sábado, 4 de junho de 2016

A Cruz e a Exposição da Compaixão de Deus



Eu critiquei alguns dias atrás no facebook a turma dos Múltiplos Propósitos da Expiação (John Hammet, Bruce Ware, etc) porque, dentre outras coisas, eles querem fazer-nos crer que estão falando uma novidade. A verdade é que R. L. Dabney há muitos anos atrás já defendia que Deus tem múltiplos propósitos na expiação. Ele nos diz que o primeiro propósito é:

“1.Ele faz uma exposição da benevolência e compaixão geral de Deus por todos os pecadores para a glória de sua infinita graça. Porque, abençoado seja seu nome, ele diz “Eu não tenho prazer na morte daquele que morre” (Ezequiel 18:32)"



Vamos abordar esse primeiro ponto. Certamente alguém poderia questionar: “Se o sacrifício de Cristo não vai resultar na salvação eterna pra essas pessoas, que tipo de benevolência e compaixão exatamente o sacrifício de Cristo apresenta para os incrédulos?”




Quando fala de benevolência ele se refere ao amor de benevolência que é a disposição de querer o bem ou o desejo de fazer o bem para o objeto amado. A morte de Cristo mostra que Deus está disposto a fazer o bem para todos, que seus braços cheios de perdão e misericórdia estão estendidos para os pecadores, bastando que eles simplesmente recebam esse sacrifício. Se pararmos para pensar em como Deus odeia o pecado, nós jamais pensaríamos por nós mesmos que Deus nos ama. É por isso que a Cruz revela o amor de benevolência de Deus. Nós podemos olhar para ela e pensar: “Se Deus lidou com o meu pecado (de forma objetiva) na Cruz e fez isso à custa do sofrimento de Seu próprio Filho, então certamente Ele está pronto para me salvar”. Como diz Calvino



“Porque, uma vez que Ele necessariamente odeia o pecado, como vamos acreditar que somos amados por Ele, até que a expiação fosse feita pelos pecados em virtude dos quais Ele, justamente, está ofendido conosco? Assim, o amor de Cristo deve intervir com a finalidade de reconciliar Deus conosco, antes de termos qualquer experiência de sua bondade paternal”
e
“Como os homens não são facilmente convencidos de que Deus os ama, a fim de eliminar qualquer dúvida, Ele declarou expressamente que somos muito queridos por Deus que, por nossa causa, Ele nem mesmo poupou seu Filho unigênito”.



A Cruz mostra que Deus está pronto, disposto, a nos salvar, pois o propósito dela foi a nossa salvação, quer sejamos eleitos ou não-eleitos. Como está escrito: “Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo […] para que o mundo fosse salvo por ele”.



Entretanto isso parece gerar outro problema: “Não disse o Senhor em Isaías 46:9-11 'Meu propósito ficará de pé, e farei tudo o que me agrada. [...]O que eu disse, isso eu farei acontecer; o que planejei, isso farei', ou seja, que Seus propósitos não podem ser frustrados? Então, como Deus pode ter enviado seu filho com o propósito de que o mundo fosse salvo por Ele, se nem todos foram salvos?



Eu não nego que os propósitos eternos de Deus (seu plano todo abrangente) não podem ser frustrados. Então, como resolver isso? A solução está em notarmos que o texto de João não trata do propósito final de Deus para a Cruz, mas o propósito da Cruz em si.



Um primeiro exemplo para ilustrar a diferença: a cadeira. Qual o propósito para o qual uma cadeira é feita? Ora, para servir de assento não é? Ela foi feita para você sentar em cima dela. Mas isso significa que todas as cadeiras serão utilizadas para que alguém sente em cima delas? Não. Alguma cadeira pode ficar para sempre sem ser usada para o fim que lhe é próprio.



Digamos que a cadeira A foi utilizada para alguém sentar em cima. Nesse caso podemos dizer que o propósito final de Deus em relação a cadeira se concretizou, que o seu destino estabelecido antes da fundação do mundo veio a acontecer no tempo e no espaço.



Agora digamos que a cadeira B nunca tenha sido usada como assento para alguém e que tenha terminado como lenha pra fogueira. Nesse caso também podemos dizer que o propósito final de Deus em relação a cadeira se concretizou e que o seu destino estabelecido antes da fundação do mundo também veio a acontecer no tempo e no espaço.



A cadeira A teve um destino mais honroso do que a cadeira B, por assim dizer, mas, apesar dos propósitos finais distintos, em ambos os casos elas tinham o mesmo propósito da coisa em si, ou seja, servir de assento.



Um exemplo clássico em relação a Cruz é o do remédio. O propósito da coisa em si, isto é, do remédio em si, é curar, mas isso não significa que ele será efetivamente utilizado para curar todos. Deus pode ter decidido que o propósito final dele seria outro. John Davenant expõe isso de uma forma melhor:



“Suponha que todos os habitantes de uma determinada cidade estivessem com alguma doença epidêmica e mortal. O rei, então, mandou para eles um eminente médico equipado com o mais eficaz medicamento, e fizeram com que fosse proclamado publicamente, que todos que estivessem dispostos a fazer uso do medicamento seriam curados. Sem dúvida, podemos realmente dizer desse rei, que ele amou esta cidade de tal maneira, que enviou médico mais hábil que possuía, para que todos que estivessem dispostos a atender ao seu conselho e tomar o remédio não viessem a morrer, mas recuperar a sua saúde anterior. 

Mas, se alguém objetar que esse médico foi enviado somente para aqueles que seguiriam suas prescrições, e que o medicamento era aplicável, pela designação do rei, somente para aqueles que estavam dispostos a tomá-lo, essa pessoa, na realidade, não somente faria a beneficência do rei parecer menos ilustre, mas também afirmaria o que era evidentemente falso. Porque a assistência médica era oferecida a todos, sem qualquer condição prévia da parte da pessoa que enviou, ou dos doentes; foi fornecida a cura do medicamento aplicável a todos sem exceção. A vontade de receber o médico e tomar o medicamento não tinha conexão com a intenção do Soberano no envio da assistência médica, mas com a certa restauração da saúde”.

Obs:  Esse texto é apenas um esboço, mas espero que possa ser útil para o leitor. 

1 comentário:

  1. Podemos afirmar então que a "predestinação da salvação" está amplamente ligada a postura do primeiro exemplo de John Davenant?

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