sábado, 25 de setembro de 2010

Eric Svendsen: Expiação Universal - Diálogo com James White - Parte 2

James White ofereceu seus comentários em resposta à minha última entrada sobre o assunto. Aqui estão meus pensamentos:

[...]

Em todo caso, eu necessitarei quebrar esta resposta em duas partes. Ele fez alguns comentários bastante notáveis em seu blog, mas também solicitou que eu interagisse especificamente com sua obra The Potter’s Freedom. Eu dedicarei este artigo para responder às questões sobre o seu próprio blog, e um próximo para a tarefa de criticar os argumentos de sua obra.

"Eu sinceramente ainda não havia encontrado a posição do dr. Svendsen antes, pelo menos não como ele a tem definido. Assim, enquanto minha posição é um elemento conhecido, não posso pressumir nada a respeito da dele. Isso significa que eu corro o risco de especulação, que é um veneno para qualquer discussão significativa".

Eu realmente pude apreciar a classe do dr. White aqui. Ele está lidando com uma posição que não havia encontrado antes (o que não é nenhuma surpresa, pois eu não conheço nenhum trabalho publicado que represente minha posição sobre isso). Isso faz com que a sua tarefa seja difícil, porque ele deve avaliar novamente minha posição, e fazê-lo sem pressumir que eu defendo a mesma doutrina que ele pode ter encontrado no passado (tais como o calvinismo de quatro pontos, ou o Calvinismo Modificado de Geisler).

Eu creio que ao reconhecer este ponto terá sido percorrido um longo caminho em direção a um diálogo construtivo. Então, enquanto irei responder à sua pergunta específica a respeito de sua obra em outro artigo, creio que preciso esclarecer alguns pontos que ele levantou no seu próprio blog. Em resposta à minha afirmação de que não há dependência necessária entre a categoria dos homens que Deus elege e atrai para Si, e a categoria dos homens cujos pecados foram incluídos na expiação, o dr. White escreveu:

“Isso me chamou a atenção mais do que qualquer outra coisa. Em essência, não vejo como há consistência de propósito no ponto de vista aqui expresso. Eu vejo uma conexão e dependência muito forte entre a intenção da Trindade na salvação dos eleitos e a obra do Sumo Sacerdote em favor do Seu povo. Esta é uma das principais questões, conforme vejo, pois creio que poderíamos examinar os textos de Hebreus e estabelecer que o Sumo Sacerdote perfeito não falhará, como os antigos sumo sacerdotes fizeram, em oferecer diante do trono o sangue do mesmo sacrifício oferecido sobre o altar:”

Com isto eu posso concordar (pondo de lado a questão da consistência de propósito). Mas eu creio que o Dr. White chega a uma conclusão desnecessária a partir desta, a saber:

“isto é, o escopo da intercessão e da oferta eram os mesmos para os antigos sumo sacerdotes.”

Não vejo como este ponto se encaixa com o anterior, que a extensão da expiação esteja de alguma forma igualada a extensão da intercessão de Cristo. Assim, como afirmar que Cristo não falhará em oferecer o seu sangue (a sua morte sacrificial) no santo dos santos em intercessão por seus eleitos de alguma forma necessita que a expiação de Cristo seja limitada àqueles por quem intercede? Na minha opinião, a primeira (aqueles incluidos na expiação) é simplesmente uma categoria maior do que a última (aqueles incluídos na intercessão).

Este ponto é particularmente pertinente porque minha visão distingue extensão e intenção. Se eu comprar um jornal para poder ler como o Flamengo jogou contra o Vasco*, eu não comprei só a página de esporte, eu comprei o jornal todo. No entanto, ao mesmo tempo eu não tenho absolutamente nenhuma intenção de ler o resto do jornal. Em outras palavras, minha intenção era adquirir apenas a página de esportes, mas no processo, eu comprei o jornal todo (extensão). Mas, uma vez que eu obtive essa aquisição, ela é minha para fazer com ela o que eu quiser. Neste caso, eu só vou ler a página de esportes, e jogar o resto do jornal no lixo, ou deixá-lo numa caixa de madeira para acender o fogo de minha lareira. Agora, pode corretamente ser dito que meu objetivo em comprar o jornal foi de algum modo frustrado, ou que de alguma maneira eu não cumpri a finalidade para a qual me propus, meramente porque eu comprei o jornal todo, mas escolhi de forma última não "salvar" a maioria dele?

Eu vejo a expiação de uma maneira muito similar. Toda a humanidade está em Adão e são herdeiros de seu pecado - mas esse é um pacote. A fim de expiar os pecados de alguns (intenção), deve expiar os pecados de todos (extensão). Cristo não assumiu a forma dos eleitos, Ele tomou a forma do homem. Sua morte pode não salvar, mas expia os pecados de todos aqueles cuja natureza Ele compartilhou – todos aqueles "em Adão" E assim, a morte de Cristo expia pelos pecados de todos (extensão), mas Ele intercede por e salva apenas aqueles que Ele elegeu, chamou e justificou.

Como pode o Sumo Sacerdote perfeito oferecer um sacrifício substitutivo que "incidentalmente" paga os pecados dos não-eleitos e, em seguida, não oferecer esse mesmo sangue, com o qual pagou a penalidade dos seus pecados, diante do altar (intercessão)?

Esse sacrifício é oferecido - mas não é oferecido fragmentado, como se Cristo tivesse “fatiado” seu sacrifício em pequenos pedaços e tivesse distribuído um pedaço do seu sacrifício pra mim, um outro pedaço para outro dos eleitos, e assim por diante, mas retém e não oferece um pedaço que foi divido para o não-eleito Joe Schmoe. Essa, na minha opinião, não é como se deve ver o sacrifício de Cristo.

Além disso, não é o sacrifício ou a expiação que rogam na intercessão - é Cristo que roga. O sacrifício e expiação são apenas o fundamento para aquele apelo, e Cristo pode interceder por aqueles que conheceu de antemão e pode escolher não interceder por aqueles que Ele não conheceu de antemão (João 17:9). Voltando à analogia do jornal, a minha aquisição do jornal todo me fornece a base para a leitura da página de esportes. Se eu disser a minha esposa: "Eu quero te mostrar a classificação do Flamengo no Campeonato Brasileiro** " ("rogando" a ela, em certo sentido), ninguém vai dizer: "Espere um minuto! Você comprou o jornal todo.. Portanto, você é obrigado a mostrar a sua esposa o jornal todo e não apenas a página de esportes!" Eu tenho a liberdade de chamar especial atenção (rogar) pela página de esporte à minha esposa com base no fato de que eu comprei o jornal – e cabe a mim fazer com ele o que me agradar, e que o ato da  aquisição é a base da minha prerrogativa... Mas eu não sou dessa forma obrigado a ler o jornal todo para ela.

“Isso fala do assunto em questão: Eu sinceramente não entendo, e sinceramente nunca vi na minha leitura, o uso do termo "incidentalmente" no que diz respeito ao pagamento da dívida do pecado.”

Como mencionei no meu blog, eu ainda estou no estágio de reflexão sobre isso, e isso por mais de quinze anos. O termo "incidental" é um termo estritamente funcional usado para diferenciar entre a intenção de Cristo em sua morte com relação aos seus eleitos para “salvar ao extremo” e os resultados reais dessa morte para toda a raça daqueles em Adão.

“Então minha primeira pergunta basicamente é: "Como é que uma pessoa trazer o perdão dos pecados sem substituição?"

Não pode. Eu não creio que essa questão está sendo tratada aqui..

"Eu pressumiria que Eric não diria que os não-eleitos estão unidos a Cristo, de qualquer maneira. Assim, se a expiação envolve a substituição, e os não-eleitos não estão unidos a Cristo, então como são os seus pecados "incidentalmente" pagos pela morte de Cristo?"

Realmente os não-eleitos não estão unidos a Cristo. Mas eu creio que é um erro igualar o ato da expiação em si com a união com Cristo na sua morte. Somente um dos eleitos pode dizer “fui crucificado com Cristo. . . . que me amou e se entregou por mim." Em outras palavras, por um lado nós estamos colocando direto de volta a distinção que estou fazendo entre intenção e extensão. Uma vez que a intenção de Cristo em sua morte foi salvar os eleitos, a união com Cristo é corretamente aplicada somente a eles. No entanto, mesmo com essa ressalva, não vejo nenhuma evidência no Novo Testamento de que a união com Cristo na sua morte é aplicada antes do momento da justificação.

Assim, as palavras de Paulo em Gálatas 2:20 "Eu já estou crucificado com Cristo", não estão separadas de "não mais sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim, e a vida que agora vivo na carne, vivo pela fé no Filho de Deus." Isso não é uma afirmação que pode ser feita antes da justificação dos eleitos. Da mesma forma, somos informados por Paulo que nossa identificação com a morte de Cristo ocorre no momento da justificação (Gl 2:16-20) e é representada no batismo (Romanos 6:3-5). Assim, a expiação e a substituição são faces opostas da mesma moeda, mas são lados opostos, no entanto. A primeiro ocorre uma vez no tempo e por todos, enquanto a segunda é a aplicação da primeira¹ para os eleitos no momento da justificação.

“Agora, o dr. Svendsen fala da "virtude de valor incomensurável e eterno" da morte de Cristo como a razão pela qual todos os homens têm, assim, a pena de seus pecados pagos. Mas o reconhecimento de valor ilimitado não necessita a conclusão de que os pecados dos não-eleitos já foram pagos pela morte de Cristo?”

Absolutamente certo, e eu não afirmo o contrário. Eu não comecei com esse ponto como uma plataforma de lançamento e avancei em direção à expiação universal. Muito pelo contrário. Comecei com as passagens que falam da universalidade da expiação e fiz o presente ponto para explicar como Cristo pode pretender expiar os pecados dos eleitos e no processo expiar os pecados do mundo todo.

“Da mesma forma, o reconhecimento de que os benefícios da expiação são experimentados no tempo pelos eleitos não significa que eles não foram verdadeiramente, especificamente, e pessoalmente, unidos a Cristo na Sua morte?”


Sim, mas quando? Certamente não quando Cristo morreu, porque a maioria dos eleitos naquele tempo ainda estavam na incredulidade (ou nem tinham nascido) e, portanto, eram considerados como "filhos da ira." Portanto, é nesse ato de crer para a justificação que essas coisas são aplicadas. Uma vez que os não-eleitos nunca chegam ao ponto da fé e da justificação, então nunca pode ser dito de que eles foram unidos com Cristo.

“a certeza da aplicação está fora de questão devido à cruz: nós simplesmente experimentamos essa experiência no tempo”. 

Aqui eu creio ser a a nossa discordância fundamental. Eu creio que essa afirmação pressupõe algo como "a morte de Cristo é eficaz" - que é a própria questão em debate, e assim a cruz (a morte de Cristo) por si só não faz com que a aplicação esteja "fora de questão". De fato, essa é a questão. Rejeito a idéia de que a morte de Cristo é o "poder" que atrai o eleito. Ao invés é o chamado de Deus baseado em sua escolha graciosa que os atrai.

A morte de Cristo provê o fundamento necessário para o perdão, mas não é o perdão em si. Se fosse, e se a redenção particular fosse verdade, então eu não vejo como o proponente dessa visão poderia escapar das ramificações teológicas que levam à postulação da eterna justificação. Nessa visão, Cristo ao morrer, morreu apenas pelos eleitos; sua morte é eficaz e realizou perfeita redenção na cruz. Portanto, todos os eleitos já foram perdoados, e não há necessidade de fé como meio de justificação. Com que base poderia ser diferente?

O Dr. White insiste que ela não é aplicada até o momento da fé, mas se não fosse por passagens como Ef 2:1-3 eu duvido seriamente que qualquer defensor da expiação limitada teria chegado a essa conclusão. Teologicamente falando, se a morte de Cristo e o perdão dos pecados estão indissociavelmente ligados, e se, de fato, a morte de Cristo realizou perdão para todos aqueles por quem Ele morreu – e fez isso no tempo – e se a expiação deve ser igualada com o perdão, então, não vejo nenhuma razão, nenhuma necessidade, para "aplicar" a morte de Cristo para os eleitos em outro momento do que na aplicação coletiva dos eleitos na cruz "uma vez por todas". Afinal, o perdão – sendo indissociavelmente e automaticamente vinculado a expiação - presumivelmente seria distribuído da mesma maneira “uma vez por todas" que o próprio sacrifício foi oferecido – a não ser que haja alguma distinção a ser feita entre a expiação de Cristo e o perdão dos pecados.

Uma vez que tanto o dr. White quanto eu reconhecemos a distinção entre o sacrificio de Cristo ser feito uma vez por todas e as muitas aplicações a indivíduos ao longo da história, sugiro que prossigamos a partir desse entendimento ao invés de ficarmos atolados em argumentos que poderiam ser igualmente feitos contra cada uma das visões, e seriam igualmente devastadoras para uma ou outra visão, se o outro lado, decidisse forçar isso.

“Não era a intenção de Deus que os não-eleitos experimentassem os benefícios redentores e substituivos da morte de Cristo, incidentalmente ou de outra forma, e é por isso que as suas ofensas podem ser sustentadas contra eles” (2 Coríntios. 5:19).

Se o fato dos pecados dos não-eleitos ainda são sustentados contra eles constitui "prova" de que Cristo não pagou por seus pecados, depois de passagens como Ef 2:3 seria igualmente "provado" que Cristo não pagou pelos pecados dos eleitos – porque eles ainda são "filhos da ira", mesmo após Cristo ter morrido. É por isso que eu acho que esse tipo de argumentação é infrutifera. Ela pode ser aplicada igualmente por ambos os lados contra a outra posição. Novamente, a menos que o Dr. White queira se juntar ao grupo da justificação eterna, eu sugiro que cada um de nós reconheça francamente que as duas posições fazem uma distinção entre o sacrifício de Cristo e a aplicação desse sacrifício a cada indivíduo, e seguir a partir daí. Passagens como 2 Cor 5:19 e Gal 2:3 realmente apenas provam o meu ponto de que há uma distinção a ser feita entre o sacrifício de Cristo na cruz e o perdão dos pecados - o cancelamento da dívida - que é baseada naquele sacrifício, mas requer uma fé para a justificação ser alcançada. O eleito infalivelmente chegará a esse ponto, o não-eleito tão certamente não chegará.

Agora duas questões específicas do dr. White:

"Então, em essência, uma vez que esta parece ser a principal diferença entre nós, gostaria de solicitar ao dr. Svendsen que apreciasse a minha apresentação sobre a questão da expiação / intercessão como obras do Sumo Sacerdote, no The Potter's Freedom, pp 241ff e, em particular, os comentários sobre o texto de Hebreus oferecidos lá, e que explique onde eu teria cometido um erro em crer que o escopo da intercessão do Sumo Sacerdote é idêntico ao escopo da sua oferta sacrificial."

Eu tomei a liberdade de reler o tratamento do Dr. White sobre isto durante o fim de semana do Natal. Na verdade, eu reli 10 páginas adicionais (pp. 231ff) só para ter o quadro completo. A resposta curta à sua pergunta acima é, a despeito do fato de que ele corretametne distingue entre o escopo, o efeito e a intenção da expiação (231), eu creio que ele então passa a ignorar essas distinções em seu tratamento da questão em Romanos 8:31-34 e Hebreus 7-10. Em resumo, creio que ambos os escritores estão pensando em intenção nestas passagens, não na extensão. Mas, se o Dr. White desejar, elaborarei sobre esse ponto em outro artigo. Ele solicitou que eu interagisse com o tratamento específico deste problema em sua obra. Após esse intercâmbio, me pergunto se isso ainda é necessário. Eu esperarei por um sinal sobre isso. Se ele ainda desejar a interação, vou tentar publicá-la em breve.

"Em segundo lugar, gostaria de saber, à luz do fato de que o Dr. Svendsen aceita o conceito de expiação substitutiva, como os não-eleitos podem ser considerados como tendo sido unidos a Cristo na Sua morte."

Eles não podem. Como eu expliquei acima, a união com Cristo e a identificação com a sua morte no Novo Testamento ocorrem no momento da justificação (Gl 2:16-20), e é significada no batismo (Rm 6). Uma vez que os não-eleitos jamais chegam a esse ponto, eles nunca foram unidos com Cristo na sua morte. Novamente, eu não creio que a morte de Cristo é fatiada e repartida na forma de pedaços. Sua morte, em termos de extensão, expiou os pecados do mundo coletivamente - incluídos aqui são todos aqueles "em Adão" - embora ela seja certamente aplicada individualmente ("Eu estou crucificado com Cristo").

Finalmente, quero destacar a disposição que eu aprecio no dr. White para o diálogo sobre este tema, especialmente porque ele não tem um corpo da obra específico para examinar antes de dar suas respostas. Eu reconheço a posição dificil que eu criei para ele..e eu quero ser sensível a isso. Há muitas pessoas que estão observando este diálogo (amigos e inimigos), e já tem ocorrido muitos elogios dos lados “amigos” sobre a forma como o diálogo está sendo conduzido. A última coisa que eu quero para qualquer um de nós é pegar um elemento de surpresa em um "sacar" de armas e proclamar: "Veja, você realmente não tem pensado essas questões com muito cuidado, não é?" Isso vai ser firmemente evitado, eu confio, por nós dois.



*Nota do tradutor: o texto fala do Nuggets contra o Suns.
**Nota do tradutor: essa foi uma adaptação cultural ao leitores brasileiros.

¹ Nota do blog: Nesse ponto acredito que o autor fez uma ligeira confusão. Tanto a expiação quanto a substituição ocorrem “uma vez por todas” na cruz, e é a imputação da justiça de Cristo nos eleitos  e a união dos crentes com a morte de Cristo, que ocorrem em vários momentos distintos no tempo. Para ver como alguém pode ser substituido por Cristo na Cruz sem receber o beneficio dessa substituição veja Dominic em sua série sobre Expiação Universal e Charles Hodge sobre a distinção entre substituição penal e pecuniária.

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/limited-atonement-or-intentional.html
Tradutor:  Emerson Campos Pinheiro.