sábado, 18 de maio de 2013

David Ponter: Romanos 8:32 e o Argumento pela Satisfação Limitada (Revisitado)

Parte I – Introdução



Em Romanos 8:32, Paulo afirma:

"Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas?"


Paulo usa um argumento básico a fortiori para demonstrar que se o Pai entregou Cristo por nós, o quão, então, ele não nos dará todas as coisas. Se ele fez tamanha coisa por nós, como então ele não fará menores coisas para nos levar à salvação final?

O argumento pela satisfação limitada:

Paulo baseia a certeza de nossa herança na morte de Cristo. Ele diz, “Deus mais certamente dará todas as coisas a vós porque ele não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por vós”. Se Cristo é dado por aqueles que não recebem de fato “todas as coisas”, mas são, em vez disso, finalmente danados, o argumento de Paulo é esvaziado. Se Deus deu seu próprio Filho a descrentes que são finalmente perdidos, então ele não pode dizer que dar o Filho garante “todas as coisas” para aqueles por quem ele morreu. Mas isto é exatamente o que ele de fato diz. Se Deus deu seu Filho por vós, então ele mais certamente dará todas as coisas a vós. A estrutura do pensamento de Paulo aqui é simplesmente destruída introduzindo a ideia que Cristo morreu por todos os homens da mesma maneira.

Aqui está a mais simples maneira que eu penso de responder a este argumento a fim de mostrar por que ele é inválido.

1) A generalização apressada de termos: “nós” (do texto) é convertido em um termo geral, “todos”, que é “todos” sem relação com fé, quando ao longo de tudo, em Romanos 8, o “todos” explicitamente pressupõe crentes.

Por exemplo, no mais simplificado:

A nós por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas

se torna

A todos por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas

A primeira sentença é verdadeira ao texto, a segunda não é. Isto é um non-sequitur,

2) Se a conversão de termos é inválida, então os subsequentes argumentos modus ponens e modus tollens baseados nele são inválidos.

Modus Ponens: Se A portanto B
Modus Tollens: Não B, portanto não A.

Isto é, sobre a asserção que “A todos por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas”, os seguintes argumentos são construídos:


1.Se Cristo morreu por um homem, este homem deve ser salvo [Se A então B]
2.Se um homem não é salvo, então Cristo não morreu por ele [Não B portanto não A]


Do qual a conclusão gerada se torna: “Cristo não morreu por nenhum homem que não fora (de fato) salvo”


Então as três falhas do argumento são:


1.A conversão inválida de termos
2.A alegação irracional que se Cristo morreu por um homem, tal homem não pode falhar em ser salvo
3.A inferência inválida para uma negação universal categórica (discutida abaixo)

A primeira suposição, sendo inválida por si mesma mostra que a conclusão para satisfação limitada é falha dado que ela se compromete em conversão injustificada de termos (equivocação). A segunda suposição falsa precisa ser demonstrada em uma fundação diferente da de Romanos 8:32 etc. dado que o texto, por si só, não a implica. Neste ponto ela apenas peticiona princípio, formalmente.


Parte II – Refutação Detalhada


O argumento é, se é possível que Cristo pudesse morrer por uma pessoa e a mesma falhe em ser salva, Paulo não poderia assegurar os crentes que se Cristo morreu por eles, não pode falhar que a eles sejam dados todas as coisas, a saber final e completa salvação.

O ponto de Paulo está sendo desprezado aqui. A garantia de Paulo é para o “nós” para quem foi dado Cristo, não deveria haver dúvida, mas estar bastante assegurados que a “nós” serão dadas todas as coisas. Este é exatamente o mesmo sentimento por detrás de, ou implicado por 8:28,31,34. Os fiéis podem e de fato têm esta garantia.

No máximo tudo que pode ser inferido é perseverança dos santos ou a intenção eficaz de aplicar a morte de Cristo a crentes trazendo à tona sua completa salvação, e não satisfação limitada para os pecados dos eleitos somente. A lógica do texto apenas não dará fundamento para inferir uma satisfação limitada. O dado textual não sustenta qualquer generalização além de sua própria limitação estabelecida (a saber o “nós” de 32b). Agora, eis a explicação para minha crítica.

Paulo também usa a mesma forma de argumentação a fortiori em Romanos 5:8-10:

[8]Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós.
[9]Logo muito mais, sendo agora justificados pelo seu sangue, seremos salvos da ira por meio dele.
[10]Porque se nós, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.

A mesma estrutura está presente. Existe um argumento bi-condicional aqui. Por exemplo; tendo morrido por, e sendo agora justificados, muito mais então seremos salvos da ira vindoura.

Verso 10, Paulo novamente estabelece duas condições,  "quando éramos inimigos, fomos reconciliados … estando JÁ reconciliados…” ambos precisam ser presentes para que a conclusão siga: “seremos salvos da ira por meio dele”.

Paulo está afirmando, porque Cristo morreu por nós, E porque temos sido agora justificados e reconciliados, muito mais então, podemos estar assegurados da completa salvação. O resultado é o mesmo, perseverança sim – satisfação limitada por pecados limitados, não.

Não existem outras fundações para inferir satisfação limitada em Romanos 5:8-10, não mais que haja em Romanos 8:32.

Olhado de outro ângulo, este ponto se torna ainda mais aparente. Se formos de volta a Romanos 8:32, a real estrutura de Paulo é bastante interessante.

"Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, como não dará a nós também com ele todas as coisas?" {Rm 8:32 AR}

Dada a estrutura de Romanos 8:32, nós temos um “todos nós” e um “nós”, então existem apenas um número finito de possibilidades relevantes de interpretação aqui. Para explanação, no que se segue, considere que “toda humanidade” se refira a todos que viveram, vivem, e viverão. E “todos os eleitos” se refira a todos os eleitos que viveram, vivem, e viverão, sem relação com se qualquer dado eleito é um crente.
1.O todos nós se refere a todos os eleitos, e o nós se refere a todos os eleitos.
2.O todos nós se refere a toda humanidade e o nós se refere a toda humanidade
3.O todos nós se refere a todos os crentes, e o nós se refere a todos os crentes
4.O todos nós se refere a todos os eleitos, e o nós se refere a eleitos crentes
5.O todos nós se refere a toda a humanidade, e o nós se refere a crentes
6.O todos nós se refere a toda humanidade, e o nós se refere a todos os eleitos
7.O todos nós se refere a toda humanidade, e o nós se refere a todos os crentes eleitos

Apenas a segunda é inaceitável, dado que a toda humanidade não serão dadas todas as coisas.

A quinta e a sétima são a mesma em termos práticos, mas eu as incluirei separadamente para que o ponto fique claro.

Exegeticamente, posso dizer que a sexta e a sétima são improváveis.

A quarta pode ser possível, mas apenas dadas suposições sistemáticas mais amplas.

A terceira é possível.

A sétima é provável.

De qualquer forma, isto é o tipo de coisa dependente dos olhos de quem vê. Minha escolha seria provavelmente a quinta, ou também a sétima.

Quer dizer, todas menos a segunda opção são lógica e biblicamente aceitáveis (falando vagamente).

Seja qual dos resultados aceitáveis nós escolhamos, universalismo não é um resultado, dado que a conclusão é sempre regulada pelo segundo “nós”.

Como um simples argumento bicondicional: se A e B então C. C vale somente se ambas as condições estiverem presentes.

A estrutura do argumento de Paulo não é um simples se A então C (como é geralmente sugerido na literatura popular acerca da satisfação limitada).

Ironicamente, porém, esta análise é bastante desnecessária.

Se todos nós se refere à humanidade e nós se refere a crentes ou eleitos ou crentes eleitos, o argumento pela satisfação limitada (mesmo pelo caminho da redução ao universalismo) é inválido, poque em cada caso, o nós regula e delimita a conclusão.

Definir o todos nós é de fato irrelevante para contra-atacar o argumento pela satisfação limitada baseada em Romanos 8:32.


Recapitulando o argumento.


A (inválida) conversão de termos deve converter o todos nós e o nós em “todos por quem Cristo morreu” (sem relação com a eleição ou crença). Porém, não existe garantia textual para se fazer isto, o que é exatamente o que está se fazendo aqui, já que é alegado que: “A todos por quem Cristo morreu será infalivelmente dada completa salvação”. O que está acontecendo é a tentativa de forçar a conversão inválida de termos em outros termos para suportar a alegação que o dado textual necessita esta premissa:

A todos por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas.

Tudo que se precisa apontar é que esta conversão de termos é, em si mesma, inválida. Fim da discussão.

Nós, de nossa parte, não precisamos estabelecer quem exatamente o todos nós é. Isto pode permanecer uma questão completamente aberta. Resumindo, seja lá quem o nós for, a conclusão de qualquer argumento modus ponens é definida por ele.

Por exemplo, seja X acerca do “nós” (8:32b) de acordo com qualquer das permutações aceitáveis acima.

Tudo que pode ser construído é isto:

A todo X por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas.

Isto é:

A todo eleito por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas.
A todo crente por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas.
A todo crente eleito por quem Cristo morreu serão dadas todas as coisas.

Em cada caso, universalismo não é implicado.

E isto também leva ao fato bem importante de que não se pode inferir exclusão de categoria de uma simples afirmação positiva. Isto é, nada está sendo dito acerca de não-X. Paulo não está dizendo que Cristo não morreu por nenhum não-X afinal. Tal inferência seria inválida em sua mente. Ele está dizendo, a nós (i.e. ) por quem Cristo morreu, serão dadas todas as coisas. Nada é implicado ou acarretado, negativa ou positivamente, sobre qualquer outra classe, tal como a classe dos descrentes, ou dos não-eleitos, por quem Cristo tenha ou não morrido.

A alegada conclusão que: “Desde que é assumido que ambos os lados do argumento para satisfação limitada VS ilimitada negam universalismo, este texto portanto ensina expiação limitada” é apenas falso, e categoricamente falso.

A possibilidade de Cristo ter morrido pelos não-eleitos, ou descrentes, ou eleitos descrentes não pode ser categoricamente excluída. Tal exclusão de categoria formalmente peticiona o princípio (petitio principii).


Parte III – Prosseguimento



A abordagem aqui tinha que ser exegética primeiro e principalmente. A questão é, quem é o nós em 8:32b?

Existem dois candidatos principais,

1.Eleitos como uma classe, incluindo eleitos que ainda não são convertidos, isto é, todos os eleitos que viveram, vivem ou viverão.
2.Crentes. Mesmo se os crentes são crentes que são eleitos, ainda se trata de crentes.


A questão, então, é qual se encaixa melhor no contexto. Eu diria que o contexto se encaixa melhor com a segunda, porque o capítulo inteiro referencia crentes. Isto é, as predicações deste capítulo só podem se aplicar a crentes.

[26] Do mesmo modo também o Espírito nos ajuda na fraqueza; porque não sabemos [nós] o que havemos de pedir como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inexprimíveis.
[27] E aquele que esquadrinha os corações sabe qual é a mente do Espírito; porque, segundo Deus, é que ele intercede pelos santos.

Claramente estes versos referenciam crentes. O Espírito intercede por descrentes, mesmo descrentes eleitos? Penso que não.

[28] E [nós] sabemos que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.
[29] Porque os que previamente conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.
[30] E aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou.

Novamente os chamados são crentes, bem como aqueles que amam Deus são crentes. Estes são crentes que foram eleitos, dantes conhecidos e predestinados. Estes não são “eleitos” considerados simplesmente, à parte do crer. Paulo fala dos “chamados” desta maneira: os eleitos são considerados como eles são eleitos “chamados” (eleitos qua seu chamado) e não simplesmente eleitos enquanto são eleitos (eleitos qua eleitos).

[31] Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?
[32] Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas?

Deus nos dará todas as coisas, a saber dará a nós que cremos. Exegeticamente, o contexto e o texto claramente indicam crentes como sujeito do discurso. Sendo assim, a conclusão modus ponens tem de ser limitada ao escopo da premissa.

Então agora podemos voltar para minha taxonomia anterior:

A todos os crentes eleitos por quem Cristo morreu, serão dadas todas as coisas.

Ou estabelecido um tanto diferentemente novamente para ênfase: para todo X por quem Cristo morreu, todas as coisas serão dadas. X é agora definido como crentes que são eleitos.

Isto é o máximo que pode ser tirado deste verso.


Parte IV – Premissas Entimemáticas da Linguagem Diária



Um pregador diz à sua igreja, “Deus nos ama e certamente nos salvará”. Ele pode dizer tal coisa porque existe uma premissa não afirmada, chamada em lógica de premissa entimemática, que neste caso é a suposição que ele e sua audiência são “crentes”, ou a suposição não afirmada, “se crermos”. Debaixo da suposição “se nós cremos”, é absolutamente verdadeiro que enquanto Deus nos ama, e enquanto Cristo morreu por nós, ele certamente nos salvará. Isto é, em essência, o que está acontecendo no discurso de Paulo em Romanos 8.

O pregador diz: “Se o Pai entregou seu próprio Filho por nós, quão mais ele não nos dará todas as coisas?”.

Novamente, a premissa entimemática é assumida exatamente porque tal afirmação não pode ser verdadeira diante da associação local de ateus. Por que isto?

A mesma afirmação dita em diferentes contextos pode ser verdade em um mas falso em outro.

Para a igreja:

Se o Pai nos entregou seu próprio Filho por nós, nós, quão mais ele não nos dará todas as coisas?

Ou mais simples:

Se Cristo morreu por nós, ele nos dará todas as coisas.

Ambas seriam verdadeiras.

Para uma multidão de ateus:

Se o Pai nos entregou seu próprio Filho por nós, nós, quão mais ele não nos dará todas as coisas?

Ou mais simples:

Se Cristo morreu por nós, ele nos dará todas as coisas.

Ambas seriam falsas. Por quê? Porque a premissa ou condição não afirmada está faltando na segunda situação; isto é, a segunda bicondicional está ausente. A condicional ou suposição “se crermos” está ausente das vidas e compromisso pessoal dos ateus presentes. E sem fé pessoal em Cristo, nenhum homem pode ser salvo. Salvação e “todas as coisas” não são dadas à parte de ou sem nenhuma relação com fé em Cristo.

Além disso, no exemplo do pregador falando à sua congregação, ninguém imaginaria que o pregador está tentando implicar uma exclusão ou negação de categoria, a saber, que Cristo morreu somente pelo pregador e sua congregação em particular. Todos os seus ouvintes naturalmente não fariam tal conclusão ou imaginariam que ela fosse intencionada.

Agora se aplicarmos isto ao argumento de Paulo em Romanos 8:32 o problema deve agora ser mais claro, dado que Paulo não está dizendo “todos por quem Cristo morreu, sem relação com a fé, serão infalivelmente salvos”. Como o pregador diante de sua congregação, ele diz “Nós por quem Cristo morreu, serão dadas todas as coisas, e infalivelmente”. Nem é o caso que Paulo está tentando comunicar uma exclusão ou negação de categoria. Os leitores de Paulo jamais teriam feito tal inferência. A única inferência natural seria aplicar o argumento de Paulo a todos os crentes pelo princípio de todas as outras coisas sendo iguais [1].

E apenas para ter certeza, meu ponto é que as predicações e asserções de Paulo falam a seus leitores que são crentes “que foram eleitos”, não aos “eleitos” como uma classe total sem relação com fé e arrependimento, que é o que mais estritos TULIPers tendem a fazer com este texto, pela minha experiência.

Então na linguagem conversacional, podemos assumir uma condição que não é estabelecida, mas que o contexto da proposição (a quem ela é endereçada) sustenta a verdadeira suposição de uma premissa entimemática.


Conclusão



Por todas as razões acima, Romanos 8:32 não pode ser usado para provar uma satisfação limitada para pecados na base ou do argumento a fortiori de Paulo ou na base de qualquer argumento modus ponens ou modus tollens extra-textualmente construído. Paulo aqui na realidade é silencioso na questão da extensão. Tudo que ele pode estar falando é sobre o intento de aplicar eficazmente os benefícios da morte de Cristo para o crente ou para o crente eleito.


Notas:


[1] Uma predicação feita para um crente vale para outro e assim vai adiante indefinidamente, baseada no princípio da representação; por esta razão os crentes de hoje em dia podem ler suas Bíblias e predicar estas promesaas e bênçãos a si mesmos.

Tradução: Anderson Torres

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