Aqui, o Profeta tira dos israelitas a esperança de perdão, e declara que ela estava totalmente acabada para eles, pois Deus havia, agora, resolvido destruí-los. Pois, visto como Deus, em toda parte, declara estar pronto e disposto a perdoar, os hipócritas esperam que Deus lhes seja propício; e, acalentando essa vã confiança, eles desprezam a ameaça divina e atrevidamente se insurgirem contra ele.
Dessarte, o Profeta demonstra aqui que Deus, doravante, seria inexorável para com eles,pois que haviam, por tempo demasiado, abusado de forma pertinaz da sua paciência. Ai deles!, diz, pois me abandonaram: desolação para eles! pois têm agido aleivosamente para comigo. A partir de agora, então, não há razão alguma, diz o Profeta, para eles se iludirem com convicção fútil, como até aqui se iludiram; pois isso foi, de uma vez por todas, determinado por Deus — para aplicar sobre eles sua vingança final, pois a apostasia deles o merecia.
Em seguida, ele acrescenta: Eu redimi-los-ei, e eles falam mentiras contra mim. Aqueles que traduzem a primeira palavra no tempo futuro acham que o Profeta faz uma pergunta: “Redimi-los-ei eu? Pois eles falam mentiras contra mim”: e pensam que isso é um modo indefinido de falar —“Devo eu redimi-los, homens sem fé alguma? Pois qual bem obraria eu com semelhante bondade?”
Outros dão essas explicações: “Embora eu desejasse redimi-los, todavia, descobri que isso não seria benéfico nem justo, porque eles falam mentiras contra mim”; como se Deus não expressasse aqui o que ele tinha feito, mas o que desejava fazer. Porém, o tempo pretérito não é impróprio nesse ponto; e sabemos quão comum e familiar era, aos hebreus, a variação de tempos verbais.
A significação, pois, será: “Eu os redimi, e eles falam mentiras contra mim”; ou seja: “Eu freqüentemente livrei-os da morte, quando estavam em perigo extremo; mas eles não mudaram a sua disposição; ou melhor, eles tiraram de mim o devido louvor pela sua remição, e de modo algum viveram melhor, depois de seu livramento. Visto, então, que eu até agora tenho outorgado meus benefícios sem nenhum efeito prático, agora nada resta senão eu ter de destruí-los”. E esse me parece ser o sentido dado pelo Profeta.
Ele, depois, declara, na primeira oração, que eles debalde esperavam misericórdia da parte de Deus, porque a destruição definitiva deles estava decretada. Segue-se, então, o motivo para isso, pois que eles haviam tola e impiamente abusado da mercê divina, visto como, tendo sido remidos por ele, contudo, prosseguiam na maldade, e ainda procediam perfidamente para com Deus, embora fingissem agir diferentemente. Visto pois que não houve nenhuma mudança para melhor, Deus ora mostra que não mais despenderia seu favor com homens tão ímpios.
Ora, esse ponto ensina quão intolerável é nossa ingratidão quando, após haver sido resgatados pelo Senhor, não guardamos a fé empenhada a ele, a qual ele exige de nós; pois Deus é nosso libertador nesta condição, que sejamos de todo devotados a ele. Pois aquele que foi remido não deve viver como se possuísse direito a si próprio e à sua própria vontade; mas deve ser integralmente dependente do seu Redentor. Se, então, agirmos desse modo traiçoeiro para com Deus, após havermos sido libertos por sua graça, seremos culpados de impiedade e perfídia tais que merecem uma VINGANÇA DOBRADA: e isso é o que o Profeta ensina aqui.
Deveras, sabemos quão compassivamente Deus tinha poupado o povo de Israel: após eles haverem recaído em culto supersticioso, e também violado sua fidelidade à posteridade de Davi, o Senhor, todavia, não cessava de exibir àquele povo muitos favores, malgrado sua indignidade. Sabemos também que, sob Jeroboão, a prosperidade seguira-os além de toda expectativa humana. Eles, no entanto, endureceram-se mais e mais em sua impiedade, a ponto de não retornarem ao reto caminho.
Fonte: Comentário de Oséias de Tradução de Vanderson Moura da Silva disponivel no www.monergismo.com. A ressaltação em negrito e em letra maiúscula foi adicionada por este blog.
Nota do blog: Ainda que se diga que Calvino entende a redenção em Oséias 7:13 como apenas uma redenção temporal, o mesmo não pode ser dito da aplicação que ele faz desse texto aos crentes atuais. E mesmo se disserem que Calvino fala aqui hipoteticamente, essa hipótese não deixa de considerar que não há injustiça em punir alguém por quem Cristo já foi punido, entendendo que estes merecem "vingança dobrada".