sábado, 6 de março de 2010

Edward Polhill (1622-1694): Falácia da Injustiça no Duplo Pagamento/Punição Dobrada

Objeção 4: Se Cristo morreu por todos os homens, então ele foi uma garantia para todos, e uma satisfação pelos pecados de todos, e conseqüentemente Deus teria uma dupla satisfação; uma em Cristo, a garantia, e outra nas pessoas dos condenados, o que é contra a natureza de Sua justiça.
Existem duas conseqüências nesse argumento para serem consideradas.

1. Se Cristo morreu por todos, então ele foi uma garantia para todos, e uma satisfação para os pecados de todos. 

2. Se Cristo, assim, satisfez os pecados de todos, então Deus teria uma dupla satisfação, o que é contra a justiça.

Quanto a primeira conseqüência, eu a admito como algo muito verdadeiro, que Cristo foi uma garantia para todos, e uma satisfação pelos pecados de todos. Porque se todos vierem a crer e se arrepender, os pecados de todos serão remitidos, e eles não poderiam ser remitidos sem uma garantia, e uma garantia obtém uma satisfação, sendo assim, Cristo foi tal garantia por todos eles.

Quanto a segunda conseqüência, se Cristo foi uma satisfação pelos pecados de todos, então Deus teria uma dupla satisfação, e isso é contra a justiça. Eu irei primeiro fazer algumas distinções, e então irei responder a essa objeção.


1. Eu devo fazer três distinções

a) Ou a primeira satisfação foi feita ao credor (ou ao legislador) pelo próprio devedor (ou transgressor), ou ela foi feita por uma garantia. Se ela foi feita pelo próprio devedor, a justiça proíbe uma segunda satisfação.


b) A primeira satisfação tendo sido feita por uma garantia, ou ela foi feita por uma garantia adquirida pelo próprio devedor (ou transgressor) ou por uma garantia adquirida pelo credor (ou legislador). Se ela foi feita por uma garantia adquirida pelo próprio devedor (ou transgressor), a justiça proíbe uma segunda satisfação, porque foi como se ele mesmo tivesse satisfeito a justiça

c) Quando uma garantia provida pelo credor (ou legislador) faz a primeira satisfação, ou ele faz a satisfação de tal forma, que o devedor (ou transgressor) devesse estar assim imediatamente, ipso facto, sem mais delongas, dispensado; ou, ao invés disso, ele faz a satisfação de tal forma que o devedor (ou transgressor) devesse estar dispensado, mas sobre a dependência de algumas condições, e não de outra maneira. Se a garantia fizer a satisfação da maneira anterior, a justiça ainda proíbe uma segunda satisfação, mas se ela fizer a satisfação da última maneira, então baseado no não-cumprimento daquelas condições, a justiça pode admitir uma segunda satisfação.

Eu ilustrarei isso de duas maneiras:

Suponha que um homem estivesse em débito com outro em £1,000. O credor procura seu próprio filho para que este entregue o dinheiro em satisfação do débito, mas com este acordo entre eles: que o devedor seria dispensado de seu débito se ele aceitasse esse pagamento e não de outra maneira. Se, então, o devedor não concordasse em aceitar, o credor poderia justamente demandar dele uma segunda satisfação.

Novamente, suponha que uma multidão de desonrados traidores fossem encerrados na prisão, e o rei trouxesse seu filho para que este sofresse uma punição no lugar deles, mas, de modo que o rei e seu filho proclamassem isso como uma lei: que nenhum dos traidores deveria ser absolvido, a não ser que eles venham a honrar e homenagear a ele. Se algum traidor recusar fazer isso, o rei pode justamente cobrar deles uma segunda satisfação.

A razão em ambos os casos é essa, como o devedor ou o traidor não atenderam as condições, eles não puderam ser beneficiados pela primeira satisfação, e portanto devem ser sujeitos a uma segunda, como se não houvesse havido a primeira.

2.Tendo essas distinções como premissas, eu respondo que os pecados dos homens são débitos e rebeliões, e a satisfação para eles é devida a Deus como o grande credor e legislador. Mas a satisfação não foi feita pelos próprios homens, mas por Jesus Cristo como sua garantia, e essa garantia não foi adquirida pelos homens, mas provida pelo próprio Deus e sendo provida por Deus, Ele não pagou a satisfação com seu sangue de um maneira que os homens devessem ser assim imediatamente, ipso facto, absolvidos de seus débitos e rebeliões, mas de uma tal maneira, que os homens pudessem ser absolvidos de seus débitos e rebeliões se eles viessem a se arrepender e crer. Portanto, se eles não fizerem nada disso, eles não podem ser beneficiados pela satisfação de Cristo, e, conseqüentemente, uma segunda satisfação pode ser legitimamente exigida deles.

Agora para distinguir mais claramente essa objeção momentânea, eu proponho quatro coisas:

1. Deus, a partir de mera graça, trouxe Cristo para ser uma garantia para os homens, e portanto, estava em seu poder prescrever condições, cujo atendimento ou não-atendimento determinaria que homens teriam ou não teriam beneficio pela satisfação de Cristo.

2. De acordo com seu poder, Deus tem claramente colocado condições no evangelho, isto é, “aquele que crer será salvo, e aquele que crê não será condenado.”

3. Essas condições sendo assim colocadas pelo próprio Deus, nenhum homem além deles pode ser beneficiado pela satisfação de Cristo. Se os homens não recebem a expiação (Rom 5:11), como eles podem estar em paz? Se eles não receberem a remissão dos pecados (Atos 5:43), como eles podem ser perdoados? Nós estamos todos em pior masmorra que a de Jeremias, e se nós não colocarmos as cordas da graça sobre nossos braços, nós não poderemos sair. Nós somos todos servos do pecado, e se nós dizermos que nós amamos a ele e não sairmos para a liberdade, nós devemos ser furados como servos eternos. Cristo tem aberto a fonte de seu sangue, mas nós devemos nos lavar nela (Zacarias 13:1)


Cristo tem feito uma compra de almas, mas nós devemos crer eis peripoiesin psuches , para a salvação da alma (Hebreus 10:39): não que a fé seja parte dos fundos com que se compra, mas ela é a condição do evangelho, sem a qual a gloriosa compra de Cristo não aproveita. Se os homens viverem e morrerem em incredulidade, ek eti apoleipetai, já não resta mais sacrifício para eles (Hebreus 10:26). Certamente Cristo ofereceu um sacrifício para eles, mas ek eti, o beneficio desse sacrifício não aproveita para eles; sobre sua incredulidade final eles não são beneficiados por ele como se nem mesmo tivesse havido algum para eles: nesse sentido eu compreendo que do pai, Si non credis, non tibi descendit, non tibi passus est Christus.

4. Se a incredulidade final pode não ter beneficio pela satisfação de Cristo, então Deus pode legitimamente requerer uma segunda satisfação deles, porque eles não podem suplicar a primeira, e assim é em lei como se para eles não tivesse havido a primeira. Simei tinha um perdão de Salomão, mas o perdeu tendo passado por Cedron; e portanto (apesar do mesmo) foi legitimamente levado a morte por sua ofensa. Jesus Cristo como uma garantia fez satisfação pelos homens, mas eles, por meio da sua incredulidade final, perdem o beneficio dele; e portanto (apesar do mesmo) Deus pode legitimamente requerer uma segunda satisfação deles. Simei tinha suplicado seu perdão e Salomão disso a ele que nada seria feito contra ele, desde que ele não passasse de Cedron; e se os incrédulos pleiteassem a satisfação de Cristo, Deus diria a eles: “ela não é nada para você, tendo em vista que você viveu e morreu em incredulidade.”Edward Polhill, “The Divine Will: Considered in its Eternal Decrees,” in Works, chapt 7, section 4, sub-section 3, Obj., 4., 168-169.

Fonte:  http://calvinandcalvinism.com/?p=32

Tradutor:   Emerson Campos Pinheiro.   Ao utilizar esse texto devem ser citados a fonte e o tradutor.