domingo, 27 de maio de 2012

David Ponter: João 11:51-52 e 1 João 2:2 e o Argumento para Expiação Limitada


Há um velho argumento que busca correlacionar João 11:51-52 com 1 João 2:2. John Owen foi provavelmente um dos primeiros a fazer esta conexão:

“Assim são os termos “mundo”, “todos os homens”, “todas as nações”, “toda criatura”, e similares, utilizados com relação a redenção e a pregação do evangelho; essas coisas não sendo restringidas, como eles supõe, a uma nação ou a uma familia específica, mas estendidas à universalidade do povo de Deus dispersos em todas as regiões sob o céu. Essas expressões são usadas especialmente por João, que vivendo para ver a primeira vinda do Senhor, no qual ele executou o terrível juízo e vingança sobre a nação judaica cerca de quarenta anos após sua morte, muito freqüentemente afirmou o benefício do mundo por meio de Cristo, em oposição, como eu disse antes, à nação judaica - dando-nos uma regra de como entender essas palavras e expressões em João 11:51-52 :

Ele “profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos”. João 11:51-52

Em conformidade com isso ele diz para os judeus crentes que Cristo não é uma propiciação somente por eles, “mas pelos pecados de mundo todo” (1 João 2:2), ou o povo de Deus espalhado pelo mundo todo e não vinculados a algum país como eles, algumas vezes, imaginavam de forma vã. E isso pode nos dar muita luz sobre o sentido e o significado desses lugares onde as palavras “mundo” e “todos” são usadas se referindo a redenção. Eles não se referem a uma universalidade coletiva, mas em uma distribuição geral de homens de todos os tipos”. Works, 10:302.

[...]

Normalmente, quando olhamos para idéias paralelas nós também olhamos para contextos paralelos. Por exemplo, os sinóticos podem discutir o mesmo evento de maneiras diferentes, com palavras diferentes, mas o fundamento para a conexão é o evento. Pode ser o caso também que um escritor tenha um padrão comum de expressão, uma linguagem favorita que ele usa muitas vezes, todas com algumas diferenças. Então nós podemos colocar esses [paralelos] juntos e ter o quadro geral.

Entretanto, aqui [na conexão entre João 11:51-52 e 1 João 2:2] não há nada. Existe apenas a estrutura conectiva da semântica "não só isso, mas também aquilo". [...]


A estrutura da sobreposição seria algo semelhante a isso:


"Morrer pela nação", não somente pela nação, mas também pelos “filhos dispersos”


comparado com:


"Cristo é a expiação pelos nossos pecados, não somente pelos nossos, mas pelos pecados do mundo todo".

O argumento, então, é que a estrutura de João 11 :51-52 é sobreposta em cima de 1 João 2:2 de tal forma que a sobreposição DELIMITA os significados dos termos neste. Filhos dispersos delimitaria o significado de holos kosmos (mundo todo). Em outras palavras, o último (holos kosmos) é reduzido para significar somente os eleitos dispersos. (Aqui assumimos que filhos é equivalente a eleitos devido ao argumento.)

1) Os dois versículos parecem ser paralelos em inglês, mas no grego a coisa é muito diferente. Os principais termos alterados : “ethnos” e “laos” (João 11), tornam-se o "nosso" (1 João 2), e, também, “seus filhos”, tekna (João 11), torna-se holos kosmos (1 João 2).

Pode-se ver que João nem sequer utilizou os mesmos termos, o que seria razoável de se esperar caso ele estivesse pretendendo fazer uma sobreposição paralela.

Além disso, as preposições e partículas também são muito diferentes. Em João 11 :51-52, você tem Jesus morrendo pela (huper) nação, não (ouk) pela (huper) nação (ethnos) somente, mas (alla), pelos (huper) filhos de Deus dispersos. O objeto é o povo, e Cristo está morrendo em favor de (huper) essas pessoas.


No entanto, em 1 João 2:2, nós temos:

Ele é o sacrifício expiatório (hilasmos), com relação a (peri), nossos pecados, mas (de) não (ou) com relação a (peri) somente os nossos, mas (alla) com relação a (peri) [os pecados] do mundo todo.

Nesse versículo não é usado huper, [como em João 11:51-52], mas peri.


O objeto é “pecados”, uma vez que “peri” denota "com relação a", "a respeito de", "com referência a". As estruturas das sentenças são realmente muito diferentes, no nível palavra/preposição, com apenas uma semelhança superficial. Além disso, palavras como “alla”, “de” e “ou” são usadas em abundância no Novo Testamento. A única palavra comum é “mas” (alla). A única semelhança é um padrão básico em nossa língua , "Não somente nossos, mas também", que é muito superficial.


2)Em seguida, o outro problema é que se faz necessário pressupor que “kosmos” em João significa gentios, e que João usa “kosmos” para denotar um contraste entre os judeus e os gentios. “Kosmos” para João não pode denotar todas as nações (judeus incluídos) pois assim a sobreposição não funciona, pois então “holos kosmos” incluiria os leitores, e o paralelo entre judeus étnicos e os filhos dispersos seria anulado. É inconsistente tentar ir e vir, afirmando que ora “kosmos” significa gentios, e que ora significa todas as nações. Além disso não há nenhuma evidência de que João na epístola use “kosmos” para fazer tal distinção étnica ou contraste. Na epístola de João, “kosmos” é usado para o mundo apóstata nas trevas, o que inclui todos os pecadores sem distinção racial.


Dabney, por exemplo, viu esta problemática:

“Em 1 João 2:2, é pelo menos duvidoso que a expressão "mundo todo", pode ser restringida ao mundo dos eleitos, como [se estivesse] incluindo outras [pessoas] além dos judeus. Pois é indiscutível, que o apóstolo estende a propiciação de Cristo para além daqueles a quem ele se refere como "nós" no primeiro verso. A interpretação descrita obviamente prossegue no pressuposto de que estes são apenas os crentes judeus. Essa interpretação pode ser justificada? É esta epístola católica dirigida somente aos judeus? Isso é mais do que duvidoso. Parece então, que o escopo do apóstolo é consolar e encorajar os pecadores crentes com o pensamento de que, uma vez que Cristo fez expiação por cada homem, não há perigo deles não encontrarem uma propiciação para eles, os quais, já tendo crido, agora sinceramente se voltam dos pecados recentes”. Dabney, Lectures, p., 525.


O outro problema é que João parece ter o objetivo de incluir os judeus como parte do mundo. Esse foi o escândalo da cruz: os judeus faziam parte da oposição do mundo a Jesus. Podemos ver isso nas freqüentes referências de João sobre Cristo vindo ao mundo como luz e vida, mas o mundo o rejeitando. Esses predicados são atribuídos aos judeus, tanto quanto a qualquer apóstata, no evangelho de João. Na primeira epístola de João, o mundo é tudo aquilo que está fora da igreja.

Assim, se João nunca intentou que “kosmos” significasse “gentios”, então ele nunca teve a intenção de fazer uma sobreposição paralela e nem devemos ler uma nesses versículos. Você precisa deste pressuposto prévio para que ela funcione. Torna-se um caso de uma sobreposição paralela puramente nos olhos de quem a vê.


3)Você tem que impor a idéia de que em João 11 :51-52, o evangelista redefine o significado de povo (laos) e nação (ethnos). O sacerdote se referira a nação física, assim como compreendiam tmabém seus ouvintes. Existe alguma evidência de que João queria que nos lessemos sua paráfrase das observações do sacerdote como sendo aos judeus étnicos eleitos? Não. Não há nenhuma. No entanto, o argumento da sobreposição só funciona se você presumir essa hipótese de antemão.

E assim outro problema seria que João 11 se tornaria uma prova contrária contra a expiação limitada, uma vez que a estrutura de João é como: "não apenas isso, mas isso também". Isto é, não só para a nação, mas também para os filhos dispersos. Até onde eu sei, “nação” não é utilizada para designar os "eleitos" em João. O termo “nação” é utilizado para designar apenas isso, a nação de Israel.

4) Contrário a Owen, sua hermenêutica é difícil de provar. A hermenêutica funciona em uso de contexto das conexões. Nós definimos o sentido normalmente recorrendo a declarações parecidas do mesmo autor. A mais próxima declaração de “holos kosmos” é 1 João 5:19, que claramente não pode denotar a igreja espalhada por todo o mundo. É muito arbitrário apenas impor um significado diferente para “holos kosmos” em 1 João 2:2 que não seja o significado óbvio em 1 João 5:19.


5) Por último, suponhamos por um momento que aqui há uma intencional estrutura paralela na intenção autoral. Aqui está a falha. Porque razão nós deveriamos assumir que João 11 :51-52 foi concebido para delimitar 1 João 2:2?

Por que não estaríamos autorizados a imaginar que João teria usado a mesma estrutura básica “não só, mas também” para expandir João 11:51-52 ? 1 João foi escrito mais tarde do que o Evangelho de João. Parece contra-intuitivo dizer que o anterior delimita o posterior, quando este último ainda não existia, sendo escrito alguns anos depois.

Parece-me arbitrário a afirmação de Owen de que João 11 delimita e contém 1 João 2, excluindo a possibilidade de que 1 João 2, possa, de fato, ser uma expansão daquele. Assim, pode-se usar o mesmo argumento para provar o ponto oposto. E isso tem o apoio do uso padronizado de João de kosmos em 1 João e sua referência a “holos kosmos” em 1 João 5: 19.

Concluindo, o argumento da sobreposição paralela não é convincente. Você tem que conceber isso de antemão para que possa vê-la no texto. Ela só está nos olhos de quem vê o texto em nossa língua. Parece-me, que a alegada sobreposição paralela não é um argumento para imputação limitada a menos que você já esteja predisposto a crer numa imputação limitada. Isso me lembra a tabula raza de Locke, o script tem que ser pré-escrito, pois a menos que você tenha assumido o argumento primeiro, o argumento do alegado paralelo nunca seria discernido em primeiro lugar.


Fonte:  http://calvinandcalvinism.com/?p=2166
Tradução:  Emerson Campos Pinheiro

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