo 3.17
Considere o próximo verso (Jo 3.17), já comentado em meu segundo capítulo: “Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.” Aqui Calvino diz:
“A palavra mundo é novamente repetida, para que nenhum homem possa pensar-se totalmente excluído, se ele somente manter a estrada da fé”
- mostrando que ele incluiu todos os homens na palavra “mundo,” ao invés de restringi-la para abranger os eleitos apenas. Sobre Jo 12.47b (“Eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”), Calvino similarmente observa:
“Ele demora para pronunciar julgamento sobre eles, porque, ao contrário, Ele veio para a salvação de todos.... Ele põe de lado por um tempo o ofício de juiz e oferece salvação a todos sem reserva, e estende Seus braços para abraçar todos, para que todos possam ser os mais encorajados a se arrepender.”[20]
Seja o envio do Filho ao mundo pelo Pai (como aqui, e no cap. 10.36; 17.18; 1Jo 4.9), ou a vinda do Filho ao mundo (como no cap. 3.19; 6.14; 9.39; 11.27; 12.46; 16.28; 18.37; cf. 1Tm 1.15), a referência é ao mundo da humanidade, e não ao “mundo dos eleitos.”
Jo 3.18
Considere o verso 18: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” Crer no “nome” de Cristo é uma expressão encontrada em outro lugar (Jo 1.12; 20.31; At 10.43; 1Jo 3.23a; 5.13) e significa confiança nele como Redentor, como observado no capítulo V.2. O verso 18 afirma que pecadores que não crêem “no nome do unigênito Filho de Deus” são julgados por isto. Mas como algum pecador poderia ser julgado por não confiar em Cristo como Redentor, se Cristo não proporcionou redenção para ele? A teoria da Expiação Limitada não é capaz de fornecer a resposta.
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