Na sigla calvinista T.U.L.I.P. (Depravação total, Eleição incondicional, Expiação Limitada, Graça irresistível e Perseverança dos santos), eu afirmo plenamente a TUIP, rejeito o L (de expiação limitada) e a substituo por . . . Bem, para ser honesto, eu não encontrei ainda uma boa letra que pudesse manter o anacronismo.
Mas o ponto é que eu acredito que expiação limitada é amplamente sustentada pelos calvinistas, porque ela é percebida como a conseqüência teológica natural dos outros quatro pontos e não porque haja alguma ensino explícito sobre ela nas Escrituras. Em outras palavras, ao contrário de todos os outros pontos do calvinismo, eu não creio que a expiação limitada possa ser apoiada exegeticamente. Na verdade, eu acho que contraria a exegese daqueles textos que realmente falam da questão da extensão da expiação.
O calvinista de cinco pontos realça bem esses textos que especificam o povo de Deus como os beneficiários da morte de Cristo:
“... e você porá nele o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos pecados deles”. (Mateus 1:21)
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas.” (João 10:11)
“Ninguém tem mais amor pelos seus amigos do que aquele que dá a sua vida por eles” (João 15:13)
Eu concordo plenamente com os calvinistas de cinco pontos que a intenção de Cristo ao morrer foi salvar os eleitos. Mas creio que depois se faz um salto exegético porque isso [expiação limitada] é totalmente não suportada pelo próprio ponto, sem mencionar o texto. O argumento é parecido com esse:
1. A morte de Cristo é eficaz, e ela cumpre plenamente seu objetivo pretendido.
2. O objetivo pretendido da morte de Cristo era fazer um sacrifício substitutivo pelos pecados.
Estou de acordo com estes dois pontos. Acredito que Cristo veio redimir os seus eleitos. Eu realmente não acredito que a sua intenção de vir ao mundo e morrer na cruz incluía os não-eleitos. Em outras palavras, Ele tinha apenas os eleitos em mente quando morreu pelos nossos pecados. Mas o calvinista de cinco pontos traz os pontos e conclusões a seguir, os quais não podem ser provados:
4. Portanto, se Cristo morreu pelo mundo inteiro, então o mundo inteiro foi salvo.
5. Como sabemos que o mundo inteiro não foi salvo (nem será), então Cristo deve ter morrido somente por aqueles que realmente serão salvos, ou seja, os eleitos.
Permitam-me abordar todos estes primeiros pontos de uma forma geral. Parece-me que a hipótese subjacente não provada para os pontos 3 a 5 é que a morte de Cristo cumpriu plenamente a redenção naqueles para os quais Ele morreu. Não só não encontro nenhuma evidência para isso no Novo Testamento, mas há passagens que contradizem isso abertamente, para as quais eu não tenho visto nenhum tratamento satisfatório do lado da expiação limitada. Eu chegarei a essas passagens no momento certo.
Além disso, as passagens (acima), que parecem claramente afirmar "Cristo morreu pelos eleitos" são erroneamente tomadas para significar "Cristo morreu somente pelos eleitos." Esta última expressão não decorre da anterior. Como uma ilustração, Paulo afirma em Gálatas 2:20: "A vida que agora vivo na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim." Aqui, Paulo nos diz que Cristo morreu por ele (Paulo). No entanto, ninguém saltaria dessa declaração para a noção de que Cristo morreu apenas por Paulo. Da mesma forma, não podemos derivar a expiação limitada das passagens que declaram que Cristo morreu pelos eleitos.
Tendo prefaciado meus comentários específicos com essas ressalvas, é agora mais fácil entender por que eu poderia discordar do ponto 3. Embora eu certamente creia que a morte de Cristo tenha sido eficaz (ela cumpriu plenamente a sua intenção), não acredito que por isso todos cujos pecados foram expiados pela cruz foram automaticamente salvos (mais sobre isso abaixo).
Agora, as passagens que apresentam diferentes níveis de dificuldade para o defensor da expiação limitada. A primeira que eu colocaria é 2 Pedro 2:1:
"Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou [ou: comprou], trazendo sobre si mesmos repentina destruição.”
Repare que dos “falsos mestres” que irão ser “destruidos” foi dito terem sido “comprados” pelo Mestre. Em outras palavras, não há dúvida de que isso se refere aos não-eleitos (eles serão destruídos), e não há dúvida de que a linguagem redentiva está sendo empregada (eles foram “comprados/resgatados" pelo Mestre) . A palavra "comprados" (agorazo) é a palavra técnica para “resgatar”, que significa "comprar, adquirir, resgatar, ou redimir." É a mesma palavra usada em 1 Coríntios 6:20:
"Porque fostes comprados por bom preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo."
e 1 Coríntios 7:23:
"Fostes comprados por bom preço; não vos torneis escravos dos homens"
e em Apocalipse 5:9,
"Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação."
Eu li todas as tentativas de explicar essa passagem pelos que defendem a expiação limitada e nenhuma delas é satisfatória, pois todas as explicações simplesmente assumem que a redenção in toto é algo que foi totalmente cumprido na cruz. Se alguém não começar com essa premissa, então pode facilmente explicar como alguém pode ser "comprado" (resgatado/redimido), no estágio da cruz (Cristo levou seus pecados), sem dar o salto exegético de afirmar que se trata de alguém que foi (ou será sempre) justificado.
"Redenção" (como a palavra "salvação" e "santificação") engloba várias etapas, das quais apenas uma é a morte de Cristo na cruz. Aquele que foi redimido também deve crer e ser justificado, e, então ser glorificado antes que a completa redenção tenha ocorrido. A glorificação de nossos corpos - o ponto em que Cristo "transformará o nosso corpo humilde de forma que será como o seu corpo glorioso" é chamado de "redenção do nosso corpo" (Rm 8:23). Em outras palavras, parte de mim ainda não foi redimida. No entanto, ninguém contenderia que nós, que somos justificados, não tenhamos já sido em algum sentido redimidos, reconhecendo, neste caso, pelo menos, duas etapas da redenção. De fato, Paulo afirma em seguinda que:
“Porque, na esperança [da redenção dos nossos corpos], fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos.” (Rom 8:24-25)
Nós ainda não "tivemos" a redenção final, mesmo que já tenhamos, pelo menos, um estágio dela. E assim, podemos reconhecer um “estágio” anterior da redenção que teve lugar na cruz, sem postular que neste estágio da redenção foi uma “completa” redenção que já "salvou" a todos por quem ela foi feita. Assim, alguém pode ser "resgatado" no sentido de que ele foi "comprado" pela morte de Cristo sem ser justificado e sem participar da redenção final.
Outra passagem que eu creio constituir uma dificuldade exegética para os defensores da expiação limitada é 1 João 2:2: "E Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.” Tendo escrito um comentário sobre as cartas de João (ver Store NTRMin), tenho lutado com este texto extensamente e não pude justificar a explicação comum dos defensores da expiação limitada de que o contraste entre "nós" e "o mundo" aqui é o contraste entre os judeus e os gentios. Normalmente, eu concordaria com a explicação "judeu/gentio" dos textos sobre predestinação, mas não posso neste caso. Aqui estão os comentários diretamente do meu comentário:
"Esta propiciação não é pelos nossos pecados somente, mas também pelos pecados do "mundo inteiro". No contexto "nossos pecados" deve se referir aos pecados dos crentes (isto é, os eleitos de Deus), e não pode se referir a uma distinção entre diversos "tipos" de pessoas (por exemplo, o "nosso" = judeus, enquanto o mundo "= gentios)."
"Há algumas evidências de que os gnósticos ensinaram a sua própria versão de "expiação limitada", segundo a qual seu "evangelho" seria entregue somente para aqueles iluminados. Paulo deixa entender isso quando contendendo com os gnósticos de Colossos, insistiu que o verdadeiro evangelho tem chegado a "todo o mundo" (Cl 1:6), e foi proclamado "a toda criatura debaixo do céu" (1:23), e que, por este evangelho, devemos advertir e ensinar "a todo homem" (1:28)."
"Assim, não há base para a entender a palavra "mundo", em 1 João 2:2, no sentido exigido por aqueles que defendem a expiação limitada (ou particular), segundo a qual na morte de Jesus Ele expiou somente pelos pecados dos eleitos. João nega essa visão quando insiste que a na morte de Jesus, Ele não só expiou por nossos pecados, mas também pelos pecados do mundo inteiro. O "mundo", na visão de João, consiste daqueles que não tenham ultrapassado as filosofias anti-cristãs, tais como a cobiça, o materialismo, o orgulho e falsos ensinamentos religiosos (2:15-17; 5:4-5); daqueles que não compreendem e até mesmo odeiam os verdadeiros cristãos (3:1,13); daqueles que tem abraçado os falsos profetas (4:1,3), daqueles que são controlados pelo maligno (4:4; 5:19), e tem abraçado o espírito de erro (4:5-6). A comparação, portanto, é entre os crentes e o resto da humanidade incrédula."
"O ponto de João é que a morte de Jesus é de valor infinitamente tão grande que não é apenas suficiente para expiar, mas de fato tem expiado os pecados do mundo inteiro. Isto não significa que o mundo inteiro é assim salvo. A base final sobre o qual alguém recebe a vida eterna não é que o seu pecado foi expiado (apesar de certamente ser uma condição necessária para a vida eterna), mas sim que ele creu em Jesus (5:11-13), e assim aceitou (aplicou) pela fé Sua expiação. Os verdadeiros crentes satisfazem essa exigência (embora só porque a própria fé tenha sido concedida a eles; Ef 2:8-9), o resto do mundo não."
Mas o verdadeiro enigma para o defensor da expiação limitada, a meu ver, é 1 Tim 4:10: " Ora, é para esse fim que labutamos e nos esforçamos sobremodo, porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente dos crentes. " Mesmo se nós fôssemos desconsiderar 1 João 2:2 na base de que o" mundo" na mente de João é o mundo dos gentios, por oposição aos judeus, esse mesmo raciocínio não poderia ser aplicado neste caso . O contraste neste versículo não é entre judeus e gentios, mas entre "todos os homens" e "aqueles que crêem." Deus, que nos é dito, é o "salvador" (o contexto é soteriológico) de "todos os homens."
Normalmente eu concederia que "todos" pode significar todos sem distinção ("todos os tipos de homens" e não apenas os judeus) ao invés de todos sem exceção (todos os homens categoricamente). Mas aqui Paulo nos diz que "todos os homens" é a maior categoria da qual "aqueles que crêem" são tomados. Deus é em um sentido menor o salvador de "todos os homens", e em um sentido maior ("especial"), o salvador "daqueles que crêem." Aqueles que defendem a expiação limitada não fazem uma distinção entre os níveis de redenção. Cristo pagou o preço completo da redenção na cruz uma vez por todas, e completamente redimiu todos os eleitos nesse ponto. Mas aqui estamos tomando que há há uma menor redenção ("todos os homens" em geral) e uma maior redenção ("especialmente aqueles que crêem”).
Então onde é que o 0,5 dos 4,5 entram? Estou de acordo com os defensores da expiação limitada que Cristo pretendia salvar apenas os eleitos por meio de sua morte. Ele tinha apenas os eleitos em seu coração e mente quando deu a sua vida. Portanto, eu acredito que há intenção – e não extensão- em todas as passagens que falam de Cristo dando sua vida por suas ovelhas. Cristo intentava prover redenção para seu povo, e Ele cumpriu plenamente a essa intenção. Mas o eterno valor e qualidade dessa morte foi de tão grande envergadura que, no processo de sua morte, não poderia não pagar pelos pecados de todos as pessoas.
Portanto, eu creio que a intenção da morte de Cristo foi pelos eleitos, mas a extensão de sua morte incidentalmente pagou pelos pecados do mundo inteiro. Isso me diferencia da estrita visão calvinista de quatro pontos, que não reconhece a intenção de Cristo na expiação. Nem eu acredito que a expiação de Cristo é uma mera possibilidade para os não-eleitos. Cristo, na realidade, "tira os pecados do mundo." Mas ela também me diferencia dos calvinistas de cinco pontos, que não reconhecem a extensão universal dessa expiação. Isso me coloca em algum lugar entre os dois campos, portanto, calvinismo 4,5..
Agora, tudo isso naturalmente levanta questões sobre como alguém pode ser condenado, se Cristo verdadeiramente expiou por seu pecado. Eu respondi a isso parcialmente quando fiz a distinção entre os estágios da redenção. Mais do que a cruz é necessário antes da redenção total ocorrer. É preciso crer e ser justificado, por exemplo. Eu creio que essa parte funcionou, embora eu não tenha entrado em detalhes sobre isso aqui. Mas mesmo se eu não tivesse feito funcionar, eu ficaria muito mais feliz em viver com a tensão teológica de algo que é resultado último da minha satisfação em que a verdade exegética tome lugar, do que viver com a tensão exegética que fica de adaptar difíceis passagens a uma crença a priori para satisfazer questões teológicas. Como o Dr. Murray Harris, uma vez nos disse em uma classe sobre a Trindade, a diferença entre teologia sistemática e exegese bíblica é a diferença entre o passeio através de uma estufa, onde todas as plantas estão bem marcadas e bem dispostos em fileiras, e caminhar por uma floresta, onde nada é marcado e nada está bem arranjado, mas o que há é o estado natural das coisas. Como exegeta do Novo Testamento, eu prefiro viver na floresta.
Dr Eric Svendsen; Director of New Testament Research Ministries,
Fonte: http://ntrminblog.blogspot.com/2004/12/we-interrupt-this-broadcast.html
Tradutor: Emerson Campos Pinheiro.