quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Eric Svendsen: Expiação Universal - Diálogo com James White - Parte 1

James White respondeu ao meu texto sobre calvinismo 4.5 e eu pensei em oferecer um ou dois comentários em troca. Entretanto, eu gostaria de dizer algumas coisas publicamente... .

[...]

Finalmente, eu preciso dizer aqui que tenho um grande respeito pelo trabalho do Dr. White e por seu ministério. Minha discordância com ele sobre os relativos méritos exegéticos da expiação limitada não constitui nada mais do que isso, e creio que ele sabe disso. Além disso, tenho profundo respeito pela posição calvinista de cinco pontos calvinistas. ...Com essas ressalvas no lugar, procederei às objeções do Dr. White:


“Primeiro, em relação à 1 Timóteo 4:10: Esta passagem não está, de fato, num contexto soteriológico e, a não ser que nós estejamos indo lê-la numa perspectiva universalista, não somos obrigados a sugerir que Deus é o Salvador de todos os homens em potencial, mas realmente o Salvador somente dos que crêem? Onde mais o termo grego "Salvador" é utilizado para se referir a uma hipotética salvação ao invés de uma verdadeira? Na realidade, esta é uma declaração geral sobre Deus (note que Paulo especificamente não designa Cristo como o Salvador aqui).”


Não estou postulando algum tipo de salvação hipotética. Isso só seria aplicável se eu não acreditasse que Jesus realmente realizou algo por toda a humanidade (ou seja, expiou seus pecados). "Salvação hipotética" muito mais acertadamente se aplica àqueles que afirmam (por 1 Tm 4:10) que Deus é o salvador de todos os homens, mas depois passam a sugerir que não há nenhum sentido em que Deus realmente agiu como salvador para alguns homens - que ele realmente não é o salvador de todos os homens. 

O dr. White sugere que a palavra "salvador" aqui não é usada num contexto soteriológico. Confesso que não faço idéia do que isso significa e como pode apoiar seu ponto subsequente. Em que sentido Deus é "o salvador de todos os homens, especialmente aqueles que crêem", se não de uma maneira “soteriológica”? A própria palavra "salvador" é “soter”, de onde obtemos a palavra soteriológico. O Dr. White pode estar querendo dizer aqui (embora não tenha dito) que “soter” não está sendo usada em um sentido redentivo, mas sim num sentido geral no qual Deus liberta as pessoas de seus problemas (como vemos em alguns contextos do Antigo Testamento). Eu acho que nós precisamos trabalhar sobre isso um pouco mais abaixo:

“Assim como Deus é o Criador de todos, até mesmo daqueles que não o reconhecem como Criador e Senhor de todos, mesmo sobre aqueles que se recusam a dobrar o joelho diante dele, e assim como Ele é o Rei dos reis e Senhor dos senhores, assim também , pois, Ele é o único Salvador que existe, Ele é o Salvador de todos os homens.”

Ele previamente argumentou que este não era um contexto soteriológico (pelo qual eu tomo que ele queria dizer redentivo). Mas aqui parece afirmar que Deus é realmente o único “soter” disponível aos homens de uma maneira soteriológica (Ele é o único Salvador disponível). Acho que isso é sábio dado o fato de que aparentemente não há ainda nenhum exemplo de “soter” no Novo Testamento que claramente tem um outro significado. No entanto, no momento em que reconhece isso, o Dr. White não pode (é o que me pareceu) escapar da ramificação de que Deus é a mesma coisa que ele insistiu que Deus não era, ou seja, um mero salvador hipotético para alguns. Em outras palavras, embora eu certamente compreenda o seu argumento de que Deus é Salvador de todos os homens no sentido de que não há outro Salvador disponível para o homem, e concordo com isso, ...eu não creio que ele tenha compreendido totalmente a ramificação dessa declaração, porque ela sugere que isso é a mesma coisa que sua declaração havia rejeitado. Deus termina sendo o Salvador real dos eleitos e o hipotético (ou meramente potencial) Salvador dos não-eleitos.

Eu ilustrarei esse ponto, usando as mesmas analogias do Dr. White e todas elas, eu creio, trabalham contra a sua posição:

A declaração "Deus é o criador de todos os homens" implica que todos os homens foram realmente criados por Deus. Isso não significa que Deus é o único criador disponível mesmo se Ele não tivesse criado alguns. Pelo contrário, significa que Deus realmente criou o ateu que nega que foi criado por Ele. 

O título "Senhor de todos" não significa que ele é o único Senhor disponível mesmo que alguns realmente não estejam sob o seu governo e autoridade. Isso significa que Ele realmente governa todos os seres vivos, inclusive aqueles que não reconhecem o Seu senhorio. Queira ou não a criatura reconhecer essse governo não muda o fato de que Ele está sendo governado. 

Assim, quando chegamos ao título "Deus é o Salvador de todos os homens," é incompatível com as analogias anteriores sugerir que esta afirmação significa apenas que Deus é o único Salvador disponível para os homens, mesmo que alguns homens realmente não participem nessa atividade de alguma forma.

“Se esse termo foi intentado em um sentido hipotético, a  expressão seguinte  "mas especialmente" não faria sentido. "Malista" não toma alguém do hipotético para o real. Ao invés disso, o ponto é que uma vez que Deus é o único Salvador que existe, Ele é o Salvador de todos, mas apenas daqueles que acreditam reconhecer Ele no papel de Salvador. Nada no texto está falando da questão da expiação, seu alcance ou finalidade.”

Eu mantenho que a compreensão do Dr. White desta frase acaba por postular que Deus é apenas um hipotético Salvador para alguns homens. Se Paulo tivesse pretendido o sentido dado por ele, ou seja, que Deus é o único salvador disponivel, mas em nenhum sentido o salvador real dos não-eleitos, então nós poderiamos esperar que Paulo usasse a frase "Deus, nosso Salvador" (como fez em 1 Tm 2:3), ou simplesmente dizer "Deus é o Salvador", sem acrescentar o modificador "de todos os homens." O modificador sugere fortemente que o papel de Deus como Salvador tenha sido efetivamente aplicado, em certo sentido, a "todos os homens". Agora, se Paulo tivesse, naquele momento, acrescentado a frase "especialmente aos judeus” (cf. Rm 2:9-10, onde ele faz algo semelhante), então é claro que nós tomaríamos a frase "todos os homens" como "todos os tipos de homens (sem distinção) " ao invés de “todos os homens (sem exceção) ", e corretamente limitariamos a aplicação aos eleitos, alguns dos quais são judeus e outros que são gentios.

Mas não é isso que Paulo faz aqui. Ao invés disso, ele introduz uma categoria maior ("todos os homens") e uma subcategoria dentro desta categoria maior ("aqueles que crêem"), e afirma que Deus é em um menor sentido o Salvador da categoria principal e em um grande sentido o Salvador da subcategoria. A declaração de Paulo faz Deus, em algum real e aplicado sentido o Salvador de todos os homens. Em contrapartida, a posição do Dr. White vislumbra Deus como o Salvador da subcategoria ("aqueles que crêem") em um sentido real, verdadeiro e aplicado, mantendo que Deus não é o Salvador da categoria principal ("todos os homens"), em nenhum sentido real, efetivo ou aplicado. Portanto, creio que a nomenclatura “Salvador hipotético"  se aplica muito mais facilmente à sua posição.

"Eu não concordo que toda a soteriologia Reformada ignora o fato de que a salvação, especialmente naqueles aspectos que são pela definição temporais na aplicação, inclui "estágios" nesse sentido. Eu tenho consistentemente me oposto àqueles que, por exemplo, têm promovido a "justificação eterna", baseada na idéia de que, se os eleitos foram unidos com Cristo, então deve-se seguir que eles nunca foram os filhos da ira (Paulo diz o contrário, Ef 2:1-2). Deus aplica a obra perfeita de Cristo no tempo, disso não há dúvida."

Estou fico feliz em ouvir isso. Meus comentários foram dirigidos para aqueles que vêem a obra expiatória de Cristo na cruz como uma redenção concluída. Normalmente eles são facilmente identificados por uma incapacidade de ver a distinção entre a expiação de Cristo pelos pecados do mundo e a aplicação dessa expiação a cada indivíduo. Como o Dr. White concorda comigo que os benefícios da expiação são aplicados a cada indivíduo no tempo, no momento da fé, eu vou assumir que então podemos prosseguir a partir desse fundamento.

“Mas eu não vejo como o Dr. Svendsen pode sustentar firmemente a graça incondicional da eleição de Deus e Sua obra de graça irresistível, pela qual Deus traz Seus eleitos à vida sem falhar, e então ainda dizer que Cristo levou sobre Si o pecado de um não-eleito, que não pretendia salvar, que aparentemente (isto é onde a minha apresentação não foi abordada e, portanto, eu só posso perguntar retoricamente) intercedeu por essa pessoa, mas sem sucesso (já que nem o Pai nem o Filho, nem o Espírito Santo, tem a intenção de salvar a pessoa, contra Heb. 7:24-25), e, embora os fundamentos de uma salvação perfeita, tenham sido estabelecidos na obra de Cristo em favor dessa pessoa e mesmo assim o Espírito não a aplicará nele na regeneração.”


Ok, vamos tratar um ponto de cada vez. Antes de tudo, eu não vejo qualquer dependência necessária entre (1a) a escolha incondicional dos eleitos de Deus e a eficaz atração deles, e (2a) a extensão da obra expiatória de Cristo na cruz. Cristo pode (2b) morrer para pagar pelos pecados de seus eleitos, e (por força do valor incomensurável e eterno dessa morte) incidentalmente pagar pelos pecados do mundo inteiro no processo, e (1b) eleger incondicionalmente e atrair seus escolhidos para Si sem fazer o mesmo para os não-eleitos. Em que a oração que Ele faz é incompatível com isso?

Em segundo lugar, eu não acredito que haja qualquer dependência necessária entre a extensão da expiação de Cristo e os objetos de sua intercessão. Eu não estou sugerindo por um momento que Cristo está intercedendo pelos não-eleitos (Hebreus 7:24-25) – ele muito enfaticamente não está - e, se estivesse, eles seriam salvos. Creio que a preocupação do Dr. White sobre este ponto é mal direcionada, porque eu não creio que ele tenha entendido a distinção que estou fazendo entre aqueles por quem Cristo intentava morrer (o eleito), e aqueles que (devido ao valor eterno do sacrifício ) são reais beneficiários da morte de Cristo ("todos os homens"). Cristo cumpriu plenamente seu propósito salvífico em sua morte, o qual (nas palavras do Dr. White) era "lançar o fundamento para a salvação perfeita" para seus eleitos. Mas, no processo, o longo alcance e eterno valor do sacrifício não podiam deixar de expiar os “pecados do mundo”.

Isso pode ser ilustrado por um exemplo do Antigo Testamento. Quando Deus libertou os filhos de Israel da sujeição à escravidão na terra do Egito, sabemos que muito mais do que só Israel se beneficiaram dessa ação, pois ficamos sabendo que muitos dos egípcios também escolheram ir com eles, mesmo que eles próprios não estivessem em escravidão. Eu creio que podemos fazer aqui uma distinção entre a intenção de Deus em seu ato redentor (resgatar os filhos de Israel, cuja intenção realizou plenamente) eo resultado incidental da ação (outros, não incluídos na intenção salvífica de Deus, se beneficiaram de alguma forma pelo ato redentor). Aqui é onde os “estágios de redenção" são os mais cruciais:

Os "pecados do mundo" (incluindo os dos não-eleitos) foram pagos integralmente na cruz – todos são incluídos nesse estágio da redenção, bem como a multidão foi comprada na terra do Egito junto com os filhos de Israel. Mas esse estágio não é o fim de tudo e tudo que há de salvação - nem todos que foram levados para o deserto entraram na terra prometida. Pelo contrário, como o Dr. White reconheceu, isso "lançou os fundamentos para a salvação perfeita". Mais informações sobre as ramificações disso em um momento.

“Eu concordo com estágios da aplicação, mas não vejo como isso muda a realidade da substituição e o fato de que, como Sumo Sacerdote a substituição expiatória do Filho requer ações adicionais em favor de todos por quem Cristo morreu (visto no "I" e no "P" da TULIP). Enquanto redenção como um termo pode ser usado para descrever uma ampla variedade de coisas além de apenas o resultado soteriológico da expiação em favor daqueles que serão salvos, isso realmente não aborda a realidade de que, se Cristo carregou os pecados do não-eleitos, não há fundamento para a condenação deles;”

Esse é o cerne da questão. Como alguém pode ainda ser condenado, se Cristo levou sobre Si seus pecados? No entanto, a posição do Dr. White não necessita menos responder a esta pergunta do que a minha. Como observou com razão (contra a posição da “justificação eterna"), mesmo os eleitos são chamados" filhos da ira", antes de crerem. Mas como assim? Como é possível, se Cristo levou seus pecados na cruz no espaço-tempo da história, que eles ainda possam ser chamados de "filhos da ira" depois que Cristo morreu e ofereceu o sacrifício perfeito? Uma vez que Cristo realizou perfeitamente o sacrifício para os eleitos "uma vez por todas", então qual é o motivo do status continuado dos eleitos como "filhos da ira"? Se Cristo levou seus pecados, afinal de contas, eles deveriam agora ser livres do pecado e da condenação.

Este é o ponto no qual o Dr. White faz a coisa certa exegeticamente. Ele rejeita uma ramificação puramente teológica da expiação, porque essa ramificação contradiz a exegese de passagens essenciais que tratam do assunto. Em outras palavras, o Dr. White aceita em princípio que é realmente possível para alguém estar sob a condenação da ira (neste caso, o eleito), apesar de Cristo já ter pago por seus pecados. E, estou certo de que ele diria que no caso particular dos "filhos da ira", seu status é alterado no momento da justificação mediante a fé, e que os méritos da morte de Cristo são "retidos" e não "aplicados" até o momento da fé.

Mas, uma vez que este princípio é adotado, qualquer objeção a meu ver pode ficar para mais tarde. Tudo o que eu estou fazendo é aplicar o mesmo princípio aos outros "filhos da ira." E se alguns dos "filhos da ira" nunca terminarem crendo? Uma vez que nós concordamos que uma pessoa pode ainda estar sob a condenação como um filho da ira embora Cristo já tenha morrido e pago pelos seus pecados, e que nós concordamos que o momento em que os benefícios da morte de Cristo são aplicados é o momento da justificação pela fé, então tudo que é deixado em questionamento é se alguns dos "filhos da ira" deixarão de atingir o ponto da justificação pela fé. Eu creio que nós dois concordamos que alguns, de fato, falharão em alcançar esse ponto.

E assim isso realmente não se resume a saber se há uma categoria de pessoas caminhando na terra, cujos pecados foram expiados, mas que ainda são considerados como "filhos da ira" (nós dois concordamos que existe essa categoria). Pelo contrário, isso se resume em se a expiação é, de alguma forma eficaz, ou seja, que há algo sobre a expiação em si que "trabalha a partir de si mesma", por assim dizer, na justificação de todos por quem o pecado é expiado. Isso, creio eu, é a base para o erro de justificação eterna. E não só rejeito a noção de que não há qualquer necessidade teológica para essa crença, mas também acredito que ela é contrariada pela exegese das passagens relevantes. Não há absolutamente nenhuma evidência exegética, de que eu esteja ciente, que nos levaria à conclusão de que todos aqueles cujos pecados foram levados por Cristo na cruz, em última análise foram justificados.

“Eu firmemente concordo que a questão deve ser tratada a nível exegético. Eu simplesmente aponto que aquelas passagens que realmente precisam ser abordadas não são assim passagens muito "extensas" como são as passagens sobre a expiação, passagens sobre a intercessão, passagens sobre a mediação, passagens sobre a realização. Este é o lugar onde a força do real, sólido e inflexível calvinismo se encontra.”

Eu concordo que todas essas passagens precisam ser consideradas. Mas, novamente, eu não encontrei nenhuma passagem que contradiga diretamente a minha tese de que Cristo intentava morrer para lançar os fundamentos de salvação para seus eleitos, cumpriu plenamente essa intenção, e no processo expiou os pecados do mundo. Todas as objeções que tenho visto são ramificações teológicas destes pontos, não exegéticas. 

O Dr. White corretamente rejeita as ramificações teológicas sobre a contínuidade do fundamento para condenação dos eleitos uma vez que Cristo morreu como sustentado pelos defensores da justificação eterna. Por isso, ele reconhece que a exegese tem prioridade sobre a teologia. Que, em suma, é como eu cheguei ao meu calvinismo 4.5, que ao mesmo tempo reconhece a intenção da obra salvífica de Cristo na cruz e o fato de que Cristo cumpriu plenamente essa intenção, mas diferencia esta das conseqüências da obra de Cristo que impacta todos da humanidade. 

Fonte:  http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/christmas-calvinist-surrejoinder.html
Tradutor:  Emerson Campos Pinheiro.