sábado, 16 de outubro de 2010

W.G.T. Shedd (1820–1894): A Diferença entre Intenção e Extensão





1) Tendo considerado a natureza e o valor da expiação de Cristo, estamos preparados para considerar a sua extensão. Alguma controvérsia poderia ter sido evitada sobre este assunto, se tivesse havido sempre uma compreensão quanto ao significado das palavras. Nós devemos, portanto, em primeiro lugar, considerar este ponto. O termo “extensão” tem dois sentidos em uso no inglês.



(A) Ele tem um sentido passivo, e é equivalente a “valor”. A "extensão" da fazenda de um homem significa o número de hectares que contém. A "extensão" dos recursos de um homem denota a quantidade de bens que ele possui. Neste sentido da palavra, a "extensão" da expiação de Cristo seria o valor intrínseco e real dela para fins de satisfação judicial. Nesse uso do termo, todos as partes que defendem a expiação em algum sentido evangélico concederia que a "extensão" da expiação é ilimitada. A morte de Cristo é suficiente em valor para satisfazer a justiça eterna pelos pecados de toda humanidade.


Se esse fosse o único significado de "extensão", não deveríamos ser chamados a discutir mais nada. Pois tudo que foi dito sob o título da natureza e do valor da expiação responderia à pergunta: Qual é a extensão da expiação? Sendo uma expiação infinita, tem um valor infinito.

(B) A palavra tem uma significado ativo. Ela denota o ato de estender. A "extensão" da expiação, nesse sentido, significa a sua aplicação pessoal aos indivíduos pelo Espírito Santo. A extensão é agora a intenção. A questão: Qual é a extensão da expiação? Agora significa: Para quem a expiação é efetivamente estendida? O questionamento já não é “Qual é o valor da expiação?” mas, para quem o Deus propôs aplicar os seus benefícios? *

[ Nota de rodapé:] “Estender” a expiação pode ser entendido como sendo "oferecer" a expiação. Mas não é este o sentido nessa conexão. Estender, no sentido que está sendo considerado, não é apenas oferecer a expiação, mas também torná-la pessoalmente eficaz pela graça regeneradora. Shedd, Dogmatic Theology, 2: 464.

2) No inglês moderno, o termo "extensão" é tão geralmente empregado no sentido passivo de valor que o sentido ativo se tornou praticamente obsoleto, e exige explicação. Escritores sobre a "extensão" da expiação, por vezes, tem negligenciado considerar a história da palavra, e equívocos surgiram entre oponentes, que, na verdade, estavam de acordo uns com os outros.

Assim, em resposta à questão sobre a "extensão" da expiação de Cristo, deve primeiro ser resolvido se “extensão” significa a intenção da aplicação, ou o seu valor intrínseco. Se o sentido ativo ou passivo da palavra está na mente do questionador. Se a palavra significa valor, então a expiação é ilimitada, se ela significa estender, isto é, aplicar, então a expiação é limitada.

A disputa também gira em torno do significado da preposição "por". Um teólogo afirma que Cristo morreu "por" todos os homens, e outro nega que Cristo morreu "por" todos os homens. Pode haver uma diferença entre os dois que é reconciliável, e pode haver uma diferença irreconciliável. A preposição "por" denota uma intenção de algum tipo. Se, no caso que está sendo considerado, a intenção é entendida como o propósito da parte de Deus, tanto para oferecer quanto para aplicar a expiação por gerar a fé e o arrependimento no coração do pecador, pela operação do Espírito Santo, então quem afirma que Cristo morreu "por" todos os homens está em erro, e aquele que nega que Cristo morreu "por" todos os homens defende a verdade. Essas duas partes são irreconciliáveis.

Porém, quem afirma que Cristo morreu "por" todos os homens pode compreender que a intenção significada pela preposição como sendo o propósito da parte de Deus de apenas oferecer a expiação, deixando ao pecador se apropriar ou não dela por meio da fé e do arrependimento. A intenção, neste último caso, não se inclui tanto como na anterior, e o significado da preposição é mais restrito. Quando a palavra "por" é assim definido, a diferença entre as duas partes é conciliável. [...]

Novamente, a preposição "por" às vezes é entendido como não denotando a intenção, mas o valor ou a suficiência. Dizer que Cristo morreu "por" todos os homens, então significa que sua morte é suficiente para expiar a culpa de todos os homens. Aqui, novamente, a diferença é possivelmente conciliável entre as partes. Aquele que nega que Cristo morreu "por" todos os homens, toma o termo "por" no sentido de intenção de efetivamente aplicar. O outro que afirma que Cristo morreu "por" todos os homens, toma o termo "por" no sentido de valor. Então fica a questão: “Qual é o uso mais adequado da palavra "por"? É claro que com mais naturalidade transmite a noção de intenção, do que de suficiência ou valor.

Se for dito a uma pessoa: "Esse dinheiro é por você". Ele não compreende apenas que é suficiente em termos de valor para pagar sua dívida, mas que realmente produz beneficio para ele no pagamento. Na declaração das Escrituras que Cristo "deu a Si mesmo em resgate por todos" (1 Timóteo 2:6), se a palavra "por" for considerada como indicando o valor, de forma que ao ler texto como, Cristo "deu a Si mesmo em resgate suficiente por todos", uma perífrase é introduzida. A preposição "por" não expressa a idéia de suficiência ou valor diretamente, mas apenas através de uma explicação. Mas ela expressa a idéia de intenção de imediato e sem perífrase. E isso concorda melhor com o termo “resgate", o qual denota a redenção subjetiva, ao invés de satisfação objetiva. Esta observação aplica-se a textos como aqueles que dizem que Cristo "provou a morte por todos os homens" (Hebreus 2:9), que é explicado por "muitos filhos", no versículo 10. Se nós fizermos uma interpolação e dissermos que Cristo experimentou uma morte que é suficiente por cada homem, nós certamente declaramos uma verdade, mas injetamos na preposição "por" um sentido maior do que confere o seu estrito uso idiomático. Shedd, Teologia Dogmática, 2: 466-468.

Fonte: http://calvinandcalvinism.com/?p=152