terça-feira, 7 de setembro de 2010

John Davenant (1572–1641): João 3:16

1) Os doutores da Igreja Reformada também, desde o início, falaram de tal maneira sobre a morte de Cristo, que não deram nenhuma ocasião para reviver a disputa. Porque eles ensinaram, que ela foi proposta e oferecida a todos, mas apreendida e aplicada para a obtenção da vida eterna somente por aqueles que crêem 

Ao mesmo tempo, eles julgaram inadequado misturar o mistério oculto da Eleição e da Reprovação com esta doutrina da Redenção da raça humana por meio de Cristo, de tal maneira que para excluir qualquer um, antes este deveria se excluir por sua própria incredulidade . 

Ouçamos suas próprias palavras. Philip Melancthon constantemente adverte que não devemos misturar inapropriadamente a especulação da predestinação com as promessas do Evangelho. Em seu Common-places, sobre as promessas do Evangelho, página 195, ele escreveu assim: 

“Assim como é necessário saber que o Evangelho é uma promessa gratuita, assim também é necessário saber que o Evangelho é uma promessa universal, isto é, que a reconciliação é oferecida e prometida a toda a humanidade. É necessário considerar que esta promessa é universal, em oposição a quaisquer imaginações perigosas sobre a predestinação, para que nós não argumentemos que essa promessa diz respeito a nós mesmos e a algumas poucas pessoas.. Mas nós declaramos que a promessa do Evangelho é universal. E por isso são trazidas essas expressões universais, que são utilizados constantemente nas Escrituras, tais como, DEUS AMOU O MUNDO DE TAL MANEIRA, QUE DEUS SEU FILHO UNIGÊNITO, PARA QUE TODO AQUELE QUE NELE CRÊ NÃO PEREÇA, MAS TENHA A VIDA ETERNA. E o motivo pelo qual nem todos obtêm as promessas do Evangelho, é porque nem todos crêem nele". 

Calvino em muitos lugares, dá a sua opinião nesse mesmo sentido. Sobre as mesmas palavras de João 3:16 (Que Deus amou o mundo de tal maneira,etc), ele diz:

“Ele pôs uma marca universal, tanto para que possa convidar todos os homens indiscriminadamente para a participação da vida, e para que ele possa deixar o incrédulo sem desculpas. Pois este é o significado da palavra MUNDO. Pois, embora não haja nada no mundo digno do Divino favor, ainda assim Ele se mostra propício ao mundo inteiro, uma vez que chama a todos, sem exceção, para crer em Cristo." 

Logo a seguir diz:

"Parece que Cristo é colocado diante de todos, mas Deus só abre os olhos dos eleitos para que o busquem na fé”. 

E em Rom. 5:18:

“Ele faz graça comum a todos, porque ela é colocada diante de todos. Nâo porque ela realmente se estenda a todos. Pois, embora Cristo tenha sofrido pelos pecados de todo o mundo, e por meio da bondade de Deus seja oferecido a todos sem distinção, ainda assim nem todos o recebem."

John Davenant, “A Dissertation on the Death of Christ,” in An Exposition of the Epistle of St. Paul to the Colossians, (London: Hamilton, Adams, And Co. 1832), 336-337.

2) E aqui está para ser demonstrado, não da razão humana ou da fantasia, mas a partir das Sagradas Escrituras, que a morte de Cristo, de acordo com a vontade de Deus, é um remédio universal, pela designação Divina, e pela natureza da coisa em si, aplicável para a salvação de todos e de cada indivíduo da humanidade. De muitos testemunhos eu selecionei alguns:

1. O princípio é o de João 3:16 “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu a ele Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Não é difícil deduzir destas palavras cada parte da proposição acima. Pois, em primeiro lugar, Cristo ser dado pelo Pai à morte, é aqui proposto como um remédio universal previsto para todo o mundo fornecido para todo o mundo.

Então essa panacéia da morte de Cristo é declarada aplicável para a salvação de cada homem, e a forma ou a condição da aplicação é, ao mesmo tempo, demonstrada nessas palavras, “para que todo aquele que nele crê não pereça”. A partir deste testemunho nós incontestavelmente concluimos que a morte de Cristo pela ordenação de Deus é aplicável a todos os homens, e será aplicada a quem crer em Cristo. 

Mostre-me um indivíduo da raça humana a quem o ministro do Evangelho não possa verdadeiramente dizer: Deus te amou tanto, que deu o seu Filho unigênito, para que se vieres a crer Nele, não perecerás, mas terás a vida eterna. Isso, na certeza de sua fé, pode ser anunciado a qualquer pessoa. Portanto, a morte de Cristo é aplicável a todos os homens de acordo com esta vontade e ordenação de Deus. 

Eu sei que alguns estudiosos e piedosos teologos, entendem, aqui, por “mundo” todo o corpo dos eleitos, e se fiam sobre o argumento de que é dito que o Filho de Deus foi dado, “para que todo aquele que Nele crê não pereça” e somente os eleitos são aqueles que assim crêem em Cristo para que “não pereçam, mas tenham a vida eterna”. Mas eu respondo, que nada mais pode ser inferido a partir daqui, além de que a morte de Cristo traz a salvação, posteriormente, somente aos eleitos e que ela é realmente aplicada por meio da fé . Mas não se pode inferir que esse não era um remédio aplicável a outros, e pela ordenação de Deus seria aplicada, se eles viessem a crer. Vamos ilustrar isto com um caso em certo grau paralelo.


Suponha que todos os habitantes de uma determinada cidade estivessem sobre alguma doença epidêmica e mortal. O rei, então, mandou para eles um eminente médico equipado com o mais eficaz medicamento, e fizeram com que fosse proclamado publicamente, que todos que estivessem dispostos a fazer uso do medicamento seriam curados. Sem dúvida, podemos realmente dizer desse rei, que ele amou esta cidade de tal maneira, que enviou médico mais hábil que possuia, para que todos que estivessem dispostos a atender ao seu conselho e tomar o remédio não viessem a morrer, mas recuperar a sua saúde anterior. 

Mas, se alguém objetar que esse médico foi enviado somente para aqueles que seguiriam suas prescrições, e que o medicamento era aplicável, pela designação do rei, somente para aqueles que estavam dispostos a tomá-lo, essa pessoa, na realidade, não somente faria a beneficência do rei parecer menos ilustre, mas também afirmaria o que era evidentemente falso. Porque a assistência médica era oferecida a todos, sem qualquer condição prévia da parte da pessoa que enviou, ou dos doentes; foi fornecida a cura do medicamento aplicável a todos sem exceção. A vontade de receber o médico e tomar o medicamento não tinha conexão com a intenção do Soberano no envio da assistência médica, mas com a certa restauração da saúde. 

Os antigos Pais parecem ter ficado muito satisfeitos com esta similitude. Prosper, com respeito a isso, quando Vincentius objetou que segundo a opinião de Agostinho, nosso Senhor Jesus Cristo não sofreu pela salvação e redenção de todos os homens, responde que devido a doença do pecado original, pela qual a natureza de todos os homens está corrompida, a morte do Filho de Deus é um remédio. E pouco depois: 

“Este cálice da imortalidade, de fato, tem em si essa virtude que pode beneficiar a todos os homens, mas se não for tomado, não curará”. 

Nossa fé é, portanto, requerida não meramente para assentar a proposição, que Deus nos deu ou ordenou seu Filho para ser um remédio para nós, mas que sendo dado e ordenado, deve ser recebido por nós para a obtenção da vida eterna. Rhemi e Haimo ampliam a similitude citada naquelas palavras de Hebreus 2. Que, pela graça de Deus, Ele provasse a morte por todo homem. Quem, quiser, pode consultar.

2. O segundo testemunho é derivado de duas passagens conjuntamente analisadas e comparadas. A primeiro é João 3:17, 18 “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo através dele pudesse ser salvo. Aquele que Nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porquanto não creu no nome do unigênito Filho de Deus”. Coloquemos anexas a estas palavras as de João 12:47,48 “Se alguém ouvir as minhas palavras e não crer, eu não o julgo, porque eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; as palavras que tenho dito, essas o julgarão no último dia.”

Nestas palavras, aprendemos que o Filho de Deus foi enviado pelo Pai, para que Ele pudesse trazer um remédio universal aplicável a todo o mundo. Nem pode o sentido ser restringido ao mundo dos eleitos. Pois, em primeiro lugar, este mundo, para o qual Cristo foi enviado para salvar é dividido em crentes e incrédulos. Mas o mundo dos eleitos é composto apenas dos crentes, ou pelo menos, daqueles que crerão por fim.

Em segundo lugar, porque alguns, pelos quais aqui é afirmado que Cristo foi enviado para salvar, serão condenados, Mas nenhum dos eleitos será condenado. Em terceiro lugar, porque aqueles que aqui são declarados condenados, é dito ter vindo essa condenação sobre eles, porque não creram no Filho unigênito de Deus, ou porque o rejeitaram. Nesse modo de falar, é implícado de uma forma suficientemente clara, que Ele foi oferecido a eles por Deus, e enviado para salvá-los. Mas como, ou em que sentido, podemos compreender corretamente que Cristo foi enviado para salvar aqueles que perecem por sua própria culpa, isto é, através de sua própria incredulidade? Não é de outra forma que isso é expresso em nossa proposição, ou seja, que a morte de Cristo é uma causa universal de salvação designada por Deus e aplicável a todos os homens sobre a condição da fé, condição a qual estes, por sua própria e voluntária malícia, têm desprezado.

Assim Calvino entendeu essas palavras, pois em João 3 ele observou,  que 

“a palavra “mundo” é repetida de novo e de novo, para que ninguém pudesse supor que seria excluído, se ele guardar o caminho da fé”. 

E em João 12:47, ele observou 

“para que as mentes de todos os homens possam ser inclinadas ao arrependimento, a salvação é aqui oferecida a todos os homens sem distinção”. 

Parece, portanto, a partir destas passagens, que a morte de Cristo deve ser proposta e considerada como um remédio aplicável a todos os homens para a salvação, pela designação de Deus, embora possa ser rejeitada pelos incrédulos. 

John Davenant, “A Dissertation on the Death of Christ,” in An Exposition of the Epistle of St. Paul to the Colossians, (London: Hamilton, Adams, And Co. 1832), 343-346.

3) Em segundo lugar, está provado, nas alegadas passagens, que a morte de Cristo é dita ser limitada a determinadas pessoas por algum motivo especial. Caso contrário, por que a Escritura mencionaria ovelhas, filhos, ou a igreja, se ela quisesse assinalar que é estendida a todos? Teria sido em vão fazer uso de palavras que descrevem uma pequena parte da raça humana, a menos que também demonstrasse que o designio de Cristo nisso não considerava toda a raça humana, mas referia-se somente a algumas poucas pessoas.

A morte de Cristo e o designio de Deus em abraçar toda a humanidade indiscriminadamente é excelentemente expressa em João 3:16 “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu a ele seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. 

Mas Ele amou de tal maneira suas ovelhas, seus filhos, sua igreja, que determinou que sua morte efetivamente derivasse para eles a fé e a vida eterna. Como muitas vezes as Escrituras Sagradas fazem menção da morte de Cristo, em referência somente da igreja, das ovelhas, dos membros do seu corpo místico, isso nos revela o designio especial de Cristo em oferecer a si mesmo, o qual decorre de seu amor especial; conforme diz Tomás de Aquino (Part. 3, qu. 24, art. 4) "Deus preordenou a salvação dos eleitos, pela predestinação na eternidade, que seria realizada através de Jesus Cristo." 

John Davenant, “A Dissertation on the Death of Christ,” in An Exposition of the Epistle of St. Paul to the Colossians, (London: Hamilton, Adams, And Co. 1832), 521.


Fonte: http://calvinandcalvinism.com/?p=576  
Tradutor: Emerson Campos Pinheiro