sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Paul Hartog: 12 Questões em Calvino sobre a Extensão da Expiação

Parte 1 de 4


Eu gostaria agora de explicar o que eu percebo ser a complexa estrutura da teologia de Calvino através de uma série de doze questões e da forma como ele se dirigiu a elas em seus próprios escritos.

1ª Questão: Todos os indivíduos serão salvos no final?

Calvino responde com uma firme negativa. Ele rotulou a herética visão “universalista” como um “absurdo”:¹ 

“Eu passo sobre os sonhos dos fanáticos que fazem isto um motivo para estender a salvação a todos os reprobos e até mesmo para o próprio Satanás. Tal idéia monstruosa nem vale a pena refutar.”²


Calvino afirma que “ninguém que não seja privado de bom senso e juízo pode acreditar que a salvação é ordenada no conselho secreto de Deus igualmente para todos.”³ “Por isso, é claro que a doutrina da salvação, que é dita ser reservada exclusivamente e individualmente para os filhos da Igreja, é degradada quando apresentada como efetivamente beneficiando a todos.”4 

Como afirma Robert Peterson, “É claro que Calvino negou o universalismo, o ensinamento de que todos seriam salvos no final.”5


2ª Questão: Quem é chamado na oferta do evangelho?

Calvino apóia firmemente a oferta geral do evangelho com sua promessa universal:

Cristo “oferece a salvação a todos indiscriminadamente e estende Seus braços para abraçar a todos, para que todos possam ser mais encorajados a se arrepender.”6 Portanto, “o crime de rejeitar um convite tão bondoso e gracioso” é culpável, e “nenhum homem é condenado por desprezar o Evangelho salvo aquele que despreza a adorável notícia da salvação e deliberadamente decide levar à destruição sobre si mesmo. "7 

“O Evangelho convida todos para participar da salvação, sem qualquer diferença”, pois “Cristo é nele oferecido”8 Portanto, “é certo que todos aqueles a quem o Evangelho é pregado são convidados à esperança da vida eterna.”9 Assim, por mais que um homem possa ser esmagado no abismo da miséria, há ainda diante dele uma maneira de escapar. . . . Portanto, uma vez que nenhum homem é excluído do chamado de Deus, a porta da salvação está aberta a todos. Não há mais nada para nos impedir de entrar, a não ser a nossa própria incredulidade”10 Peterson corretamente conclui: “É igualmente claro que Calvino defendia uma oferta universal e livre do evangelho "11.

3ª Questão: Porque nem todos acreditam?

De acordo com Calvino, nem todos são eficazmente atraídos pelo Espírito Santo:

“Paulo faz a graça comum a todos os homens, não porque de fato se estenda a todos, mas porque é oferecida a todos. Embora Cristo tenha sofrido pelos pecados do mundo, e é oferecido pela bondade de Deus sem distinção a todos os homens, ainda assim nem todos o recebem.”¹² 

Calvino reconheceu que nem todos recebem a graça que lhes é oferecida, uma vez que muitos permanecem em sua incredulidade. Ao comentar sobre Hebreus 9:27 e 28, Calvino observou: “É claro que é certo que nem todos desfrutam dos frutos da morte de Cristo, mas isso acontece por causa da incredulidade deles , a qual os impede" 13.

Calvino acreditava que os seres humanos são tão afetados pelo pecado que  não crerão de sua própria vontade:

“Estamos todos nós tão contrários. . . a Deus que não podemos, mas resistimos a Ele. Então, como pode ser que sejamos participantes da. . . salvação. . . a não ser que Deus nos atraía a Ele por meio do Espírito Santo?”¹4 

Portanto, para qualquer pessoa confiar em Cristo como Ele é oferecido gratuitamente no evangelho, uma obra especial de Deus é requerida.15 Através de uma obra particular e eficaz em indivíduos específicos, o Espírito Santo forma a fé na completamente suficiente obra de Cristo.16 “Porque Deus não opera eficazmente em todos os homens, mas somente quando o Espírito brilha em nossos corações como o professor dentro de nós, [Paulo], acrescenta em todo aquele que crê. O Evangelho é de fato oferecido a todos para a sua salvação, mas seu poder não é universalmente manifesto "17.

4ª Questão: O que distingue estes indivíduos específicos (a quem o Espírito eficazmente atraí) de todos os outros?

Calvino responde que só a graciosa, eterna e incondicional eleição de Deus coloca eles aparte: 

"A  natureza geral das promessas não só e de si mesmas fazem nossa salvação comum a todos. Pelo contrário, a revelação peculiar que o profeta [Isaías] mencionou restringe ela aos eleitos.”18 “Assim, podemos concluir que, embora a reconciliação seja oferecida a todos por ele, ainda assim o benefício é peculiar aos eleitos, para que eles possam ser reunidos na comunidade da vida. No entanto, quando eu digo que é oferecida a todos, não quero dizer que esse ministério, pelo qual, de acordo com o testemunho de Paulo (II Coríntios 5,18), Deus reconcilia consigo o mundo, alcança a todos, visto que ele não é selado  indiscriminadamente nos corações de todos a quem se dirige de modo a ser eficaz. "19

O comentário de Calvino sobre João 3:16 explica: "Além disso, lembremo-nos que, embora a vida seja prometida em geral, para todos os que crêem em Cristo, a fé não é comum a todos. Cristo está aberto a todos e é exibido a todos, mas Deus abre os olhos somente dos eleitos para que eles possam procurá-lo pela fé.”²0 

Calvino nota que embora “todos sejam igualmente chamados ao arrependimento e a fé”, “Deus honra com iluminação ninguém, a não ser a quem Ele quer.”21 Calvino declara que “a solução da dificuldade reside em considerar como a doutrina do Evangelho oferece salvação a todos. Que o evangelho é salvífico para todos eu não nego. Mas a questão é se se o Senhor em Seu conselho aqui destina a salvação igualmente para todos" 22.
Notas:

1. Calvin, 1 John 2:2, The Gospel according to St John 11–21 and the First Epistle of John, trans. T. H. L. Parker (Edin­burgh: Oliver and Boyd, 1961), 244.

2. Ibid. Cf. Calvin’s Titus 2:11: “Ele expressamente declara que a salvação vem para todos os homens, tendo especialmente em mente os escravos de quem ele tinha acabado de falar. Ele não quer dizer índividuos, mas, ao invés, toda classe de homens com seus diversos modos de vida, e ele dá grande enfase ao fato de que a graça de Deus tem condescendência até pelos escravos” (Calvin, The Second Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians and the Epistles to Timothy, Titus and Philemon, trans. T. A. Smail [Grand Rapids: Eerdmans, 1964], 373). Nesse sermão em Tito 2:11, Calvino compara a implicação que achou em 1 Timóteo 2:6. As boas novas do evangelho devem ser pregadas a toda classe e a toda ordem, tanto ao grande quanto ao desprezado. 

3. Calvin, Concerning the Eternal Predestination, 109.

4. Calvin, Institutes III.22.10. Throughout this study, English translations of the Institutes come from Calvin, Insti­tutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill and trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1960).

5. Peterson, Calvin’s Doctrine of the Atonement, 90.

6. Calvin, John 12:47, The Gospel according to St John 11–21 and the First Epistle of John, 52. Cf. Calvin’s Matthew 18:12, onde ele nota as diferenças entre as parábolas de Mateus e Lucas com relação a ovelha perdida e as noventa e nove. Calvino reconhece que a parábola de Mateus aparece em um contexto com relação a restauração de um discipulo, “porque eles são ovelhas para quem Deus fez seu Filho pastor.” “O relato de Lucas” continua Calvino, “tem um objetivo diferente: porque toda a raça humana diante de Deus, são aqueles que estão afastados e devem ser reunidos, e é causa de muita alegria quando a ovelha perdida retorna como quando alguem encontra algo precioso que ele tinha dado como perdido” (Calvin, A Harmony of the Gospels Matthew, Mark and Luke, vol. 2, trans. T. H. L. Parker [Grand Rapids: Eerdmans, 1972], 219).

7. Calvin, John 12:47, The Gospel according to St John 11–21 and the First Epistle of John, 52–53.

8. Calvin, Romans 1:16, The Epistles of Paul the Apostle to the Romans and to the Thessalonians, trans. Ross Mackenzie (Grand Rapids: Eerdmans, 1960), 27.

9. Calvin, 1 Timothy 2:3, Second Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians and the Epistles to Timothy, Titus and Philemon, 208.

10. Calvin, Acts 2:21, The Acts of the Apostles 1–13, trans. John W. Fraser and W. J. G. McDonald (Ed­inburgh: Oliver and Boyd, 1965), 62.

11. Peterson, Calvin’s Doctrine of the Atonement, 90.

12. Calvin, Romans 5:18, The Epistles of Paul the Apostle to the Romans and to the Thessalonians, 117–118.

13. Calvin, Hebrews 9:27, The Epistle of Paul the Apostle to the Hebrews and the First and Second Epistles of St Peter, trans. William B. Johnston (Edinburgh: Oliver and Boyd, 1963), 131.

14. Quotation from Thomas, Extent of the Atonement, 21; English spelling updated.

15. Calvin, Matthew 15:13; idem, Institutes, III.3.21.

16. “Para a presente questão não é quão grande é o poder de Cristo ou qual eficácia ele tem em si mesmo, mas a quem Ele se deu para ser desfrutado. Se a posse reside na fé e a fé emana do Espírito de adoção, segue-se que somente ele sabe o número dos filhos de Deus que serão participantes de Crsito. . . .Por isso, nós concluimos que, apesar da reconciliação ser oferecida a todos por Ele, ainda assim o beneficio é peculiar aos eleitos, para que eles possam ser reunidos na comunidade da vida. No entanto, quando eu digo que ela é oferecida a todos, eu não quero dizer que esse ministério, pelo qual, de acordo com o testemunho de Paulo  (II Cor 5:18), Deus reconcilia o mundo com Ele, alcança a todos, visto que ele não é selado indiscriminadamente nos corações de todos a quem se dirige de modo a ser eficaz.” (Calvin, Concerning the Eternal Predestination, 149).

17. Calvin, Romans 1:16, Epistles of Paul the– Apostle to the Romans and to the Thessalonians, 27; italics original.

18. Calvin, Romans 10:16, Epistles of Paul the Apostle to the Romans and to the Thessalonians, 232.

19. Calvin, Concerning the Eternal Predestination, 149. “Tal é o significado do termo "mundo", o qual ele usou antes.   Porque, apesar de não haver nada no mundo merecedor do favor de Deus, Ele, no entanto, é favorável a todo o mundo quando chama todos sem exceção a fé em Cristo, a qual é, certamente, uma entrada para a vida"(Calvin, John 3:16, Gospel according to St John 1–10, trans. T. H. L. Parker [Grand Rapids: Eerdmans, 1959], 74).

20. John Calvin, The Gospel According to St John 1–10, 75.

21. Calvin, Concerning the Eternal Predestination, 103.

22. Ibid.

Fonte: http://www.baptistbulletin.org/wp-content/uploads/2009/07/a-word-for-the-world.pdf

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