segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Neil Chambers: Uma Refutação de John Owen Sobre o "Mundo" em João. Com Referência a João 3:16-17, 6:51, 16: 8-11, 17 e 1 João 2:2



Uma Consideração do "Mundo"


Por toda sua obra Owen lista uma série de textos bíblicos para apoiar sua posição e no Livro IV também lida, em profundidade, com textos que são suscetíveis a apoiar uma interpretação da expiação que é contrária a sua. Owen chega naqueles textos que são mais amados pelos que defendem uma redenção universal tendo primeiro, como vimos, estabelecido uma grade geral de interpretação nos Livros I – III, a qual cria uma presunção forte a favor da expiação limitada (“a peculiar redenção eficaz somente dos eleitos” [2]) e seu objetivo é demonstrar a consistência destes textos com a sua própria posição.

Consistente com o nosso desejo de ir do texto para a teorização, nós reverteremos a ordem de Owen, e, olhando primeiro para o seu tratamento dos textos, nós examinaremos textos individuais antes de considerarmos os aspectos de seus argumentos nos capítulos subsequentes. Entretanto, nós não examinaremos todos os textos ou grupos de textos relacionados. Ao invés disso, nós nos limitaremos a um exame do sentido do termo "mundo" nos escritos de João, com preferência àquelas passagens onde é feita menção de “todos” e “cada” em relação à redenção e àqueles textos que parecem falar do perecimento daqueles por quem Cristo morreu. [3]

Nós adotamos esse procedimento não apenas pelas exigências de espaço, mas também devido à necessidade decorrente da profundidade e da natureza da apresentação de Owen. Muitos tratamentos da questão da extensão da expiação se contentam apenas em listar versículos ou utilizar o suporte deles depois de um exame superficial. Um conceito tal como “mundo” em João, tão profundamente enraizado na teologia daquele livro, não terá seu pleno sentido desvendado a partir de um breve ou isolado exame de um ou dois versículos. Ao invés disso, cada ocorrência deve ser interpretada contra o contexto de seu papel em todo o livro.

Em segundo lugar, como Owen está advogando uma posição exclusiva e absoluta, na qual ele nega que a morte de Jesus tem alguma referência para os não-eleitos, que não é, em nenhum sentido, “por” eles e que não é, em nenhum sentido, uma expressão do amor de Deus por eles [4], basta apenas uma exceção para tornar questionável sua posição e justificar uma reavaliação crítica de seu argumento para essa posição a fim de descobrir porque ele distorceu o sentido da Escritura. [5] Mas essa exceção necessitará ser certa, isto é, no caso nós necessitaremos ter certeza de que não é possível que mundo tenha o sentido dado por Owen para João 3:16 e I João 2:2.

Assim, duas questões críticas se apresentam em relação a posição de Owen. Em primeiro lugar, se pode-se falar ou não de Deus como amando, em algum sentido, qualquer um além dos eleitos, no envio de Jesus para salvar. Em segundo lugar, se pode-se falar corretamente da morte de Cristo como sendo “pelos”, em algum sentido, não-eleitos.



Introdução de Owen para Exegese


Owen inicia seu tratamento das três classes de escrituras que são "as únicas fontes de onde são retirados (mas com violência) todos os argumentos que se opõem à peculiar redenção eficaz somente dos eleitos", afirmando dez "Princípios Fundamentais" que são o fundamento das "gerais e indefinidas afirmações" que são encontradas na Escritura, e que, assim, guiam sua interpretação. [6]

Enquanto todos são de interesse e têm sido observados no capítulo dois, é o quinto desses que se relaciona diretamente com o tratamento de Owen de “mundo” em João. Aqui Owen insiste que esse termos gerais tais como "todos” e “mundo”, que aparecem frequentemente nas Escrituras como termos indefinidos, devem ser considerados em seu contexto para extrair sua "extensão, natureza e significado". Nesta seção, ele estabelece os princípios gerais de interpretação e oferece uma introdução geral ao sentido de “mundo” e “todos”, reconhecendo a importância dessas expressões para seus oponentes. [7]

Para ajudar a demonstrar a polissemia do “mundo” e assim demonstrar a dependência do contexto para esse sentido, o qual impede um intérprete de ler uma passagem em um sentido universal pela mera presença da palavra “mundo”, Owen apresenta uma tabela de seu uso nas Escrituras (“os vários sentidos dele”), dando exemplos de cada uso em seu texto. Sua tabela pode ser descrita como a seguir:


Sentido de “Mundo” em Owen 10:304-305


[Todas as passagens joaninas listadas por Owen são incluídas, mas não todas as passagens bíblicas que ele citou]


1. Para o mundo criado

a) “a completa criação do céu e da terra” - Atos 17:24, Efésios 1:4
b)      ( i ) céus distinguidos da terra – Salmo 110:2
         ( ii ) terra (habitável) distinguida do céu – João 1:9, 3:17,19, 6:14, 17:11.

2. “Para conteúdo do mundo, especialmente os homens no mundo”

a) “universalmente, para todo e qualquer” - Romanos 3:6, 19, 5:12
b) “indefinidamente para homens, sem restrição ou ampliação” - João 7:4
c) “exegeticamente, para muitos” [o mais usual sentido de mundo] – João 4:42. 12:19, 16:8, 17:21
d) “comparativamente, para a maior parte do mundo” - Romanos 1:8
e) “restritivamente, para os habitantes do Império Romano” - Lucas 2:1
f)  para homens “distinguidos em suas várias qualificações”

          ( i ) “Para o bom, povo de Deus, ou em designação ou possessão” - João 3:16, 6:33,51, 1 João 2:2

        ( ii ) “Para os homens maus, impios e rejeitados do mundo” - João 7:7,14, 14:17,22, 15:19. 17:25, I João 5:19

3. “Para o mundo corrompido, ou para aquela corrupção universal que está em todas as coisas nele” - I João 2:15-17

4. “Para um estado terreno mundano ou condição de homens ou coisas” - João 18:36, I João 4:5

5. “Para o mundo amaldiçoado, como estando sob o poder de Satanás” - João 7:7, 14:30, 16:11,33


Por meio desse procedimento, Owen proveu para si uma gama de opções para utilização dos textos disputados antes de oferecer qualquer suporte exegético detalhado para eles. Owen também quer ressaltar que não se pode argumentar que uma palavra deve necessariamente ter o mesmo sentido em duas ou mais ocorrências em uma sentença. Citando como exemplos os dois sentidos de "morte" em Mt 8:22, de ἴδιος em João 1:11, e "espírito" em João 3:6, ele especifica os sentidos do “mundo” em João 3:17.

Aqui ele sugere que a primeira ocorrência de "mundo" significa "aquela parte do mundo habitado em que nosso Salvador pregou", a segunda "todos os homens no mundo", e a terceira "os eleitos de Deus". Este uso do mundo deve designar "aqueles a quem Ele pretendia salvar, e ninguém mais, ou Ele falhou em Seu propósito" [9] - um claro exemplo da teologia determinando a exegese.

Ele também insiste que não se pode reivindicar como o significado de uma palavra ou expressão em algum lugar particular na Escritura um significado que é negado por seu uso em outros lugares, a menos que o contexto force isso.

Assim, como em outros lugares “mundo” não significa "uma universalidade de todas as pessoas" esse não pode ser o seu significado em João 3:16, I João 2:2 ou 2 Coríntios 5:19.[10] Na verdade, como “mundo”

“usualmente e quase sempre denota apenas alguns ou muitos homens no mundo ... eu não vejo nenhuma razão no mundo pelo qual [esses versículos] deveriam ser distorcidos para qualquer outro significado ou sentido nos lugares que estão em controvérsia”. [11]

Essa mesma qualificação também se aplica ao uso de todos, e Owen conclui essa seção com algumas observações gerais sobre o uso de todos por “todos de alguns tipos” ou “alguns de todos os tipos”, notando também que o uso desses termos gerais no AT é tomado no NT para referir ao seu cumprimento nos eleitos.

Tendo assim, dado os parâmetros para a interpretação dessas passagens que contêm termos gerais e indefinidos em relação a morte de Cristo, ele passa a lidar com passagens específicas, sendo a primeira João 3:16.


Owen Sobre João 3:16


A preocupação primária de Owen em sua exegese de João 3:16 é demonstrar que “mundo” não pode significar o que é reivindicado aqui por seus oponentes, isto é, “todo e cada homem”, “Adão, com todos e cada um da sua posteridade, de todas as eras, tempos e condições” [12], mas que, ao invés, deve ser tomado como significando “homens miseráveis, pecaminosos, perdidos, de todos os tipos, não somente judeus, mas também gentios, os quais ele amou peculiarmente”, “somente os eleitos de Deus, mas não considerados nesse lugar como tais”. [13]

Dessa maneira ele também busca remover qualquer apoio que eles possam retirar desse versículo, “que pelos nossos adversários é primeiro proposto, e sobre o qual eles se apoiam muito” para sua tese da redenção universal.

Em busca desse objetivo Owen destaca três áreas de diferença em sua interpretação desse versículo: o sentido do amor, o sentido do mundo, e a intenção de Deus expressa aqui. [14] A discussão de Owen do primeiro e do terceiro sentido são estabelecidos para dar suporte para sua interpretação de “mundo”, e assim é para o segundo que nós nos voltamos, com referência para os outros em relação ao caso de Owen para um restrito “sentido' para mundo. A posição de Owen é clara:

“Nossos adversários pensam que o mundo significa todo e cada homem; nós [pensamos que ele significa] os eleitos de Deus dispersos por todo mundo, com uma tácita oposição para a nação dos judeus”. [15]

Tudo que seus oponentes podem trazer para apoiar seu caso é “só o mundo em si”. Isto é, eles estão se fundamentando somente sobre o sentido da palavra “mundo”. Mas Owen já demonstrou a polissemia, “seus ambíguos e espantosos vários sentidos”, no uso da Escritura de “mundo”, fazendo seus sentido aqui completamente dependente de fatores contextuais e esses, tanto a consideração do amor falado no inicio do versículo e o propósito de Deus descrito no fim do versículo, falam decisivamente contra a compreensão do mundo aqui como toda e cada pessoa. [16].

Owen, então, elabora sua própria compreensão de “mundo” para demonstrar que é requerido de seus oponentes que “mundo” aqui “não significa os eleitos” e ao fazer isso clarifica o que ele pretende por “o mundo significa os eleitos”. Ele não está dizendo que “pelo mundo são intentados os eleitos como tais”:

“Porque embora nós concebamos as pessoas aqui designadas diretamente como homens em e do mundo, serem todos e somente os eleitos de Deus, ainda assim não dizemos que eles são aqui assim considerados, mas, ao invés, sobre outro conceito, como homens dispersos sobre todo o mundo, em si mesmos sujeitos a miséria e ao pecado. Assim quem quer que se oponha a nossa exposição desse lugar deve ou, primeiro, provar que por “mundo” aqui deve ser compreendido, necessariamente, todo e cada homem no mundo; ou, em segundo lugar, que isso não pode ser tomado indefinidamente para os homens no mundo que materialmente são os eleitos, mas não considerados sobre essa formalidade”. [17]

Por empregar a distinção entre algo considerado formalmente e materialmente, Owen está fazendo a distinção entre o que nós nos acostumamos a chamar de sentido e referência do “mundo”. [18] Assim, o sentido de mundo para Owen é “homens no mundo”, homens considerados, como ele fez claro acima, como pecadores e em necessidade. Mas a referência é aos eleitos. [19] Devido a isso Owen insiste

“Nós negamos que por fornecer [o sentido] de mundo eleito no texto qualquer absurdo ou inverdade logo se seguirá” Assim “o sentido é, “Deus amou os eleitos por todo o mundo de tal maneira, que deu Seu Filho com essa intenção, que por Ele os crentes possam ser salvos” [20]

Owen, então, põe adiante cinco argumentos para apoiar sua interpretação de mundo aqui. A primeira razão é

“da natureza desse amor que é aqui dito ter o mundo como seu objeto, o qual não pode ser estendido para todo e cada um do mundo” [21]

Owen nas páginas anteriores [10:321-5] argumentou que o amor a que se refere João 3:16 pode somente ser compreendido como o amor de Deus pelos eleitos. Tendo rejeitado a visão de que o amor aqui não pode ser qualquer “afeição natural” para todos, uma vez que isso implicaria fraqueza e imperfeição em Deus já que seu desejo de fazer o bem para todos nunca seria realizado e “cada ato de misericórdia” nas Escrituras “procedem da livre distintiva vontade de Deus” Owen apresenta sua compreensão de amor. Esse amor deve ser compreendido como

“o mais eminente e transcendente amor que Deus já demonstrou ou revelou para com qualquer miserável criatura”

Owen assinala várias características do versículo que dão apoio para isso (ex, a ênfase do “de tal maneira”), mas é especialmente influenciado pela sua compreensão de amor como

“uma intensa afeição sincera, consistindo em um eterno e imutável ato e propósito de sua vontade, para a concessão do principal bem” [22] que é a salvação.

Porque esse é um amor tão exaltado, ele não pode ser comum a todos, porque um amor que salva é maior do que um amor que não salva. Em segundo lugar, esse amor (isto é, o amor que envia o Filho para salvar) é considerado, em outros lugares nas Escrituras, como o “principal ato de amor de Deus”. Em terceiro lugar, como todo amor é querer bem aquele que é amado, somente aqueles os quais Ele intentou o bem podem ser falados como sendo amados. Mas no caso de Deus, os únicos os quais Ele deseja o bem são aqueles que desfrutam o bem, e assim, nesse versículo, somente aqueles que desfrutam da vida eterna (a boa intenção objetivada no amor) podem ser falados como sendo amados. Em quarto lugar, Owen diz que esse mesmo amor é falado em outros lugares como a causa de Deus conceder sobre os eleitos todas as coisas boas, e, portanto, somente os eleitos podem ser compreendidos como amados com esse amor, e finalmente se isso não for compreendido como sendo os eleitos, então nós teríamos que compreender Deus amando aqueles que ele odeia.

Assim, a compreensão de Owen sobre o amor aqui é um fator radicalmente limitante. “Mundo” não pode significar toda e cada pessoa porque nem todos são amados. Somente os eleitos são os destinatários do amor salvífico e assim “mundo” só pode se referir aos eleitos. A circularidade no raciocínio de Owen é aparente nesse ponto. O objetivo do exame do versículo é aprender das Escrituras aqueles a quem a Escritura fala como sendo objetos do amor de Deus, e, dessa maneira, aprender de Deus algo sobre a natureza desse amor. Owen, com uma compreensão predeterminada do amor que lê no versículo, encontra no versículo apoio para sua compreensão de quem Deus pode dizer que ama. Ele lê sua conclusão nas suas razões para a conclusão e antecipa qualquer alternativa.

O segundo argumento de Owen para compreender o “mundo” como se referindo aos eleitos é similarmente insatisfatório. O terceiro uso de “mundo” em 3:17 “deve necessariamente significar os eleitos e incrédulos”, uma vez que essa é uma declaração da intenção de Deus em enviar Seu Filho. Como a intenção de Deus nunca falha, aqueles de quem se fala haver a intenção para salvar devem também ser aqueles que são salvos, os eleitos. Como os versículos 16 e 17 estão em continuidade esse também deve ser o sentido de “mundo” no versículo 16. Owen novamente usa suas conclusões em relação ao ponto contestado (se Deus pode ser falado como tendo um propósito salvífico em relação a humanidade de uma forma geral) para provar suas conclusões.

O terceiro argumento de Owen é a observação de que as Escrituras frequentemente designam o povo escolhido de Deus por expressões gerais, exemplificando João 4:42, 6:33 e 6:51, entre outros, como exemplos disso. Essa prática é para permitir a eles que sejam distinguidos dos judeus, para rejeitar o orgulho dos judeus, para demonstrar a grandeza do Novo Pacto comparado com a velha administração, e para demonstrar a condição dos eleitos como eles são em si mesmos. Novamente ele assume seu ponto, a saber, que Cristo só pode ser falado como Salvador daqueles que são salvos. Seus dois argumentos finais são argumentos contra o sentido universal e não em favor dos eleitos como sendo a referência de “mundo” nesse lugar. Eles envolvem a observação de que o evangelho não é pregado para todos e uma consideração de consequências sistemáticas de conceder o sentido universal. [23]

Os argumentos de Owen para o sentido de “mundo” nesse versículo são altamente dependentes do sistemático argumento dos livros precedentes. Eles não são linguísticos ou exegéticos, mas argumentos teológicos a priori, os quais são somados para dizer que se nós concordarmos com seu caso até agora, isto é, se nós concordarmos que somente os eleitos podem ser falados como sendo amados e Deus só pode ser falado como tendo um propósito salvífico para aqueles indivíduos que são realmente salvos, então nós devemos concordar que “mundo”, embora signifique todo tipo de pessoas consideradas como pecadoras, distribuídas por todo o mundo, se refere somente aos eleitos. Mas isso é assumir a questão que está em discussão, ou seja, qual é o sentido de “mundo” e se Deus pode ser falado como amando e como enviando Jesus para salvar qualquer outro além dos eleitos.

O propósito do exame de João 3:16 é ver se toda a Escritura fala como Owen tem feito, e suas conclusões sobre o ensino das Escrituras sobre a expiação não podem ser assumidas como parte do argumento e as interpretações baseadas sobre essas conclusões não podem ser aceitas, num primeiro momento, como convincentes.

Assim a questão que permanece é determinar a partir do exame do uso de João do termo kosmos se sua referencia ou não aos eleitos é possível e provável nesse primeiro caso em particular, ou se há uma mais adequada compreensão do versículo no contexto. Nós também devemos considerar se qualquer distorção ou perda de sentido ocorre pela substituição de “eleitos” por “mundo”, porque essa observação sugeriria que nesse caso Owen não compreendeu o ensino do todo da Escritura.


Uma Consideração do Uso de Kosmos no Evangelho de João


O termo “uso” é empregado deliberadamente no título. A pesquisa a seguir não é uma tentativa de estabelecer os “sentidos léxicos” de kosmos em João, mas se aproximar do “uso no discurso” ou “sentido contextual” por meio de uma consideração do que pode ser chamado de um sentido idioleto, uma consideração das características do repetido uso do termo por João. [24] Esses sentidos não estão desconectados, e juntos eles tem influência sobre a questão da “referência” pois “sentido” pode ser visto como

“um conceito linguisticamente conectado com uma palavra ou expressão e pela qual provê suas condições de referência ou a contribuição que isso faz para as condições de verdade...da sentença na qual ela pode ocorre” [25].

Isto é, “sentido” estabelece os parâmetros dentro dos quais a referência significamente toma lugar. Nós também precisamos ter em mente a observação de Silva de que:

“certos termos bíblicos denotam entidades teológicas. Infelizmente, nós normalmente nos referimos a essas entidades como conceitos, o que soa como se nós estivéssemos discutindo o ápice do triangulo de Ogden-Richard [isto é, o conteúdo mental, o sentido]. Em minha análise, os termos técnicos e semi-técnicos se referem para ou dão suporte para definir conceitos ou ideias; ex, νóμος , “um corpo de mandamentos”, αμαρτíα, “uma violação desses mandamentos”. Em outras palavras, esses conceitos são verdadeiras referências. [26]

Embora não queiramos assumir falsamente “que uma palavra sempre ou quase sempre tem um certo sentido técnico”, nós devemos questionar se o uso de Kosmos por João chega a detonar tal entidade teológica, o que também tem uma significante influência sobre a questão da referência. [27]

Na tentativa de determinar o sentido de João 3:16, a seguinte pesquisa considerará a totalidade do uso de Kosmos por João no Evangelho e assim também lançará luz sobre outras passagens no evangelho a que Owen se refere, e sobre a relação de Jesus e sua obra com o kosmos, a relação da dádiva do Espírito ao “mundo”, a relação entre “o mundo” e o rebanho de Jesus, e se há alguma mudança nessa relação conforme o evangelho progride. [28] Essas questões são de considerável importância para uma construtiva compreensão da relação tanto dos salvos quanto dos não-salvos com o propósito de Deus em enviar Seu Filho, que será considerado no capítulo final.


Kosmos no Evangelho de João: Uma Visão Geral


Kosmos aparece 78 vezes no evangelho de João [e 23 vezes em 1 João que será considerado mais abaixo], 4 vezes no prólogo, 29 vezes no Livro dos Sinais, 44 vezes no Livro da Glória, e uma vez no epílogo [capítulo 21].

No levantamento dessas evidências eu seguirei o procedimento de Cassem [29], examinando as ocorrências em suas relações gramaticais, embora não endossando sua distribuição das referências em “positivas” e “negativas”, [uma vez que isso] falha em distinguir a atividade de Deus para com o mundo (o que fala do caráter de Deus) do caráter do mundo.

O procedimento de Cassem é preferido porque, em relação as evidências de João, é mais indutivo, fundamentando o significado no contexto, ao invés daquele obtido pelos dicionários (ex., TDNT, DNTT, BAGD [30]). Embora suas conclusões, no caso do DNTT, se aproximem da nossa [31], os dicionários parecem começar de uma gama de sentidos possíveis (basicamente três: (i) kosmos = mundo no sentido de universo, soma de todo os seres criados; (ii) kosmos = mundo como a morada dos homens, o palco da história, o mundo habitado ou terra e (iii) kosmos = humanidade, criação caída, palco da salvação na história) e então buscam distribuir as ocorrências de kosmos entre esses sentidos. Além do mais, o estilo de pesquisa de Cassem pode apresentar o inter-relacionamento de “mundo” com muitos outros temas joaninos.


Kosmos Como Sujeito


O mundo é sujeito 17 vezes – 2 vezes de verbos passivos (1:10 εγενετο, 3:17 σωθη) e 15 vezes de verbos ativos (1:10, 7:7, 12:19, 14: 11, 19, 27, 31; 15:18, 19 {2x};16:20; 17:14, 21, 23, 25). Além disso é duas vezes um acusativo de referência geral em construções Acc e Inf. (17:5, 21:25).

Onde kosmos é o sujeito de verbos ativos nós o vemos engajado em um número atividades relacionais, especialmente em relação a Jesus, o Logos encarnado. Ele [o kosmos] falha em conhecê-Lo (1:10, 17:25),

“O Verbo [Logos] estava no mundo, ..., mas o mundo não o conheceu”. (1:10)*
“Pai justo, o mundo não te conheceu” (17:25)*

e odeia a Jesus e aqueles que são Dele, embora ame os que são seus, [isto é, do mundo] (7:7, 15:18, 19,17:14).

“...o mundo...a mim me odeia, ...” (7:7) *
 “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia”. (15:18,19)*
 “Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou”. (17:14)*

E também, em contraste com os discípulos, o mundo não pode receber o Paracleto [o Consolador], não vê a ressurreição de Jesus (14:17, 19).

“O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós....Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis”. *

Na verdade, ele se alegra na cruel morte de Jesus, pensando que é Seu fim (16:20).

“Em verdade, em verdade eu vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará”.*

A atividade da Palavra encarnada (por meio de Quem o mundo foi feito 1:10) e seus seguidores é intentada para reverter isso. O Filho é enviado para o mundo para que ele seja salvo por meio Dele (passivo 3:17),

“Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, ...para que o mundo fosse salvo por ele”. *

Ele é obediente ao Pai para que o mundo possa saber que ele ama o Pai (14:31),

“Assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou”. *

e Ele ora pelos discípulos para que pelo testemunho de sua unidade o mundo possa vir a crer e saber que o Pai o enviou (17:21, 23).

“Não rogo somente por estes [pelos crentes], mas também por aqueles que vierem a crer em mim... a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”.*

Todas essas declarações reforçam o presente estado do mundo como não conhecendo e não crendo.

Soma-se a isso que a paz que Jesus dá é contrastada com a paz que o mundo dá (14:27),

“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo”.*

e o mundo todo é incapaz de conter os possíveis testemunhos que poderiam ser dados de Jesus (21:25).

“Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”.*

Uma vez (12:19) kosmos como sujeito é usado na boca dos oponentes de Jesus (todas as outras ocorrências nesta categoria são faladas ou por Jesus ou pelo evangelista) para descrever a reação da multidão a entrada de Jesus a Jerusalém -

“Eis que todo mundo vai após ele”.

Nós já temos visto pelas colocações verbais que tanto para Jesus quanto para o evangelista o “mundo” é pensado em termos humanos como a humanidade organizada em rebelião contra Deus e em necessidade de mudança.


Kosmos Como Objeto


Nós encontramos kosmos como objeto de um verbo sete vezes (3:16, 17, 12:47 {2x}, 16:8, 16:28, 16:33), e como objeto indireto três vezes (6:33, 7:4, 14:22). Onde o acusativo τον κοσμον é encontrado, Deus é o sujeito do verbo uma vez, o Filho cinco vezes, e o Espírito uma. Esses usos assim descrevem a atitude de Deus e a Sua atividade para o mundo. Deus é dito amar o mundo (3:16).

“Porque Deus amou o mundo...”

O Filho vem, não para julgar o mundo, mas para o salvar (3:17, 12:47),

“Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. (3:17)*

“...Eu não vim para julgar o mundo, e sim para salvá-lo”. (12:47)*

embora ele também tranquilize seus discípulos de que Ele venceu o mundo (16: 33).

“Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”.*

Ele deixará o mundo (16:28),

“...todavia, deixo o mundo e vou para o Pai”.*

e quando o Espírito vier, o Espírito convencerá o mundo (16: 8).

“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo”*


Como o Pão de Deus Jesus dá vida ao mundo (6: 33).

“Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo”.*

Duas vezes κοσμω usado na boca de outras pessoas que não Jesus ou o evangelista, em relação a φανερωσον (7:4) (nota do blog: manifesta) e εμφανιζειν (14:22) (manifesta)

Esses usos de mundo como objeto onde Deus é sujeito somados àqueles usos de “mundo” nas cláusulas ινα (blog “para”) que falam do propósito de Deus (3: 17, 14: 31, 17: 21,23) provarão ser importantes em determinar a atitude de Deus para com o mundo, e, além disso, definir o seu relacionamento. Observamos também que eles demonstram o mundo como necessitando de salvação, e, naturalmente, esperando julgamento, e, em breve, será confirmado na Corte como culpado pela obra do Espírito.


“Mundo” em Expressões Preposicionais


A expressão εις τον κοσμον aparece 14 vezes (1:9; 3:17, 19; 6:14, 8:26, 9:39, 10:36, 11:27, 12:46, 16:21, 28, 17:18 {duas vezes} e 18:33). Em oito desses o verbo é ἔρχομαι e em quatro é ἀποστέλλω. Em três dos últimos Deus é falado como enviando Jesus ao mundo (3:17, 10:36. 17:18 {a}), e no último Jesus envia os discípulos ao mundo (17:18b). Três vezes Jesus é falado como το φως o qual veio ao mundo (1:9 tomando ερχομενον como qualificando το φως e não ανθρωπον, 3:19, 12:46- cf 8:12, 9:5, 11:9).

Duas vezes Jesus faz conhecido o propósito de Sua vinda - εις κριμα (9:39) e ινα μαρτυρησω τη αληθεια (18:37). O primeiro desses é fortemente relacionado ao tema da luz (cf. 3:19) e a oposição associada de ver/cegueira. A luz revela a cegueira, a qual é uma incapacidade moral. “Verdade” também é associada com a constelação da luz – vista, sendo o oposto de, e expondo, a falsidade, a qual caracteriza o reino das trevas - a cegueira. Duas vezes Jesus é falado como por outros como aquele que viria ao mundo (6:14, 11:27), uma vez uma criança é falada como sendo nascida no mundo (16:21), e uma vez que Jesus diz que Ele fala o que Ele ouviu daquele que o enviou para o mundo (8, 26).

Finalmente, em 16: 28 há um contraste explícito do local de partida de Jesus com o seu destino - “Eu vim do (εξηλθον) Pai e vim (εληλυθα) para o mundo”. Então, assim como ressalta que a salvação para o mundo deve vir de fora dele, e a iniciativa de Deus na salvação, assim também a linguagem de εις τον κοσμον contribui para o que tem sido chamado de dualismo vertical de João, o contraste entre o mundo e a presença de Deus.

Outras expressões preposicionais também contribuem para esse contraste e desenvolvem algo do caráter do mundo. Εν τω κοσμω ocorre oito vezes em João. Tendo vindo ao mundo, Jesus estava ( ην duração) no mundo (1: 10) como a luz do mundo (9:5).

“O Verbo estava no mundo” (1:10)*

“Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”. (9:5)*

Quando ele se afastou do mundo seus discípulos permaneceram no mundo (13: 1; 17:11),

“...Sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”.(13:1)

“Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo...” (17:11)*

onde eles experimentariam sofrimento (16:33).

“No mundo tereis aflições” * (ARC)

O mundo é assim um lugar de trevas (em si) e sofrimento, um lugar de transição onde deve-se odiar a própria vida para preservá-la para a vida eterna (12:25).

“...Aquele que odeia a sua vida neste mundo preserva-la-á para a vida eterna”*.


Em 17:13 Jesus fala εν τω κοσμω por causa dos discípulos, que permanecem no mundo e são assegurados de proteção permanente pela oração do Senhor .

O caminho para a vida é ser escolhido para fora (εκ) deste mundo (15:19).

“Todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia”.*

Caso contrário aquele que permanece do (εκ) mundo, [está] mergulhado em hostilidade ao Senhor Jesus e à Seu povo. εκ του κοσμου ocorre 14 vezes em João.[32] Em dez dessas [ocorrências] a expressão é associada com o verbo "ser". Em três versículos (8: 23, 15:19 e 18:36) há um explícito contraste entre ser do (ou 'desse') mundo, e não ser desse mundo.

“E prosseguiu: Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou”. (8:23)*

“Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia”. (15:19)*

“Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui”. (18:36)*

Nem Jesus, nem os discípulos que Ele escolheu para fora do mundo, nem o seu reino, são do mundo. Ressalta-se que os discípulos, dados a Jesus por Deus εκ του κοσμου (17:6), agora compartilham o mesmo relacionamento que Jesus compartilhava (17:14, 16; καθως).

“...o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou”. (17:14)*

“Eles não são do mundo, como também eu não sou”. (17:16)*


No entanto, enquanto Jesus se afasta do mundo para o Pai (13:1) os discípulos permanecem Εν τω κοσμω, e Jesus não orou para que eles fossem retirados do mundo (17:15).

Esta última observação nos lembra que εκ του κοσμου é tanto um conceito espacial quanto relacional, e um, enquanto primariamente orientado para um contraste vertical,cf. 8: 23

“Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou”,

não é divorciado da linha horizontal da história da redenção (porque a partida de Jesus é um evento da história da salvação) e, portanto, não divorciado da escatologia da Bíblia. De fato, "ser no mundo mas não do mundo" é uma outra maneira de retratar a “tensão escatológica” da vida cristã, a vida daqueles que desfrutam as bênçãos da era vindoura enquanto ainda estão na presente era maligna.

No entanto, há uma mais "realizada" ênfase para esse contraste. Aqueles escolhidos para fora do mundo (mais uma vez ressaltando a incapacidade do mundo de se salvar, cf "o que é nascido da carne é carne” 3:6) participam agora da vida acima - eles caminham na luz, eles permanecem na verdade, eles, em algum sentido, já estão experimentando a presença do Pai (14:23).

“Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada”.*

Em suma, eles já passaram da morte para a vida, para a vida eterna, η αιωνιος ζωη. Aqueles no mundo continuam nas trevas, permanecem subservientes a mentira, e são servos do governante do mundo e compartilham o julgamento que o encontrou. Assim como η αιωνιος ζωη pode ser usado como o sumário de todas as bênçãos da fé em Cristo, o mundo e ser do mundo é o sumário oposto de tudo que isso significa para os homens que continuam em rebelião a Deus.

A utilização de kosmos em expressões preposicionais com εις , εν e εκ estabelece de forma abrangente o contraste vertical que permeia João e também estabelece o caráter do mundo como posto contra Deus (Jesus deve vir do Pai para o mundo) e, portanto, desprovido de luz, verdade e vida, odiando todos aqueles são como ele mesmo, incapaz de se salvar e precisando de um Salvador externo.

Há duas outras expressões preposicionais com o mundo προ, 17: 5 e 17:24 - o único uso anarthrous (N. do T.: anarthrous se refere a um nome usado sem um artigo) salientando a eternidade da relação entre o Pai e o Filho; e περι (17:9), onde Jesus não ora pelo mundo, será tratado mais tarde.


Construções Genitivas


Embora essas construções descrevam ou definam outro substantivo, elas ainda têm muito a nos dizer do mundo. Das nove ocorrências, duas parecem ser possessivas (1:29 e 6:51), e as outras sete podem muito bem ser descritas como genitivos objetivos, o objeto da idéia verbal no substantivo. O mundo tem pecados que precisam ser removidos (1:29) pelo Cordeiro de Deus

“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”*,

e Jesus dá a sua carne υπερ της του κοσμου ζωης (6:51 vide infra)

“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne”.*

O mundo tem aquele que o salva (4:42)

“...este é verdadeiramente o Salvador do mundo”*.

e o ilumina (8:12, 9:5),

“...Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas;...” (8:12)*

“Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”. (9:5)*

o Verbo encarnado, o Senhor Jesus Cristo. Mas Ele não é aquele que governa o mundo, pelo contrário, o mundo é governado por aquele que tem se colocado em oposição a Deus desde o início (8:44),

“Vós sois do diabo, ...Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade...”*

e cujo ódio assassino agora se concentra em Jesus (14:30).

“Já não falarei muito convosco, porque aí vem o príncipe do mundo; e ele nada tem em mim”*

Na crucificação - a glorificação do Filho - aquele que é julgado (16:11) e o mundo, leal a seu governante, amando mais as trevas do que a luz, a mentira ao invés da verdade, a morte ao invés da vida, compartilha desse juízo (12:31).

“...o príncipe deste mundo já está julgado”. (16:11)*

“Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso”. (12:31)*

Além disso Jesus fala em uma ilustração do Sol como a luz deste mundo(11:9).

“...Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo”*

Há um uso adicional dativo (18:20), onde Jesus afirma a Pilatos que "o mundo" tem sido a audiência de todos os seus ensinamentos, e que eles ouviram sua mensagem sem dissimulação ou hipocrisia.

“...Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto”.


ο κοσμος ουτος



Onze vezes kosmos está especificado adicionalmente como "esse" mundo (8:23 (bis) 9:39, 11:9, 12: 25, 12:31 {bis}, 13:1, 16: 11, 18, 36 {bis}). Isto reforça o sentido de contraste entre este mundo e outra esfera, outro mundo implícito - a região "acima" (8:23),

“...Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou”.*

onde o Pai está (13:1),

“...Sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai,...”

o lugar de governo de Jesus, e não do diabo (16:11, 18:36),

“...o príncipe deste mundo já está julgado”. (16:11)*

“...O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui”.

um lugar de vida, não de julgamento e morte (12:31, com 5:24).

“Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso”.(12:31)*

“...Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”. (5:24)*

Desta região vem o Senhor Jesus, a luz do mundo, incomensuravelmente maior do que a luz deste mundo (11:9), cuja vinda trouxe juízo neste mundo (9:39),

“Eu vim a este mundo para juízo”*

um juízo que necessita de uma inversão de lealdade - os homens não devem mais amar, mas sim odiar sua vida neste mundo (12:25).

“Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preserva-la-á para a vida eterna”.*

O uso de ουτος reforça, assim, o dualismo vertical, mas é notável que o autor sempre se abstém de chamar a outra esfera com a qual este mundo é contrastado de "mundo". Não há nenhum "novo mundo" correspondente à “era por vir”. Essa assimetria sugere que “mundo” é tão associado com a humanidade em rebelião que é insustentável descrever essa região sem rebelião.

Além disso, já foi sugerido que o conteúdo escatológico do “mundo” e seus opostos é muito “realizado” e, assim, um “novo mundo” substituiria esse conteúdo ou em um sentido platônico (dois "mundos" em paralelo, um ideal) ou, se isso fosse mantido na estrutura bíblica, em um sentido completamente horizontal, a nova criação. João reservou outra linguagem para esse aspecto horizontal (por exemplo, a linguagem da ressurreição em João 5:28-29, 11:23-26, e o juízo 12:48, cf 21:22) e tal substituição atenuaria o contraste que João está fazendo agora com a linguagem do “mundo”. Essa atenuação desse contraste realizado, sugere-se, diminuiria a percepção da seriedade da posição atual do mundo e da necessidade urgente de sair agora do mundo em resposta à Palavra de Jesus.


Outros Termos.


[...]


Sumário Preliminar


Parece haver um consenso geral entre os comentaristas que, nas palavras de Bultmann, “o Kosmos
significa principalmente o mundo do homem” [34]. Barrett concorda:

"Em geral kosmos não é a totalidade da criação, mas o mundo dos homens e dos assuntos humanos", ou seja,"o mundo organizado e responsável". [35]

Parece haver uma diferença de opinião quanto a se todas as referências tem esse sentido, Morris, por exemplo, se pergunta se não significa o “universo em geral” em 3:17 e 8:12 , e também se todas as referências fazem parte de um caráter primariamente negativo. Esse sentido de mundo em João é descrito por Carson como "a ordem criada [especialmente de seres humanos e assuntos humanos] em rebelição contra seu criador.

Nesse estágio de nossa pesquisa, a evidência favorece Carson, com nenhuma referência ao mundo em João sendo livre da coloração da humanidade e de sua rebelião. Ou seja, é útil pensar sobre a maioria dessas referências para kosmos em João como significando uma entidade, [isto é], a humanidade organizada em sua rebelião a seu criador, e essa utilização predominante dá uma “cor”, um sombreamento, para kosmos em todas as suas utilizações.

Essa humanidade é retratada tanto como ocupando um espaço quanto se engajando em relacionamentos, sendo em ambos os casos colorida por essa orientação fundamental. Essa compreensão faz justiça ao mundo como sujeito, o qual é apresentado em categorias relacionais amando, odiando, compreendendo, se alegrando e crendo. Faz justiça ao mundo como objeto que pode ser salvo, julgado, convencido, vencido e amado - mais uma vez todas categorias de relacionamento pessoal. Além disso, o mundo pecou, o que uma "criação" personificada não pode, e por isso não é apenas uma categoria relacional, mas também uma categoria de responsabilidade moral.

Esse foco sobre o mundo como humanidade pecadora é consistente com o uso proposicional "espacial". Ser "do mundo" e escolhidos “para fora do mundo” são metáforas relacionais, a última referindo-se a uma mudança radical em relação a Deus e os outros. Vir para “dentro” do mundo não é apenas entrar no universo criado, mas é a encarnação entrando na sociedade humana pecaminosa.

A utilização de termos espaciais para realidades relacionais é mais ilustrada pelos discípulos que já estão “no mundo”, mas também podem ser enviados “εις τον κοσμον” (17:18), porque não estão mais εκ του κοσμου. .

“Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. (17:18)*

É o fato de que a sociedade humana é corporificada, concreta, ocupando um tridimensional contexto no qual e através do qual expressa relacionamentos que constituem a base para este uso espacial.Assim kosmos em João, caracteristicamente, significa a humanidade em rebelião. Mesmo que esse sentido esteja “ao fundo” em alguns casos específicos, a serem considerados a seguir, é muito freqüente que essas cores sejam usadas para as relações que se dão no “espaço”, a esfera do mundo, seu caráter. Outra maneira de dizer isto é que mesmo quando achamos que a denotação de kosmos deve ser o universo físico ou a morada dos homens, a conotação da humanidade rebelde é difícil de escapar em João, especialmente quando o evangelho é lido e re-lido e, assim, o uso do restante do livro vem fazer parte do conjunto de pré-suposição do leitor.

Com essa compreensão, o uso de kosmos em João poderia ser retratado por analogia com o espectro de tons produzidos pela mistura de duas cores, por exemplo, vermelho e branco, em variadas proporções (por conotação em uma obra em particular pode ser proveitoso conceber como sendo preocupado com a “coloração” literária de um termo. A intensidade da presença da idéia de rebelião pode variar, mas é duvidoso que qualquer uso esteja livre de sua coloração. [37]


Testando Essa Formulação:


(i) Os Quatro Primeiros Capítulos


Este entendimento mostra-se útil nos primeiros capítulos de João, onde o sentido de kosmos está sendo estabelecido para o leitor. Assim 1: 9 se refere a encarnação de Jesus,

“a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem”*.


1: l0 se refere ao seu ministério encarnado entre os homens,

“O Verbo estava no mundo...”*

1: l0b alude a sua expectativa de direito entre os homens, como seu criador,

“...o mundo foi feito por intermédio dele”*

e 1:10c alude a falha deles, em forma de sumário, em reconhecê-lo e honrá-lo. [38]

“...mas o mundo não o conheceu”.*


Essa falha é aumentada e exemplificada pela Sua rejeição pelos que são seus (v. 11) já na distinção entre τα ιδια e κοσμος , sugerindo que κοσμος é o termo mais inclusivo.

“Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”.*


Kosmos em 1:10b é para ser compreendido não como o equivalente para παντα (1:3), mas como um distinto racional (εγνω) subconjunto.

Além disso, isso é consistente com το φως (a luz) sempre sendo relacionada a homens (1: 4-5, 9),

“A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela”. (1:4-5)*

“...a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem”. (1:9)*

de quem um homem testifica a outros homens (1: 6-8).

“Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz”*

Assim. no prólogo, compreender kosmos como significando principalmente a humanidade, criada, organizada na criação, e rebelde, faz muito sentido no contexto. Isso é reforçado em 1:29 onde os pecados do mundo precisam ser lidados pelo Cordeiro.

“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” *

Como indicado anteriormente, é a humanidade que peca, uma categoria moral não aplicável a qualquer criatura sub-humana, e como as Escrituras relacionam a obra expiatória de Cristo somente com os seres humanos (e não com espíritos ou anjos), kosmos se refere somente a humanidade.

Em 3: 16-17, vemos o mundo sendo falado como amado, condenado ou salvo.

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”.*

Quando vemos os dois últimos resultados mediados pela fé ou pela incredulidade (v. 18)

“Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”.*

e relacionados à aberração moral da humanidade (amando as trevas, fazendo o mal), somos confirmados em nossa compreensão do mundo como a humanidade precisando ser salva, isto é, a humanidade em rebelião. [39] 3:19 também é consistente com essa compreensão - a luz é visível, não pela geral relação com a criação, mas pela encarnação na sociedade humana.

“O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más”.*

Finalmente (neste breve estudo), em 4: 42 Jesus é declarado “Salvador do mundo”, porque Ele é o salvador do povo, neste caso, o Salvador de todos os tipos de pessoas, não apenas judeus, mas também samaritanos.

Claro que a expectativa do Profeta (Deut. 18: 15-18)

“O Senhor, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás, segundo tudo o que pediste ao Senhor, teu Deus, em Horebe, quando reunido o povo: Não ouvirei mais a voz do Senhor, meu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra. Então, o Senhor me disse: Falaram bem aquilo que disseram. Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar”*.

também envolveu um reordenamento da sociedade e do ambiente humano, mas o foco está na humanidade, e o ambiente apenas na medida em que ele é o contexto humano, isto é, o foco sobre a humanidade não é reducionista, mas reflete a perspectiva de Gênesis capítulos 1-2: o homem é a chave para a ordenação do universo, e a perspectiva da Bíblia de Gênesis 3 avança para endossar isso em que a redenção do homem é vista como sendo a chave para a recriação do universo.


(ii)As Referências Neutras


É sugerido que não há um uso "neutro", que cada referência opera no contexto contra o repetido uso de João e nenhuma referência pode ser completamente isolada de um evangelho tal como o de João com o seu cuidadoso uso de termos chave e o qual é projetado para releitura. Como tal, nenhum uso é livre de associação com a humanidade caída, uma associação cujo impacto tem sido retratado, por analogia com o espectro de cores, como variando em intensidade. [40]

Cassem lista doze possíveis referências neutras (1:10 (bis), 7: 4, 9, 5, 11:9, 12: 19, 14:19, 14: 31, 16: 21, 17: 5, 24, 18:20, 21:25), e elas formam um “controle” contra o qual pode-se testar a hipótese. [4l]

a) 1: 10 foi tratado acima.

b) 7: 4, novamente, é uma clara referência para a humanidade em geral, que Jesus compreende como o mundo que o odeia, e de uma parte de seus irmãos incrédulos (7:5, 7). A sugestão de que kosmos é juiz equânime vem apenas do [próprio] mundo.

“Porque ninguém há que procure ser conhecido em público e, contudo, realize os seus feitos em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele. Disse-lhes, pois, Jesus: ….Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más”. (7:4,5,7)*

c) Em relação a 9:5, nenhuma referência a Jesus como a luz do mundo pode ser divorciada do pensamento da escuridão do mundo sem Jesus.

“Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”.*

d) Em 11: 9 Jesus se refere ao Sol como a "luz desse mundo". Enquanto que o uso global da imagem é ilustrativo da necessidade de luz para se estar a salvo, a confiante condução de si mesmo, a especificação do mundo por τουτου indica, por uma comparação implícita, não apenas o mundo criado, mas o transitório e frágil mundo.

e) Como em 7: 4, [o que é dito em] 12:19 não sai da boca de Jesus nem é um comentário editorial
de João. Pelo contrário, são os fariseus falando da multidão indo atrás de Jesus, em resposta à Sua ressurreição de Lázaro. Embora nos lábios dos fariseus isso possa ser apenas uma expressão da popularidade de Jesus e uma maneira não intencional de antecipar o interesse dos gregos (12: 20), o fato de que a lealdade do mundo é fugaz não pode ser desprezado. O mundo é inconstante.

“De sorte que os fariseus disseram entre si: Vede que nada aproveitais! Eis aí vai o mundo após ele. Ora, entre os que subiram para adorar durante a festa, havia alguns gregos” (12:19-20)*


f) Os contextos de 14: 19 e 14:31, com uma consistente discriminação entre o mundo e os discípulos, e a menção do príncipe deste mundo em 14:30, negam qualquer sentido "neutro" aqui. Esses versículos se referem a humanidade incrédula e cativa pelo mal.

“Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis”. (14:19)*

“...Assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou”. (14:31)*


g) Em 16:21 a criança nasce na sociedade humana. Lembrar da natureza da sociedade nos mostra o quanto maior é a causa para a alegria dos discípulos.

“A mulher, quando está para dar à luz, tem tristeza, porque a sua hora é chegada; mas, depois de nascido o menino, já não se lembra da aflição, pelo prazer que tem de ter nascido ao mundo um homem. Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar”. (16:21-22)

h) Em 17: 5 e 17: 24 nós temos referências a um tempo antes que o kosmos era.

“E, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo.” (17:5)*

“Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo”. (17:24)*

Tendo em mente que na Escritura a criação é criada como a esfera da habitação do homem, é provável que não tenhamos um uso de kosmos aqui divorciado de sua associação com a humanidade, isto é, embora possa denotar a totalidade da criação, ela não escapa das conotações de desordem e necessidade. Na verdade, a utilização de kosmos aqui é novamente um lembrete da natureza dependente do kosmos e a tolice de sua rebelião, do pensamento de que isso poderia atrapalhar o relacionamento eterno do Pai e do Filho, isto é, fazer Deus deixar de ser Deus por sua rebelião.

i) Embora τω κοσμω em 18: 20

“...Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto”. (18:20)*


indique a natureza pública do ministério de Jesus, ele também fala sobre a audiência - a sociedade humana, de cuja natureza nós temos um lembrete no v. 36-37,

“Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui. Então, lhe disse Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. (18:36-37)*

e da qual ninguém virá à frente para testemunhar de Jesus (v. 21).

“Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que lhes falei; bem sabem eles o que eu disse”.*

j) Finalmente nós temos o tom de 21:25, e, embora o tom espacial predomine, o mundo dos livros é o mundo dos homens.

“Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos” *

Nenhuma das ocorrências de kosmos em João que se sugere que sejam neutras requerem uma modificação da visão de que kosmos deve sempre ser visto como o mundo dos homens, e homens compreendidos como rebeldes contra Deus. Na Verdade, esse entendimento reforça nossa leitura de 7:4, 9:5, 12:19, 14:19, 31 e 17: 5, 24. Embora a conotação de humanidade em rebelião possa estar no pano de fundo de 11:9, 16:21 e 21:25, não há um motivo convincente para divorciá-los inteiramente desses uso. Assim, parece tanto possível quanto útil considerar todos os usos de kosmos em João como sendo localizados junto a um eixo espaço-relacional, com alguns usos com um foco maior no espaço e outros na “relação”, onde a chave para o seu uso é ver esse espaço habitado por e essas relações como sendo aquele da humanidade criada em rebelião contra Deus. Devido a essa rebelião, kosmos, no contexto mais amplo de João, torna-se associado com as ideias de escuridão, falsidade, escravidão, transitoriedade e morte, expressando um caráter que é o oposto da "vida eterna" [42]


Um Retorno ao Sujeito e ao Objeto


Há três observações importantes a serem feitas nessas categorias. A primeira é a assimetria da relação do mundo com Deus e Deus com o mundo. Enquanto o mundo é descrito como odiando Jesus (e seus seguidores) e, assim, seu Pai (15:23 – 24), Deus nunca é descrito como odiando o mundo.

“Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim”. (15:18)*

“Quem me odeia odeia também a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, pecado não teriam; mas, agora, não somente têm eles visto, mas também odiado, tanto a mim como a meu Pai”. (15:23-24)*

Ao contrário, ele amou o mundo, e o propósito da missão do Filho não é a condenação do mundo, mas que ele possa ser salvo (3:16,17; 12:47).

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. (3:16-17)*

“Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não o julgo; porque eu não vim para julgar o mundo, e sim para salvá-lo”. (12:47)*

Deus busca realizar uma reversão da ignorância do mundo (pecaminosa falha em conhecer 1:10, 17:25), o qual foi o objetivo da morte e da oração de Jesus (14:31, 17:23).

“Contudo, assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou..” (14:31)*

“Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.”*

Uma reflexão sobre essa assimetria reforça as palavras de Jesus em 15:25 :

“Eles me odiaram sem causa".

Uma segunda observação é a assimetria do movimento. O mundo nunca é o sujeito do movimento. É sempre o destino ou o ponto de partida para outros, principalmente Jesus. Isso enfatiza que toda a iniciativa permanece com Deus. Só ele pode se mover em relação às Suas criaturas pecadoras.

Em terceiro lugar, cada cláusula ινα que fala do mundo diz respeito a um propósito positivo de Deus para com ele (3:17, 12:47, 14:31, 17:21,23).

“Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, …para que o mundo fosse salvo por ele”. (3:17)*

“...eu não vim para julgar o mundo, e sim para salvá-lo”. (12:47)

“..assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou....”. (14:31)*

“a fim de que todos sejam um...para que o mundo creia que tu me enviaste”. (17:21)*

“...para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim”.(17:23)*

A mesma coisa acontece tanto no livro da glória quanto no livro dos sinais (vide infra). No entanto, o mundo nunca é dito ser salvo, nem conhecer, embora seja dito como sendo convencido (16: 8), vencido (16:33), e julgado (12:31).

“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (16:8)*

“...Tende bom ânimo; eu venci o mundo”. (16:33)*

“Chegou o momento de ser julgado este mundo...” (12:31)*

Além disso, 9:39 fala de uma vinda εις κριμα , que encontra sua expressão em uma reversão da discriminação no mundo.

“Prosseguiu Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos”.*

Embora a negação de um propósito de julgar possa ser compreendida como uma negação de um propósito de condenar (isto é, o oposto de salvar), e o julgamento que ocorre no ministério de Jesus como o impacto inevitável da luz sobre aqueles que persistem na escuridão, essa observação com relação aos objetivos e resultados expressos levanta questões sobre a forma como ocorre a realização dos propósitos de Deus com relação ao mundo. Em certo sentido, a salvação do mundo é a salvação de pessoas de todos os tipos (3:16, 4:42), mas essa salvação é por chamá-los para fora do mundo, de forma que o caráter de rebelião está indelevelmente estampada na utilização de kosmos por João.

Finalmente, a partir desse levantamento, nós também vemos que kosmos está enredado na estrutura da teologia joanina. É o veículo para a representação da posição da humanidade de forma coletiva, enquanto persiste na incredulidade e na desobediência, em relação aos temas da luz, salvação e julgamento. É o contraponto comum aos discípulos na sua relação a Deus - Pai, Filho e Espírito, e também em relação ao príncipe deste mundo. Como tal, embora nos capítulos 1-12 ele tenha um sentido de "gentios - não apenas judeus", nos últimos capítulos os judeus tornam-se o arquétipo do mundo (15: 18- 20, 16: 2-3) na sua hostilidade para com o novo Israel.


“Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa”. (15:18-20)*

“Eles vos expulsarão das sinagogas; mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar culto a Deus. Isto farão porque não conhecem o Pai, nem a mim”. (16:2-3)

Mas, assim como é o destino do envio do Filho, ele também é o foco do trabalho em curso do Espírito e dos discípulos, na continuidade da obra terrena do agora glorificado Filho.

Tendo concluído um levantamento dos usos do mundo em João, as específicas questões suscitadas na introdução dessa pesquisa serão abordadas, tratando cada uma no contexto de um exame de uma passagem específica. As passagens que serão tratadas são: 3: 16-17, 6:51, 16: 8-11 e o capítulo 17.


João 3:16-17: Qual é o sentido de mundo em João 3:16?


Existe algum sentido no qual "mundo" é visto como uma construção composta (ou seja, composta de discerníveis partes constituintes)?

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”*.

Este versículo é o foco de nossa análise, e a tentação é fazer com que o versículo diga que Deus ama todos sem distinção igualmente ou que Deus ama apenas os eleitos.

Em primeiro lugar, devemos ver a singularidade dessa referência. Só aqui é dito que Deus ama o mundo. De forma mais característica, Ele é mencionado como amando o Filho e os discípulos (3: 35, 5: 20, 10:17, 15:19, 14:21, 16: 27, 17:23, 26). Jesus nunca é mencionado como amando o mundo - Ele ama o Pai (14:31) e seus discípulos (11:3, 5, 36; 13:1,34; 14:21; 15:9, 21).

Em segundo lugar, há aqui uma intencional ampliação de Seu amor por Israel, para quem o amor seria esperado. Na sequência da discussão com Nicodemos que se foca sobre o cumprimento da profecia de uma nova vida para Israel (Ez 36 e 37), revelada por Jesus acontecendo por meio da fé no Filho crucificado (3:14-15), João (ou Jesus) deixa claro (em linha com 1:12-13 e 1:29) que esta salvação se estende para todos, sem distinção de raça - para o mundo. Combinando isso com a compreensão de mundo em 1:9-10 e 1:29, o mundo que não conhece seu criador e o mundo que peca, nós vemos que aqui é afirmado que Deus ama a humanidade pecadora, criaturas em rebelião, sem distinção de espécie ou tipo.

'Mundo' funciona como uma categoria inclusiva porque denota uma qualidade de relacionamento com Deus (uma relação má!). Como é uma categoria inclusiva, nenhum pecador necessita ser ou pode ser considerado excluído do amor que deu, ou da necessidade de crer na encarnação ou na morte salvífica (sendo que ambas são englobadas no contexto, 3:13-15, 19, por εδωκεν) do Filho unigênito.

No entanto, nada faz com que seja necessário tomar mundo aqui quantitativamente, como especificando o número amado - o mundo todo é indefinido quanto ao número. De fato, é evidente que embora sua quantitativa “composição” mude constantemente no Evangelho, uma vez que Jesus tira os homens do (para fora) mundo, ele, sendo um conceito qualitativo, permanece inalterado.

No entanto, também não há motivos para reduzir o sentido de mundo para "eleitos", mesmo onde esses são considerados apenas como pecadores. Owen afirma, como vimos, que não estava fazendo isso, mas que certas características do contexto restringem “eleitos” como sendo a referência do mundo aqui. No entanto, ao afirmar que o termo 'eleitos' pode substituir “mundo” no texto sem "qualquer absurdo ou inverdade", seguindo Owen, é reivindicar algum tipo de relação sinônima entre o mundo e os eleitos. [43] Como a tabela de sentidos sugere, ele concebe uma relação hipônima entre o mundo e os eleitos aqui, isto é, o mundo inclui os eleitos como um subconjunto.

Nota do blog: hipônimo: diz-se de ou palavra que, em relação a outra com significado mais geral ou abrangente, tem um significado mais específico. Ex.:rosa e gladíolo são hipônimos de flor. (www.priberam.pt/dlpo/)

Mas isso não é possível em João onde os eleitos são definidos contra o mundo – os eleitos são aqueles dados a Jesus pelo Pai "do (para fora de) mundo" (17:6), isto é, "eleito" é um conceito em João que está em oposição ao “mundo”, definido como contra ele. [44]

A substituição de Owen faria com que 3:16 fosse lido como “Deus amou de tal maneira aqueles que Ele escolheu para fora do mundo”, o que alteraria o sentido do versículo de forma significativa, com o efeito de negar o que o versículo afirma, o amor pelo mundo. “Mundo” é uma descrição de um estado qualitativo de rebelião contra Deus, o qual não se refere a qualquer relação de alguém com o decreto de Deus, sendo este último manifestado em João por vir a Jesus, ouvir a Sua voz e crer Nele. Mas quando um indivíduo faz o que é mencionado acima, ele não é mais "do mundo".

Fazer com que “mundo” signifique “os eleitos”, mesmo para vê-lo como uma mistura de eleitos e réprobos (ou seja, em termos ou de eternidade ou de potencialidade) é cometer uma confusão de categoria na teologia joanina, e não sem efeitos, sendo não menos que a completa perda do sentido conotativo.

Como Carson nota, dizer que Deus ama apenas os eleitos e odeia o resto, que é a motivação para fazer “mundo” aqui igual a “eleitos” [45], destruiria o impulso evangelístico e o emotivo incentivo para crer baseado no amor de Deus pelo “mundo”, um amor que enviou o Filho de Deus em Sua missão salvífica e tira a desculpa do “mundo”. [46]

Quer pensemos que o propósito do livro é essencialmente evangelístico ou principalmente pastoral, buscando fortalecer a fé dos crentes e equipá-los a se relacionar adequadamente com o mundo, a equação “mundo” = “eleitos” distorce seriamente o impacto do propósito do autor, separando a própria participação na continuação da tarefa de Jesus de salvar o mundo na missão dos apóstolos de uma convicção de amor pelos perdidos, [que é] por si só, uma convicção fundamentada no amor de Deus por eles.

Como o emprego do sentido restringe a referência, e como a referência é dependente da intenção do autor, o que foi dito acima também sugere que a mais sutil afirmação de Owen de uma referência aos eleitos no uso de João de "mundo" em 3:16 é ilegítimo.

Tal referência negaria o uso predominante em João de kosmos como uma entidade teológica, que nos termos de Silva pode ser entendida como "o verdadeiro referente” [47]. Isto é, o que João pretende nos chamar a atenção para a sua utilização de kosmos é a própria idéia de humanidade organizada contra Deus, que encontra definição em seu uso repetido do termo, tanto antes quanto depois de 3:16, e que se contrapõe aos eleitos.

Em segundo lugar, manter essa referência aqui, novamente, frustraria a intenção declarada do autor. O evangelho é um convite para crer e apresenta as promessas de Jesus em termos inclusivos. [48] 'Mundo' é um termo no qual qualquer um pode se incluir se puderem reconhecer sua necessidade de um Salvador. “Eleitos”, por sua própria natureza, não pode funcionar desta maneira, e se fosse realmente a referência intencionada por João, seu uso mudaria o foco dos leitores de sua resposta às palavras de Jesus em crer ou não crer, para sua relação com o propósito oculto de Deus, que é opaco para eles.

Isso também tem o potencial de frustrar a instrução de Jesus aos seus seguidores. Ele lhes dá uma missão ao mundo que é a continuação da sua própria. Em face da hostilidade do mundo, o que poderia provocar amargura e retirada, eles precisavam de todo o incentivo para continuar isso por amor ao mundo.

Em suma, “mundo” em João 3:16 é melhor compreendido como a humanidade descrita qualitativamente, vista como uma homogênea e indiferenciada “massa”, caracterizada pela rebelião contra seu criador, em linha com o sentido já visto no cap. 1-4 [49].

Não há nenhuma evidência que possa ser estabelecido do texto que João pretendia uma referência aos “eleitos” por seu uso do termo kosmos aqui. Muito pelo contrário, tal substituição resulta em significativa perda semântica e na frustração da intenção do autor, conforme esta pode ser estabelecida de sua declarada intenção e de seu uso do termo em todo o evangelho. Todos os que reconhecem a si mesmos como “mundo” podem se beneficiar desse amor e abraçar o propósito de sua expressão, [isto é], vida por meio da fé no Filho. [50]


João 6:51. Qual é a relação da morte de Jesus com o mundo?


“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne”.*

Nós já vimos que a vinda e a morte de Jesus são o resultado prático do amor de Deus para o mundo. Em João 6:51 temos novamente o mundo colocado em relação a morte de Jesus. Ele é o pão vivo do céu, que dá vida eterna para os que participam Dele, e "o pão que eu darei η σαρξ μου εστιν ην εγω δωσω υπερ της του κοσμου ζωης” .

Tanto Carson quanto Barrett relacionam isso aos outros usos de υπερ em relação à morte de Jesus (10:11, 15; 11:50-52; 15:13; 17:19) e sugerem que υπερ aqui também indica que Jesus está falando de Sua morte como um sacrifício vicário para o mundo [51]. No entanto, a sintaxe aqui, e o uso geral de ζωή em João impede essa compreensão.

Em primeiro lugar, nós devemos observar uma significativa diferença entre esse versículo e aqueles citados. Em todos os outros υπερ governa um grupo de pessoas ( των προβατων, του λαου, του εθνους , των φιλων αυτου, αυτων). Aqui υπερ governa um conceito, της ζωης. E isso não pode ser entendido como uma vida que o mundo já possui, o que, talvez, permitiria um sentido substitutivo de υπερ, pois por todo o evangelho a vida é algo que o mundo carece e deve obter de Jesus. O que o mundo tem é a morte (5:24).

“Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”.*

Ele não tem vida à parte de Jesus (6:53).

“Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos”.*

Na única outra expressão conectando vida e o mundo (6:33), Jesus é mencionado como dando vida ao mundo, isto é, dando-lhe algo que ele não tem.

“Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo” (6:33).*

Curiosamente, em João 12:25,

“Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preserva-la-á para a vida eterna”*.

Jesus se abstém de sugerir que qualquer pessoa tenha vida ( ζωη) εν τω κοσμω τουτω – é η ψυχη que nós devemos odiar. Não é uma troca de um “vida” por outra “vida” como as traduções em inglês sugerem. Assim Jesus não pode ser entendido aqui como falando de sua carne “ao invés da vida do mundo”, fazendo υπερ se aproximar de αvτí, pois o mundo não tem vida.

Além disso, o contexto local fala contra esse sentido. O novo pensamento em 6:51 é a identificação do pão como a carne de Jesus em uma declaração de identidade. Tanto αρτος quanto σαρξ são definitivos, conforme Robertson

“Em uma palavra, então, quando o artigo ocorre com o sujeito e o predicado, ambos são definidos, tratados como idênticos, um e o mesmo, e intercambiáveis” [52].

O "pão"está especificado por uma relação descritiva quanto à sua origem (Jesus), e poderia muito bem ser entendido como "o pão que Eu darei (para alguém comer)”. δωσω é decididamente separado de υπερ pelo predicado, e assim δωσω provavelmente não deve ser entendido como dar na morte pela (propósito) vida do mundo. O sentido de υπερ aqui deveria ser tomado como semelhante ao seu sentido em João 11:4 "por causa de", no sentido de “aquilo que se quer atingir". [53]

Nessa luz devemos entender o sentido do genitivo του κοσμου como uma forma de possessivo "a vida do mundo", mas onde a posse é perspectiva – vida para o mundo. (Nós vemos isso em inglês - se eu disser "Não toque nisso, esse é o presente de Bill”, meu filho entenderá que esse é o presente que será de Bill, isto é, o presente para Bill). Assim, a cláusula geral poderia ser lida “o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo", ou, tomando-a como uma relação de identidade "minha carne é o pão que eu darei (para alguém comer/crer) para a vida do (para o) mundo".

Lido dessa forma o versículo não aponta para qualquer tipo de relação substitutiva entre a morte de Cristo e o mundo. Mas tomando "carne" como uma referência, à luz da discussão dos versículos 52-57, ao sacrifício da morte de Jesus, isso faz, no entanto, menção do objetivo dessa morte - trazer vida ao mundo. Isto é, Sua morte é torna-se a fonte de provisão de vida para o mundo. Isso está em conformidade com as declarações de 3:17 e 12:47; o propósito de sua vinda e de sua obra é a salvação, e não a condenação, vida e não morte, para o mundo.

Novamente, a discriminação aqui é que se atinge a vida no ponto da fé, da aplicação, tendo em vista a necessidade de comer. Em relação a esta discriminação, João 6 nos lembra que por trás das pessoas virem a crer está a mão soberana do Pai (6:37-39, 44-46).

“Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia”. (6:37-39)*

“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim. Não que alguém tenha visto o Pai, salvo aquele que vem de Deus; este o tem visto”. (6:44-46)*

Assim, nós vemos que a morte de Jesus está relacionada com o mundo como a única fonte de vida para ele, pois não há outra vida para o mundo do que a vida que Jesus dá. Contudo, não é relacionado a ele da mesma maneira como Sua morte é relacionada com suas ovelhas (10:11, 15)

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas...assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.”.*

e seus amigos (15:13) que são os específicos objetos pelos quais entrega Sua vida (τιθησι).

“Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos”.*

Ele não faz isso apenas para eles, mas em seu favor, sacrificialmente em seu lugar. Tal como acontece com o amor de Deus há uma diferença entre a relação da morte de Jesus com Seu rebanho e a relação da morte de Jesus com o mundo.


A Relação do Espírito com o Mundo – João 14-16.


Mais uma vez, a observação principal é a discriminação. Enquanto que os discípulos conhecem o Parácleto que permanecerá com eles e estará Neles, o mundo não pode recebê-Lo (14: 17).

“O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós”.*

Além disso, o Paracleto, desempenhando Suas funções jurídicas como aquele que toma a parte dos discípulos no tribunal contra seu adversário, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo em relação ao seu erro sobre Jesus. O que isso significa, como Ele faz isso, e qual será o resultado deste processo para o mundo?

É a própria vinda do Espírito enchendo de poder o testemunho dos apóstolos (15:26-27, 16:12-14), que demonstra o desastroso erro do mundo, pois essa vinda testemunha que Jesus é exaltado à direita do Pai (Atos 2:32-33)

“A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”.*

e é, na verdade, agora revelado como o Filho de Deus em poder (Rom 1:4).

“E foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor”*

Devido a isso, o mundo é exposto como em erro acerca do pecado – porque eles pensaram que era um pecado crer em Jesus (colocando as pessoas para fora da sinagoga), ao passo que Ele tem sido demonstrado por Deus como sendo o único em quem a fé deveria ter sido colocada; em erro acerca da justiça, pois o mundo pensara estar sendo justo em levar a cabo a blasfêmia, mas Deus tem vindicado a justiça de Jesus; e em erro acerca do juízo, pois eles pensaram que o juízo havia sido delegado a eles, mas o juízo, na realidade, foi delegado ao Filho, e em Sua fidelidade como Filho o príncipe deste mundo foi condenado, e nisso o mundo também foi julgado (12:31 - como foi observado antes Jesus não veio para julgar 3:17, 12:47, isto é, para condenar. Mas, por todo o evangelho, Sua vinda é discriminante, trazendo assim o julgamento, no sentido de expor o veredito de Deus sobre os homens que não creêm, dando a conhecer o fim deles se persistem na incredulidade).

Esta vinda do Espírito manifesta-se através de Sua vinda aos apóstolos. Assim, Sua obra em relação ao mundo não é uma obra separada daquela dos apóstolos. É uma só e mesma obra. Seguindo M. M. B. Turner, nós vemos isso ilustrado na pregação apóstolos no Pentecostes. [54] Tomando Atos 2 como a vinda para os discípulos do Espírito Santo como Paracleto(contra Beasley – Murray [55]), nós vemos a obra do Espírito nos apóstolos no seu poderoso testemunho ao ressuscitado, ascendido Jesus.

Através deste testemunho também vemos a obra do Espírito em relação ao mundo, e vemos que a obra do Espírito aqui é, como a do nosso Senhor, discriminante. Todos são convencidos, sendo essa convicção um fato objetivo (não primariamente uma experiência subjetiva), tão objetivo quanto o Espírito sendo derramado, e é uma obra do Espírito que está em curso nesta época, mas apenas alguns são salvos. Deus usa essa convicção objetiva, de cuja realidade eles testemunham por seu clamor (Atos 2:37), para transformar alguns, pela apreensão subjetiva, para a fé e para a vida. Assim o Espírito, embora não recebido pelo mundo, continua a realizar o ministério salvífico de nosso Senhor através dos discípulos no mundo. O veredito sobre o “mundo” é final, uma vez que é o veredito sobre a incredulidade, mas ainda assim alguns são chamados para fora do mundo.


Há alguma mudança na intenção de Deus em relação ao mundo? João 17.


Alguns sugerem que há uma mudança significativa no tratamento de “mundo” do livro dos sinais para o livro da glória (ex Cassem pg 89-92). Calvino sugere que há no capítulo 17 uma distinção absoluta entre os crentes e o mundo, o mundo significando os réprobo por todo esse capítulo [56]. Isso procede? O caráter do mundo muda em João? Será que a atitude de Deus para com o mundo muda através do evangelho? A resposta a esta pergunta dependerá de como se avalia a evidência de 17:18, 21 e 23.

Em primeiro lugar, deve-se notar que a oração de Jesus é precedida pela declaração confiante de 16:33. "Eu venci o mundo". Embora “o que isto significa não seja esclarecido” [57] parece não ser apenas a base para o "bom ânimo" dos discípulos diante do sofrimento, mas também para seu confiante engajamento na missão que Jesus concede a eles. À luz da vitória predita de Jesus (pois isso não é apenas uma referência a Sua fidelidade até este ponto: τετελεσται permanece no futuro, 19: 30) e demonstra em Sua glorificação que os discípulos não só sabem que o mundo está condenado e que não há um lugar final no “mundo”, mas também que o mundo não pode destruir o povo de Jesus, nem manter em seu poder aqueles que são Seus, dados pelo Pai. Essa vitória é uma premissa dos pedidos na oração.

Em segundo lugar, deve ser observado também que a oração é pública, ouvida e registrada para a instrução dos seguidores de Jesus, especialmente os apóstolos.

Em terceiro lugar, o significado do capítulo não deve ser negligenciado. Como diz Carson

“Em alguns aspectos, a oração é um resumo de todo o quarto evangelho até esse ponto. Seus principais temas incluem a obediência de Jesus ao Pai... a escolha dos discípulos para fora do mundo, sua missão ao mundo. . " [58]

Neste capítulo tanto a predestinação (ex, v. 2 e 6) quanto o “mundo” (mencionado 18 vezes - de longe a ocorrência mais freqüente dentre todos os capítulos) figuram proeminentemente.


V. 9. - O mundo é rejeitado?


“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”*

Jesus afirma que Ele pede por aqueles que crêem, que o Pai deu a Ele, e não pelo mundo. Isto reflete tanto a ênfase que nós temos visto na distinção da relação de Jesus com os Seus (por exemplo, em Seu amor, 13: l; Sua morte 10:11, 15; no dom do Espírito 14:17), quanto a distinção entre o Seu povo e o mundo.

O mundo são aqueles ainda são do mundo, que não crêem Nele. Como tal, seria impróprio para Jesus orar pelo mundo o tipo de oração que Ele ora por Seus discípulos. Como podem ser guardados em um nome que rejeitam (v. 11)?

“...Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós”.*

Como podem, aqueles que voluntariamente se submetem ao mal como seu governador, ser livrados do mal (v 15)?

“Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal”.*

Assim, [o fato de] Jesus não orar pelo mundo aqui não necessita indicar qualquer rejeição final do mundo ou uma mudança de atitude para com ele, embora o mundo, por definição, seja aquele
que persiste na rejeição a Cristo. Que não há mudança de atitude é confirmado pelos versículos 18-25.


V. 18. - A natureza da missão dos apóstolos.


“Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”.*

Assim como ser escolhido para fora do mundo, sendo dados a Jesus pelo Pai, constitui os discípulos na mesma relação com o mundo que seu Senhor (v 14 e 16),

“Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou”. (17:14)*

“Eles não são do mundo, como também eu não sou”. (17:16)*

assim também o envio de Jesus os constitui como tendo a mesma missão para o mundo que o Filho teve ao ser enviado ao mundo (3:17,10:36),

“Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. (3:17)*

“Então, daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis...”(10:36)*

uma missão na qual eles operam com a autoridade do Filho em perdão e juízo como eles são ensinados pelo Espírito (20:22-23)

“E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos”. *

que traz às suas memórias as palavras de Jesus. Neste contexto, é mais provável que o objetivo da missão deles seria o mesmo que o do Filho, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo (3:17). Vale ressaltar que eles são feitos aptos para isso pela morte do Filho, que tem um foco particular. Tanto Sua morte por Seu povo quanto Sua oração por Seu povo, ao invés de excluir o mundo, parece ter a missão ao mundo em vista.


V 21, 23. Para que o mundo possa crer/ conhecer.


“a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”. (17:21)*

“eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim”. (17:23)*

Calvino toma esses [versículos] como indicando um crer e conhecer que não era realmente um crer e conhecer, sendo isso "uma justa vingança de Deus" sobre os réprobos.

"Assim, crendo eles não creram, porque este sentimento não penetrou na intenção interior do coração” [59].

Comentadores modernos não aceitam isso, e veêm aqui uma continuação da missão de Jesus através de Seus seguidores, através da obra do Espírito neles, unindo-os a Cristo e uns aos outros no amor, uma missão que é a expressão do Seu propósito de salvar o mundo, e com relação à qual há uma expectativa de fecundidade – haverá aqueles que crerão por meio deles. [60]

Parece que o peso da evidência está com os comentaristas mais recentes pois

(i) "crer" ou "conhecer" οτι συ με απεστειλας se referem ao conteúdo de uma fé salvadora em João. Isto pode ser visto a partir

(a) da relação com a crença de que Jesus foi enviado pelo Pai para a salvação. João 5:24, 5:36 - as obras testificam que o Pai enviou Jesus – cf. 10:38 e 11:42;

“Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”. (5:24)*

“Mas eu tenho maior testemunho do que o de João; porque as obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou”.* (5:36)

“mas, se faço, e não me credes, crede nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai”. (10:38)*

“Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste”. (11:42)*

6:29 - a obra de Deus é crer Naquele a quem que Ele enviou,

“Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado”. *

12: 44 - crer em Jesus é crer Naquele que Ele enviou

“E Jesus clamou, dizendo: Quem crê em mim crê, não em mim, mas naquele que me enviou”.*

(b) da relação com o conhecimento de Jesus de que Ele foi enviado pelo Pai para a vida eterna. 6:69 (combinando crer e conhecer), 7: 17, 10:38, 14:7, 20, 31, e, especialmente, 17: 3.

“e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus”.(6:69)*

“mas, se faço, e não me credes, crede nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai”. (10:38)*

“Se vós me tivésseis conhecido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o conheceis e o tendes visto”. (14:7)*

“Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós”. (14:20)*

“...Assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou”. (14:31)

(c) o fato de que neste capítulo, as mesmas palavras são usadas sobre o conteúdo da fé e do conhecimento dos discípulos 17:8, 25.

“Porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste”. (17:8)*

“Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci, e também estes compreenderam que tu me enviaste”. (17:25)

(d) Reflexão sobre a comissão do mensageiro, onde conhecer que o Pai enviou Jesus é conhecer que suas palavras, suas obras e sua autoridade são de Deus. [61]

(ii) É em não crer, por exemplo 7:5, 8:45, 46, 10: 25, 26; 12:37, e em conhecer, por exemplo 1:10, 16:3, 17:25 que está o problema do mundo e esta oração busca a reversão da atitude e da perspectiva que é a expressão primordial da sua rebelião, isto é, ao buscar essa mudança busca-se a sua vinda da morte para a vida.

Devido a isso podemos concluir que nem o caráter do mundo mudou - ainda é hostil a Deus e
Seu povo (17:14) e ainda precisa crer e conhecer - nem a atitude de Deus para com o mundo mudou. A missão do Filho realizada através daqueles que Deus tem chamado a partir do mundo, mantidos a salvo no mundo, e santificados pela morte do Filho, ainda é para que o mundo seja salvo, não condenado. Como diz Carson, no capítulo 17 “é ampla a evidência de que eles (os discípulos) são o a continuidade do locus de 3:16” [62].


A Relação do Rebanho de Jesus Com o Mundo


Em um nível, isso é simples. Esses são grupos mutuamente exclusivos. Tão mutuamente exclusivos quanto crer e não crer, luz e trevas, vida e morte. O mundo odeia os seguidores de Jesus (15:18-19), é um lugar de sofrimento para eles (16:33) e se alegra em suas dores (16:20). Ele não conhece, não crê, não recebe e foi julgado com seu governante. Isso é, e representa, tudo o que o rebanho de Jesus não é nem representa. No entanto, como Carson disse, embora eles sejam círculos mutuamente exclusivos,

“uma vez que a oração de Jesus pelos discípulos tem como fim a sua missão para o mundo, isso demonstra que este Evangelho não está introduzindo uma divisão absoluta entre os seguidores de Jesus e o mundo" [63].

Assim, em um outro nível, o relacionamento do "rebanho" com o "mundo" não é simples. Eles não são relacionados com categorias “absolutas” tais como eleitos e réprobos, porque as pessoas continuam a sair do mundo conforme o Pai as atrai. Antes eles eram “mundo”, depois eles se tornaram discípulos.

A razão para esta assimetria é que “rebanho”e “mundo” estão em categorias de níveis diferentes. Embora "rebanho" possa ser descrito fenomenologicamente como aqueles que ouvem a voz de Jesus, na descrição que Jesus faz dele como sendo os Seus e como equacionado com aqueles dados a Ele pelo Pai há inerente a idéia de um grupo distintamente definido. Definido pela eleição de Deus. Assim, "rebanho" tem um forte sentido quantitativo, pois, considerados a partir da perspectiva da eleição, eles são um número definitivo. O mundo, pelo contrário, é, como vimos, um conceito mais qualitativo, que pode ser visto como o estado qualitativo encontrando expressão espacial-relacional por causa da natureza da humanidade. Eles são, portanto, nesse nível, categorias diferentes que não podem ser contrastadas de forma absoluta, porque se relacionam com diferentes realidades. Um é primariamente expressivo da vontade predestinadora de Deus, o outro é descritivo da realidade atual de incredulidade e rebelião humana.


Conclusão


'Mundo' é um termo usado extensivamente em João, e que expressa a realidade de uma humanidade em rebelião contra seu criador. Essa rebelião é generalizada e, portanto, “mundo” vem a ser empregado em uma variedade de contextos com ênfases variando entre espaço e relação, expressando a presença da idéia de rebelião pecaminosa com uma intensidade variável, mas em nenhum lugar está inteiramente livre desse sentido. Isso descreve um tipo de pessoas e não uma quantidade de pessoas, e as descreve, principalmente em sua resposta à Palavra, o Logos encarnado, e em sua recusa em reconhece-Lo, e não em sua relação com um decreto eterno.

Esta compreensão qualitativa não oferece nenhum socorro para universalistas que insistem que seu sentido seja todos os homens sem exceção, vendo-o primariamente como um conceito quantitativo, e a partir disso reivindicam uma igualdade da relação do amor de Deus e da morte de Cristo para todo indivíduo, eleitos e não-eleitos. Embora mundo seja inclusivo de qualquer pecador sem distinção, o evangelho de João demonstra claramente uma diferença entre a relação da morte de Cristo com seu rebanho e dessa morte com o “mundo” [64]. Além disso o evangelho também distingue entre o amor de Deus demonstrado para os Seus e o amor de Deus para o mundo (especialmente o amor do Senhor Jesus), e relação de cada um ao Espírito. E, por trás da fé, o fator chave de discriminação em relação ao Senhor Jesus, e se alguém está no “mundo” ou não, nosso Senhor ensina claramente estar a atividade do propósito de Seu Pai de atrair “homens” a Cristo. Não se pode argumentar que Deus se relaciona com todos os homens igualmente com base no Evangelho de João.

No entanto, não se pode reduzir o "mundo" aos “eleitos” (em sentido ou referência) nos versículos que falam ou do amor de Deus pelo mundo ou Sua intenção de salvar o mundo. Tal compreensão, mesmo se os eleitos forem vistos nesses lugares como pecadores na perspectiva de uma salvação certa, é uma mudança tão radical no corpo da referência que distorce seriamente o conteúdo e o impacto dos versículos. "Eleitos" indica uma relação do indivíduo com o decreto salvador de Deus, e como uma classe é quantitativa e absoluta. “Mundo” indica uma qualidade de relação à revelação salvífica de Deus, e é inclusiva de qualquer pessoa que participe desse mau relacionamento de obstinada rejeição incrédula, mas não é um termo quantitativo. Sua falta de referência quantitativa é vista na falta de linguagem partitiva. O mundo não é tratado em João em termos de "alguns", “mais” ou "menos", mesmo que os crentes sejam chamados para fora do mundo. O “mundo” permanece indiferenciado e indivisível.

Ainda assim, João nos assegura que o “mundo” é amado, que o propósito da vinda de nosso Senhor é salvar o mundo, e que esse propósito continua como o objetivo da missão dos apóstolos. Seu Espírito não enche de poder o testemunho e cria unidade no amor para que "as ovelhas" possam crer, mas para que o mundo possa crer.

Falar de, ou compreender, João 3:16 como dizendo que “Deus amou de tal maneira os eleitos”, como Owen faz, é remover o caráter chocante do versículo, ou seja, que Deus amaria rebeldes, e também é sugerir que o amor de Deus pelos pecadores é um amor de Sua escolha deles, enquanto que a Escritura sugere que Sua escolha é uma expressão do Seu amor. E, enfraquece, como Carson observou, o impacto evangelístico por substituir um termo quantitativo absoluto e exclusivo por um termo qualitativo, inclusivo e contingente (sobre a fé ou incredulidade) em que qualquer um consciente da rebelião pecaminosa pode encontrar a si mesmo.

Além disso essa substituição tem o potencial de distorcer a motivação e o sentido da nossa missão em curso, tentando-nos para sermos mais preocupados com o que não pode ser conhecido do que com a nossa resposta e a resposta dos outros para com a luz revelada. A exegese não apoia a posição de Owen, e em nossa formulação de nosso ponto de vista sobre a extensão da expiação, qualquer visão que não possa falar de um verdadeiro amor de Deus pelo mundo ou de uma verdadeira intenção de Deus em salvar o mundo, ou da morte de nosso Senhor como a fonte de vida para o mundo, é menos do que adequada para a revelação do evangelho de João. [65]

Mas o mundo não está salvo! Se nenhum propósito de Deus falha (e é a preocupação de Owen preservar esta verdade), como nós podemos, e o evangelho de João, dizer que Cristo veio "para que o mundo fosse salvo por Ele"?

Num certo sentido este problema é terminológico. Pode-se falar do mundo como sendo salvo, como permanecendo para ser salvo, e como incapaz para ser salvo, e tudo isso seria verdade. O mundo é um tipo de pessoas - e pessoas desse tipo (incrédulos, hostis a Deus) estão sendo salvas - discípulos (cuja falta de mérito é feita clara no evangelho), samaritanos, Nicodemos, o homem cego, as outras ovelhas, aqueles que crerão através do testemunho dos apóstolos; todos estes estão sendo salvos, mas quando eles crêem, eles deixam de ser do mundo. O mundo como tal permanece para ser salvo.

Aqueles que ainda são condenados em sua incredulidade precisam ser chamados pela palavra de Jesus, vencidos pela realidade da união dos cristãos com Cristo e da união dos cristãos uns com os outros. Mas como é central para o que significado do mundo seja mundo é a incredulidade, há um sentido em que o mundo nunca será salvo - um sentido que é o produto dos termos que João escolheu empregar e as associações que ele lhes deu, pois quando crê, deixa de ser. E enquanto persiste na incredulidade, os homens odeiam a luz porque as suas obras são más e a ira de Deus permanece sobre eles.

Nenhum propósito de Deus falha, mas o Seu sucesso em João não pode ser descrito nos termos dessa formulação, porque “mundo” é um termo qualitativo que funciona tanto como um convite quanto como um alerta para mudar, para cessar com a rebelião e crer Naquele que veio para salvar o mundo, e cuja morte é a única fonte de vida para o mundo. Jesus é o Salvador do mundo, mas como tal, Ele é Aquele que guarda Suas ovelhas, por quem Ele morreu, a quem dá o Seu Espírito, por quem ora, para que eles possam ser enviados “para o mundo”.

A posterior relação entre “mundo” e a expressão de Deus de Seu propósito salvífico pode ser discernido pela reflexão sobre como o Senhor Jesus realiza a salvação em João. Jesus salva por sofrer a hostilidade e a rejeição do mundo na Cruz, isto é, sua hostilidade foi instrumental na salvação, o que sugere que a continuidade da hostilidade do mundo tem um lugar no propósito salvífico de Deus em curso. Assim como Paulo pode ver um propósito salvífico em curso para a nação judaica sendo efetuada pelo resultado de sua rejeição, assim também a hostilidade do mundo constitui o contexto tanto para o amor dos discípulos uns para com os outros quanto para a obra do Espírito de encher de poder o testemunho, sendo esses meios pelos quais outros são salvos para fora do mundo. É conforme o povo de Jesus compartilha sua relação com o mundo hostil e sua relação com o Pai expressa no fiel testemunho e sofrimento que a missão de Jesus continua. Assim, a hostilidade do mundo (o mundo sendo o mundo) é o meio que Deus usa para perseguir sua intenção salvífica em relação ao mundo. [66]

Assim, há, em algum sentido, um amor de Deus pelo mundo em Seu envio do Filho, e vimos também em relação a João 6:51 uma provisão intentada na morte de Cristo de vida para o mundo. Isto é, Sua morte pode, em algum sentido, ser considerada como “pelo” mundo, onde o mundo não pode ser reduzido a “os eleitos”. É este também o caso em 1 João? Vamos agora considerar a exegese de Owen de 1 João 2: 2.



Exegese de Owen de 1 João


A preocupação de Owen é mais uma vez demonstrar que o "mundo" não pode significar aqui "todo e qualquer no mundo", mas, ao invés, que deve ser entendido como "homens vivendo por todo o mundo, em todas suas partes e regiões", referindo-se especificamente ao crentes ou os eleitos em todo o mundo. [67] Há muito em jogo para ele neste versículo, pois este claramente relaciona a morte de Jesus ao “mundo”, e a falha em estabelecer seu sentido e referência aqui desafiaria diretamente sua compreensão da exclusividade da expiação. Também levantaria a questão se a Bíblia usa uma linguagem diferente de Owen, e pode falar da morte de Jesus com um referente indefinido e uma potencialidade de benefício.

Owen isola quatro características do versículo que têm influência sobre a sua correta interpretação. O intérprete deve chegar a algum entendimento da identidade dos destinatários originais das epístolas, depois, verificar o propósito do apóstolo neste ponto, e, finalmente, determinar o significado das duas expressões "(1) Cristo ser uma 'propiciação' e (2) 'o mundo todo'.” [68]

Na opinião de Owen, apesar dos destinatários não serem explicitamente identificados, é "mais do que provável" que eles sejam judeus crentes, porque

(i) João é dito ter sido especialmente um apóstolo aos judeus;

(ii) os crentes a quem escreve são ditos ter "recebidos a palavra desde o princípio", o que só pode indicar que eles são judeus,

(iii) a oposição que o apóstolo faz entre nós e o mundo, neste mesmo lugar é suficiente para manifestar a quem ele escreveu: "porque o apóstolo, sendo um crente judeu se associaria com os crentes judeus”

(iv) Como a maioria dos falsos mestres na igreja primitiva eram de origem judaica as advertências freqüentes contra os falsos mestres na epístola indicam que ela é escrita para o grupo com maior probabilidade de ser tomado por eles, crentes judeus. [69] Esta compreensão dos destinatários da carta permite a Owen interpretar 1 João 2:1-2 contra o contexto de oposição judeus-gentios

“de modo que não temos aqui uma oposição entre a salvação eficaz de todos os crentes e a redenção ineficaz de todos os outros, mas uma extensão da mesma redenção eficaz que pertencia aos crentes judeus para todos os outros crentes, ou filhos de Deus, em todo o mundo”.[70]

Esses argumentos não são particularmente convincentes.

Assumindo que a epístola foi escrita depois do evangelho, e que seus destinatários estavam na área da Ásia Menor (provavelmente Éfeso) houve tempo e alcance suficiente para as congregações em questão incluírem tanto judeus quanto gentios. [7l] Sabemos por Atos (capítulo 10, por exemplo), Gálatas 2.11-12 e 1 Cor. 1:12 e 9:5 que Pedro, outro dos apóstolos (o principal na verdade) para a circuncisão (Gl 2,7-9). teve amplo contato com os cristãos gentios e com as congregações a que pertenciam. Parece, portanto, perigoso basear uma reivindicação de um público primário judaico para a epístola com base na designação inicial de João como sendo um apóstolo aos judeus.

Em segundo lugar, o fato de que João escreve (2, 7) para que eles tenham o mandamento antigo não prova que os destinatários da carta estavam envolvidos no começo do movimento do evangelho. Mais provavelmente implica que esse mandamento foi entregue a eles quando creram inicialmente, tendo sido parte de sua instrução desde o seu princípio na fé. [72]

O terceiro motivo de Owen parece estar assumindo o ponto que ele está tentando provar. Embora, como Lieu observa:

“na maior parte da carta "nós" não denota a autoridade do autor e seus companheiros, um círculo exclusivo, mas a comunidade unida com o autor”.[73]

O fato da identificação com os destinatários da carta não prova a natureza dos destinatários sem adicionais argumentos, a menos que alguém por uma suposição gratuita pense que João se identifica mais facilmente com os judeus, com base em sua particularidade (em distinção dos crentes gentios) do que com os crentes cristãos com base no que eles têm em comum em Cristo.

Finalmente, eram os crentes judeus mais prováveis de serem desviados do que os crentes gentios por falsos mestres, mesmo por aqueles de um contexto judeu? Não parece ter sido esse o caso no resto do Novo Testamento. Na verdade, pode-se inferir a partir da correspondência aos corintios e aos gálatas que eram os convertidos de um contexto gentílico, os que eram particularmente vulneráveis aos ensinamentos daqueles que poderiam reivindicar um impressionante pedigree espiritual.

Os próprios argumentos de Owen para uma audiência primariamente judaica não são convincentes. No entanto, alguns comentadores modernos têm mantido, com base em sua compreensão do Evangelho como um apelo evangelístico ao judaísmo helenístico e à identidade de Cerinthus como um judeu, um contexto judaico-helenista para os destinatários da carta, e há um crescente reconhecimento de paralelos judaicos na carta, apesar da ausência de qualquer explícita citação do Antigo Testamento. [74]

No entanto, mesmo esses autores reconhecem a ausência no texto de evidentes controvérsias entre judeus e gentios que poderiam sugerir que as relações judeus-gentios estavam sendo especificamente abordadas, e também [reconhecem] a dificuldade de identificar tal audiência com certeza. [75] De fato, há uma opacidade na apresentação da Epístola do contexto dos destinatários para além do seu comum compromisso cristão.

Como observa Lieu:

“O explicito contexto dominante é o contexto cristão: é isso o que o autor assume. Ele não trata seus leitores como convertidos de qualquer coisa, mas como aqueles que ouviram "desde o início". Seu próprio ponto de partida é a mesma certeza”. [76]

Os destinatários devem, portanto, ser considerados principalmente como cristãos joaninos, e as questões abordadas não como decorrentes das tensões judeus-gentios, mas de desenvolvimento para além da fundação apostólica uma vez comumente aceita. [77]

O segundo argumento de Owen envolve sua reconstrução do propósito do autor nestes versículos. Este é “dar consolo para os crentes contra suas falhas e pecados". Um propósito que é servido somente se Cristo é conhecido como sendo um sacrifício eficaz pelos pecados. Ou seja, [no pensamento de Owen], o mundo não pode ser todos aqui, porque não pode haver conforto em saber que "Cristo morreu pelos inumeráveis que são condenados", ou em qualquer coisa que seja comum a crentes e incrédulos em relação à morte de Cristo. Novamente Owen assume o seu ponto.

O que ele está realmente dizendo é que se você aceitar essa posição de que nenhuma garantia pode vir de uma expressão indefinida dos beneficiários da morte de Cristo, [78] então não pode haver aqui uma expressão indefinida dos beneficiários da morte de Cristo. Mas o ponto em disputa neste versículo é se a Escritura fala dos beneficiários da morte de Cristo de forma indefinida, e a questão não poder ser resolvida apelando para a questão em disputa, isto é, a visão de Owen da expiação.

Não há dúvida de que João pretendia reassegurar aos crentes, os quais podiam estar consciente do pecado, lembrando-os que eles têm um paracleto, um "intercessor e advogado de defesa" [79], com o Pai, e que eles podem ter certeza do sucesso de Sua defesa por causa de Seu sacrifício pelos pecados deles. Mas essa observação, por si só, não resolve a questão do sentido do “mundo”, e como João concebe a relação da morte de Cristo ao mundo.

Nem o tratamento de Owen de hilasmos . Owen compreende corretamente seu sentido aqui ser propiciação, e, então, assume o seu ponto, que não pode se referir a qualquer outra coisa do que uma propiciação eficaz, que implica na aplicação dos meios de salvação a todos aqueles para quem Cristo morreu. Sendo esse o caso, então, tal propiciação só pode ser falado como provida para aqueles que são ou serão salvos, crentes, os eleitos. Assim o “mundo” deve se referir a eles e não a "todo e qualquer homem no mundo". [80] Mas é essa visão da expiação que os primeiros leitores da epístola de João teriam assumido ao ouvir o termo" mundo" e eles precisavam assumir isso para ter conforto do que João escreveu neste ponto?

Owen termina seu tratamento desse versículo com uma apresentação do sentido do mundo (movendo-se novamente para o termo contestado tendo primeiro criado uma presunção a favor da sua interpretação). Aqui ele argumenta mais uma vez (i) que o sentido do "mundo” na expressão ολου του κοσμου é indefinido [8l], (ii) que em outros lugares expressões abrangentes "denotam .., apenas os crentes de todas as várias nações do mundo" [82], e que (iii) como por sinédoque pode em [alguns] lugares "significar a pior parte do mundo" assim “por uma sinédoque” aqui pode ser usado para a “melhor parte” [83]. Ele conclui que não há absolutamente nada nas próprias palavras que forçariam alguém a conceber que todo e qualquer homem no mundo são denotados por elas, mas, ao invés, os crentes, todos que crêem ou crerão em todo o mundo, em oposição apenas aos crentes da nação judaica [84].

Ele apresenta cinco argumentos adicionais para apoiar esta conclusão, sugerindo que a passagem fala da aplicação da morte de Cristo, pois essa é a única fonte de consolo, e que essa consolação destina-se somente aos crentes. Além disso, expressões paralelas em outros lugares não podem significar todo e qualquer , cujo sentido vai contra o propósito da passagem, pois então Cristo seria apenas uma "propiciação suficiente" e não uma “eficaz”, de cujo conhecimento eles não ganhariam nenhum conforto. [85]. Ele finalmente rejeita a sugestão de que o “nós” para o “mundo” é uma progressão de crentes para incrédulos, oferecendo duas alternativas: que o "nós" são crentes judeus e o "mundo" significa os outros crentes, ou que "nós" pode identificar os crentes vivos na época, em cujo caso o “mundo” refere-se àqueles que viriam a crer.

O coração da posição de Owen é novamente a distinção entre sentido (indefinido, “homens de todos os tipos em todo o mundo"[86]) e referente (crentes gentios ou aqueles que virão a crer). Seu argumento é dependente de paralelos extra-joaninos e o único outro uso em 1 João ao qual ele se refere é 1 João 5.19. A referência que faz não é para discutir o sentido da expressão ολου του κοσμου, mas para justificar sua afirmação de que “mundo” pode se referir por sinédoque a uma parte do mundo. Na verdade, nas primeiras duas partes do seu argumento para o sentido de “mundo” ele emprega muitas expressões que não contém kosmos, as quais vêm de fora do corpus joanino. Enquanto expressões indefinidas podem ter referentes definidos, e na Escritura os referentes podem incluir os crentes, referência, como vimos, é um aspecto da intenção do autor e deve ser estabelecido no contexto.

Além disso, enquanto os usos da expressão e similares em outros lugares na Escritura podem dar possibilidades, eles não podem estabelecer sentido ou referência em qualquer contexto particular. Owen dá atenção especial a certos aspectos do contexto imediato (embora a sua interpretação seja dependente de suas sistemáticas conclusões anteriores), mas ele dá pouca atenção ao uso joanino de kosmos mesmo que o termo apareça vinte e três vezes na epístola e é esse contexto mais próximo que deveria ser mais influente na formação da nossa compreensão de qualquer particular uso joanino. Será que João tem um uso consistente do termo que, por sua vez, estabelece os parâmetros para a atribuição de referência para a expressão "todo o mundo" em 1 João 2:2?


O Uso de kosmos em 1 João


Como sujeito de verbos ativos, o mundo é falado como não conhecendo os filhos de Deus e como não conhecendo a Deus (3.1), odiando os crentes (3.13 cf. João 7.7, 15.18), ouvindo os falsos profetas (4.5) e jaz em sua totalidade no (poder do) maligno (5.19). [87]

Como sujeito de um verbo passivo ele é passageiro (2.17) em contraste com o que faz a vontade de Deus. Já podemos ver que o mundo é personalizado e que exclui o povo de Deus.

Como objeto do verbo nos é dito que não devemos amar o mundo, porque tal amor não pode co-existir com o amor do Pai (2,15).[88] Aquele que é nascido de Deus vence o mundo pela fé, especificamente mantendo a fé de que Jesus é o Filho de Deus (5.4-5). Assim, eles compartilham da vitória de Jesus (João 16.33), que venceu por perseverar em amorosa obediência ao Pai. Claramente o povo de Deus (os crentes) e o mundo estão em oposição, e nestes contextos novamente eles são exclusivos um do outro. Imitando a missão dos seguidores de Jesus (João 17.18) os falsos profetas têm agora ido para εις τον κοσμον (4.1); o mundo, o qual também foi o destino da missão designada do Filho de Deus (4.9) .

Em construções genitivas o “mundo” possui pecados (2.2, assumindo a elipse) e é o objeto da obra salvífica de Cristo (4.14, cf genitivo objetivo cfe João 4.42). βιον também pode ser caracterizado como sendo του κοσμου para indicar “bens mundanos”, os meios de subsistência caracterizados por sua origem e esfera (3.17) [89]. A expressão εκ του κοσμου é contrastado com a expressão εκ του πατρος ou θεου (2.16, 4.4-5), um contraste de origem que explica tanto por que o amor do Pai é incompatível com o amor das coisas no mundo (2.15-16) quanto o conteúdo e a recepção da mensagem dos falsos profetas (4.5). Aquela que se origina do mundo se opõe a Deus e é recebida somente por aqueles que não amam a Deus.

Cinco vezes a expressão εν τω κοσμω ocorre em 1 João. As coisas no mundo, que são as coisas que caracterizam a vida negligente de Deus e preocupada somente com esta vida; as coisas que são valiosas para uma humanidade rebelde, originam do mundo (2.15-16). O espírito do anti-Cristo já está εν τω κοσμω, como evidenciado pelo ensino dos falsos profetas. Mas os cristãos não precisam temer pois há um Espírito diferente e maior neles, a fonte de sua vitória sobre o mundo(4.3,5).

O mundo é a esfera natural da existência e a operação do espírito em oposição a Cristo. Mas os cristãos estão em outro sentido εν τω κοσμω , ainda habitam a esfera da sociedade humana (4.17, cf. João 17.11). Apesar disso, nós ainda podemos ter confiança em relação ao dia futuro pois apesar de

“nós não sermos como Ele (Cristo NC) em nosso caráter ou em nossos corpos...em nossa posição diante de Deus, mesmo quando permanecemos neste mundo, já estamos como Ele".[90]

A adição de ούτῳ para kosmos nesse ponto, no contexto do dia do juízo, salienta a transitoriedade desse mundo e implica outra, vindoura, esfera de habitação. [91] Além de ούτῳ o único qualificador de kosmos é ολου em 2.2 e 5.19. Em ambos os casos há uma insistência enfática sobre a totalidade do mundo estando em vista.

Além de 3.17 (e mesmo esse é dado força pela conotação de transitoriedade anexado aos outros usos de kosmos) todos os outros usos em 1 João são consistentes com a compreensão de kosmos como "a sociedade humana, temporariamente controlada pelo poder do mal, organizada em oposição a Deus" [92]. O mundo é o reino da oposição a Deus,transitório, ignorante de Deus, odiando o seu povo, preocupado com a sua própria perseguições nas garras do erro gerado pelo espírito do anticristo, surdos à verdade, mas acolhendo aqueles que vêm do erro e falam do erro, que é seu próprio.

No entanto, o Filho foi enviado a este mundo e é único Salvador do mundo por sua morte expiatória. Aqueles que são seus compartilham sua relação com o mundo, que é uma relação de superação por manter a confiança; uma confiança que é vista em uma expressa obediência em abraçar uma vida que é a antítese dos valores de um mundo sob o domínio do mal. O uso de João para kosmos nesta epístola é mais consistente, se possível, do que o seu uso do termo no Evangelho e nesse uso ele permanece um “mundo indiferenciado” [93], “a humanidade caída, hostil a Deus". [94]


1 João 2:1-2 Reconsiderado


Enquanto A A Hodge adverte que o uso do [termo] “mundo” em tais passagens ... não pode ser decidido por qualquer apelo a gramática ou a léxicos, e pertence antes ao campo do teólogo do que do comentarista [95], torna-se cada vez mais difícil, à luz do uso de João do [termo] “mundo” em outros lugares, manter que João intentava que seus leitores compreendessem uma referência aos eleitos, crentes não-judeus, por seu uso de "mundo" aqui.

A progressão na passagem é de “nós” para o “mundo” e como em outros lugares estes são grupos contrastantes (por exemplo, os crentes -não-crentes, aqueles que ouvem a Deus - aqueles que não ouvem, aqueles que vencem o mundo - aqueles que estão nas garras do maligno) é melhor tomá-los nesse sentido: João não intencionava se referir nem a todos os homens em todo o mundo, nem a crentes não-judeus, mas para o conceito qualitativo, a humanidade organizada contra Deus.

O fatores que Owen apresenta no contexto local para negar este sentido têm sido demonstrado ou não ser de nenhuma convicção (a afirmação de que a audiência de João é auto-conscientemente judaica) ou depender de assumir a questão em pauta, em particular sua compreensão da “redenção eficaz” como exigindo a compra de fé na cruz, que está no coração da insistência de Owen sobre a unidade da impetração e aplicação, e sobre a qual dependem a sua visão de segurança e consolação. Assumindo a elipse “os pecados” na expressão, e assim, lendo que “Cristo é a propiciação pelos pecados do mundo todo" [96], nós apoiamos a “cândida” admissão de Dabney:

“É indiscutível que o Apóstolo estende a propiciação de Cristo para além daqueles a quem ele se refere como “nós” na primeira parte do versículo...Parece então que o escopo do apóstolo é consolar e encorajar pecadores crentes com o pensamento de que, uma vez que Cristo fez expiação por cada homem, não há perigo de que Nele não seja encontrada uma propiciação para aqueles que já tendo crido, agora, sinceramente, se voltam de pecados recentes”[97].

Assim, em I João 2:2, o apóstolo pode falar da morte de Jesus como sendo de alguma forma relacionada com os pecados do mundo, não apenas dos eleitos, e que a partir dessa relação do crente pode levar consolo. Embora Dabney fala de "cada homem" é importante manter "mundo" como um termo qualitativo indefinido, potencialmente inclusivo de cada pecador, não um termo quantitativo especificando cada pecador. Mas como essa relação com o mundo deve ser concebida? O próprio Dabney postula uma distinção entre a compreensão da morte de Jesus como uma expiação e como uma reconciliação. O primeiro é singular, único, completo; e, considerado em si mesmo, não se relaciona mais com os pecados de um homem do que com os de outro. Como é aplicado no chamado eficaz, torna-se pessoal e recebe uma limitação. Mas em si não há limitação relevante para ele. [98]

I João 2:2 sugere que nós podemos ver na morte de Jesus uma verdadeira provisão para todos, com um sacrifício de infinito valor qualitativo. Distingue-se em seus beneficiários não na realização, mas na aplicação, tendo como seu paradigma de controle a noção de sacrifício [99], e não uma metáfora comercial. Sugere ainda que a escritura pode falar da morte de Cristo em termos de benefício potencial para um referente indefinido, em contraste com Owen que procura fazer toda referência à morte de Cristo ter um resultado definido e definidos beneficiários.

Fonte: Chambers, N.A. “A Critical Examination of John Owen’s Argument for Limited Atonement in the Death of Death in the Death of Christ,” (Th.M. thesis, Reformed Theological Seminary, 1998) , 111-194


Nota do blog:

1) Os versículos bíblicos citados indicados pelo sinal * foram acrescentados por esse blog visando evitar que o leitor tenha o trabalho de consultá-las. Elas foram mencionadas, mas não citadas pelo autor do texto. O texto dos versículos segue a tradução da Almeida Revista e Atualizada.

2) As notas do autor que seguem abaixo não foram traduzidas para o português. Como eu praticamente as copiei e colei, existem algumas palavras com problemas de formatação, especialmente aquelas em grego.

Notas:

[1] C. Hodge, Systematic Theology, vol. 2: 559 .

[2] 210: 295

[3] "Death of Death", Book iv, chapters 4 and 5 respectively.

[4] e.g. "Christ died for all and only those in and towards whom all these things recounted (to redeem, purge sanctify, purify, deliver form death, Satan, . N.C.l are effected." 10: 211; "Died he only for those that are in the event sanctified, purged, II 10:214; "We deny that Christ died for any but those who shall certainly be brought unto him by the ministration of the gospel." 10: 219. "The fountain and cause of God's sending Christ is his eternal love to his elect, and to them alone." 10: 231. "Christ died for no more than God promised unto him that he should die for." 10: 291 "They (elect believers N. C.) certainly are the object of this love, and they alone." 10:324. By contrast, later exponents of particular redemption claim that the death of Christ does relate in some sense to all. See Hodge Systematic Theology p. 2: 545, 558: "Augustinians do not deny that Christ died for all men. What they deny is that He died equally, and with the same design, for all men." Dabney Systematic Theology p. 527, Letham Work of Christ p. 246. Does such an admission compromise their position, or can one retain Owen's conclusions without his argument?

[5] For a similar observation but with a different goal see William S. Sailer, liThe Nature and Extent of the Atonement - A Wesleyan View," Bulletin of the Evangelical Theological Society 10/4 (Fall 1967): 191-2.

[6]10: 295

[7]"Upon these expressions hangs the whole weight of the opposite cause, the chief if not the only argument for the universality of redemption being taken from words which seem to be of a latitude in their signification equal to such an assertion, as the world, the whole world, all, and the like."10 :303

[8]Owen himself describes world in scripture as "TtoÀúaru..ov", 10: 303. As becomes clear from the following table and discussion of John 3.16 Owen is often describing what he considers to be the referents of the word in its various uses.

[9]10: 306

[10]ibid

[11]10.307

[12]10 :319-320

[13]10:320, 321

[14]l1The first difference in the interpretation of this place is about the cause of sending Christ; here called love. The second, about the object of this love; called here the world. Thirdly, Concerning the intention of God in sending his Son; said to be that believers might be saved." 10: 321

[15]10: 325

[l6]ibid

[17]10: 325-6

[18] Taking i formalityt to be related to that sense of form which indicates "the particular character , nature, structure or constitution of a thing; the particular mode in which a thing exists or manifests itself, II and 'materially' to be indicating the matter "as opposed to the form", that which actually constitutes the 'world' at this point. "Form", "Formally", lfMaterially" The Oxford English Dictionary i (Oxford at the Clarendon Press: OUP, 19331 12 volumes plus Supplement. In loc. Volumes iv & VI.

[19] “The referent of a word or expression in an utterance is the thing in the world which is intentionally signified by that word or expression”. Peter Cotterell and Max Turner, Linguistics and Biblical Interpretation (London: SPCK, 1989), p. 84. They distinguish reference from denotation: "Denotation is the term used for the relationship which exists between words and the corresponding entities in the world; between words like statue and the objects we denote as statues." p. 83. A definition that stresses denotation as a linguistic entity is that of Fromkin et al. "Denotative meaning '" is that type of meaning which may be described in terms of a set of semantic properties which serves to identify the particular concept associated with the word in question." Victoria Fromkin, Robert Rodman, Peter Collins, and David Blair, An Introduction to Language. Second Australian Edition (Sydney, Holt, Rinehart and Winston, 1990) p. 205. The important point is that "the referent is the extra-linguistic entity, ..., while the sense is the linguistic meaning of the assertion itself." Cotterell and Turner, Linguistics p. 89.

[20]10: 326

[21]ibid

[22]10: 323

[23]10:328

[24] For these terms and the distinction between them see Cotterell and Turner, Linguistics pp. 139-141 and 164-167. By the terms 'discourse sense i or 'contextual sense i they "signify the descriptive meaning of a lexeme or expression which fulfils the following conditions: (a) It is the contextually determined descriptive meaning (and both presupposition pools and cotext may be part of the context) (b) It can be embodied in a verbal definition that includes both the essential and the semantically focused elements of the specific 'token' (or 'type'J quality, event, object, or concept actually signified contextually by the lexeme. (c) Its sense relations both to the lexical sense (whether semantic narrowing or extension or both) and to closely related senses may be specified. II They call the J idiolect sense J a specialised sense common to an individual. A consideration of the linguistic rigour involved in determining sense, as well as the debate about the best way
to do so, explains why I hope to i approximate i to the contextual sense, i.e. describe John's usage without too many gaffes!

[25] Cotterell and Turner, Linguistics pp. 149-50, quoting Jerrold Katz, Semantic Theory, (London: Harper and Row, 1972), p. 450.

[26] Moise's Silva l Biblical words and their Meaning. An Introduction to Lexical Semantics (Grand Rapids: Academie Zondervan, 1983), p. 107.

[27] D. A. Carson Exegetical Fallacies, p. 45.

[28] Owen also deals with In. 6.51-10:338, 1.9-10:340, 1.29-10:341, and 3.17-10:342, as well In. 4.42 and 12.46 very briefly.

[29] N. H. Cassem, "A Grammatical and Contextual Inventory of the Use of Kó~oçin the Johannine Corpus with some implications for a Johannine Cosmic Theology." N. T. S. 19 f pp . 81 – 91.

[30] S. v. KÓ~OÇ, KO~ÉW H. Sasse, Theological Dictionary of the New Testament. Ed. G. Kittel i Trans. and Ed. G. W. Bromiley, (Grand Rapids: Eerdmans, 1968), henceforth TDNT. S.v. K6~oç J. Guhrt, The New International Dictionary of New Testament Theology. 3 Volumes, Ed. Colin Brown, (Exeter: Paternoster, 1975) henceforth DNT. S.V. W. Bauer, William F. Arndt, and F. Wilbur Gingrich, A Greek - English Lexicon of thÇ!New Testament. Second Edition Rev. & Aug. by F. wilbur Gingrich and Frederick W. Danker i (Chicago: The University of Chicago Press, 1979J henceforth BAGD.

[31] "Man belongs so much to the world that KOSMOS in John almost always means the world of men" pg. 525. DNTT. Vol. 1.

[32] Cassem, II Inventory, 11 pg. 83 Table 2. appears to have overlooked 8: 23 ibis).

[33] It is interesting to compare John l s speaking ÈK TfjÇ yfjç with Jesus' description of his speaking to Nicodemus of the content of O. T. prophecy (i.e. Ezk. 36.37) as TàÈTTíyi:ia (In. . 3: 12.

[34] R. Bultmann, Theology of the New Testament. 2 Volumes. Trans. Kendrick Grobel., (New York, Charles Scribner's Sons, 1951, 1956), Vol. 2, pg. 15

[35] C. K. Barrett, The Gospel According to John, (London: S. P. C. K., 1962), Comment on In. 1: 9 - 10, in loc..

[36] L. Morris, The Gospel According to John. N. I. C. N. T., (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), pg. 126. D. A. Carson, Gospel According to John (Grand Rapids: Eerdmans, 1991) i pg. 123.

[37]Connotations are "certain affective or evaluative associations" which "arise as words become associated with certain characteristics of the items to which they refer." Frornin et al., Introduction i p. 205. They note both the difficulty of the analysis of connotative meaning, and also its importance. Cottereii and Turner note that "for exegesis this question of connotation is of great importance. In explaining a text the connotation of any particular rendering must be considered and must be considered for the audience being addressed." Linguistics, p.47 In a literary work the connotation of a word for a reader or hearer is not just that of the pre-understanding they bring to the text, but also that created by the author by constant association of the term with others.

[38] In thus seeing a common sense underlying the usage in John i. 9 - 10 and disagreeing with Owen 1 s exegesis I lay myself open to being an "egregious glosser." 10:306.

[39] A more detailed discussion of these verses follows below.

[40] The notion that John is very deliberate in his use of terms and that the Gospel is designed to be read over and over again, in accord with the existing practice in relation to the Old Testament scriptures, are both presuppositions, but easily defended by observation of his use (consider light i truth. believing! the language of sending). His consciousness of the significance of his testimony and its endorsement e. g. 21.24, and history.

[41] Cassem, Inventory, pg. 88.

[42] These associations are not part of the lexical sense of kosmos, but of the Johannine concept of kosmos.

[43]10: 326. His claim conforms to the definition of synonymy in Cotterell and Turner: "If amongst its range of senses a different lexeme shares the same meaning, it may act as a synonym for the former word in the given context, and in like contexts; that is, it can be substituted for it without significant conceptual change." Linguistics i p. 160 Despite the form of his claim he is really arguing for coreferentiality.

[44] For a discussion of election terminology in John see D.A.Carson Divine Sovereignty and Human Responsibility. Biblical Perspectives in Tension, Marshalls Theological Library, (London: Marshall, Morgan and Scot t , 1981 J i pp. 181-192.

[45] Owen, as we have seen, defines love as a peculiar transcendent love, being an "unchangeable purpose and act of his will concerning their salvation ", and denies that such a love is extended to any but the elect, for none but the elect are saved. He defines love this way for this is the love that results in the giving of the Son, i. e. in the sacrificial death of the Son, and he denies that this could ever be for any who are not saved. As this is the love that motivates the death of the Son, which is only for the elect, it can only be love for the elect. See above pp. 117 – 119.

[46] D. A. Carson, Divine Sovereignty, pg. 197.

[47] Sil va, Biblical Words, p. 107.

[48] This is especially so if nlaTEÚa~TE in John 20.31 is understood as an ingressive aorist i but the nature of the gospel as an invitation to believe is not dependent on this alone, nor are pastoral and evangelistic purposes mutually exclusive. The potentially inclusive framing of the promises can be seen in their being open to all who believe, In. 1.12, 3.15-18, 5.24, 6.40, 47, 7.38-9, 11.25-6, 12.46.

[49] This is to disagree with Cotterell and Turner Linguistics, pp. 176 - B who opt for the sense of If' mankind'; i. e. The 'world' of people" here, arguing that a "more neutral sense" is required because of Jesus l later discrimination in ch. 17 pet ween the world and those called out of the world, and his lack of prayer for the i world' there. However, it will be argued below that there is a good intended for the world even in John 17 which robs of force this obj ection to taking 'world 1 here as the world that needs saving, i. e. the sinful world.

[50] Letham writes that, referring to question of the intent of God in the atonement, "neither the term 'world' (kosmosJ nor the passage as a whole is reflecting on the question before us." Work of Christ, Work of Christ, p. 241. In light of the long history of debate about this passage in relation to
this question, the clear statement of purpose in 3.17, the inseparability of the love that motivated the sending from the purpose of the sending, and, in Owen's case, his expansion of oblation to cover the whole of Christ's life and his clear concern to deny any purpose of good to the non-elect in the giving of the Son, his suggestion seems quite disingenuous and points rather to the intractable difficulty these verses raise for the question of intent. Better is Dabney: "There is, perhaps, no Scripture which gi yes so thorough and cornprehensi ve an explanation of the design and results of Christ's sacrifice, as Jno. iii:16-19. Sistematic Theology, p. 535.

[51] Barrett, pg. 246. Carson, pg. 295.

[52] A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament in the Light Of Historical Research. (Nashville, Broadman Press, 1934), pg. 768.

[53] F. Blass & A Debrunner, ~ Greek Grammar of the New Testament. Trans. Rob. W. Funk, (Chicago: University of Chicago Press, 1967), §§ 231 (2)

[54] M. M. B. Turner, "The Concept of Receiving the Spirit in John i s Gospel." Vox Evangelica 10 (1977): pp. 24 -42.

[55] G. R. Beasley - Murray j Gospel of Life. Theology in the Fourth Gospel (Peabody: Hendrickson, 1991), pp. 79 -80.

[56] J. Calvin, The Gospel According to St. John. 2 Volumes. Trans. T. H. L. Parker, Ed. D. W. & T. F. Torrance, (Grand Rapids: Eerdmans 1961), vol. 2., pg. 148.

[57] Carson, Commentary, pg. 416.

[58] ibid. pg. 551.

[59] Calvin, Gospel, vol. 2., pg. 148.

[60] e. g. Barrett, Commentary, p. 512; Carson Commentary, pp. 568-9; Morris, Commentary, pp. 734-5.

[61] G.R.Beasley-Murray, The Gospel of Life., pp. 15-33.

[62] Carson, Commentary, pg. 566.

[63] ibid.

[64] while not having examined 12; 32 in detail I take it, if one insists on EÀKúaw as constituting a saving relationship. rand in the light of Phil. 2: 10 - 11 and Col. 1: 20 need one?) to Christ's death, that TTávTQÇ is "all without distinction" e. g. Greeks as weii as Jews.

[65] B. B. Warfield speaks lyrically of this love. "The whole debate as to whether the love here celebrated distributes itself to each and every man that enters into the composition of the world, or terminates on the elect alone chosen out of the world, lies thus outside the immediate scope of the passage and does not supply any key to its interpretation. The passage was not intended to teach, and certainly does .not teach, that God loves all men alike and visits each and every one alike with the same manifestations of His love: and as little was it intended to teach or does it teach that His love is confined to a few especially chosen individuals selected out of the world, What it is intended to do is arouse in our hearts a wondering sense of the marvel and the mystery of the love of God for the sinful world - conceived, here, not quantitatively but qualitatively as, in its very distinguishing characteristic, sinful." The Saviour of the World (1916: reprint Edinburgh: Banner of Truth, 1991), p. 121. However Warfield i s solution as to how God can be spoken of as loving the world with a sovereign, effective love, by seeing it fulfilled (and thus the world saved) in the realization of the post-millenial hope, pp. 122-130, is not one that immediately commends
itself from the text of John.

[66] cf. Philip H. Towner, "paradigms Lost: Mission to the Kosmos in John and in David Bosch's Biblical Models of Mission, II Evangelical Ouarterly 67: 2 (1995), pp. 99 - 119.

[67]10:330

[68]10:330

[69]10; 331-332

[70]10: 332

[71] For the justification of these assumptions see B. F. Westcott The Epistles of St. John, with a new introduction by F. F. Bruce, (1892: reprint Grand Rapids: Eerdmans, 1966), pp. Xxxi-xxxii; Raymond Brown, The Epistles of John, The Anchor Bible, (London: Geoffrey Chapman, 1982)
pp. 34 -35, 69, 100 -102; Stephen S. Smalley, 1. 2. 3. John, Word Biblical Commentary, (Waco: WordBooks, 1984) ,pp. xxii, xxiv, xxxii; Ruth B. Edwards, The Johannine Epistles (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996), pp. 53 -55. We also know that the Pauline congregations in the region were composed from their foundation of both Jews and Gentiles, and it would be difficult to postulate a mainly Jewish composition of the congregations of Rev. chapters 2 and 3, even though these last observations beg many questions concerning the relationship of the Johannine community to those congregations.

[72] Westcott, Epistles, "These last passages (2.24, 3.11 N. C.), which are closely parallel, decide that the reference here is to the beginning of the Christian faith." p. 52. John Stott, The Letters of John Rev. Ed., (Leicester: IVP, 1988), p. 97 follows Westcott. Smalley 1. 2. 3. John, "The love commnd formed part of the habitual exhortation given to all believers from the outset of their Christian lives." p. 54 -5. Brown, Epistles, "He can insist that his demand is nothing new (novel) but a commandment that was had "from the beginningll since it was taught to his disciples by Jesus at the Last Supper and taught to the Johannine Christians at their entrance into the Johannine Community." p. 286.

[73] Judith Lieu, The Theology of the Johannine Epistles (Cambridge: CUP, 19911! p. 26.

[74] John A.T.Robinson Twelve New Testament Studies Studies in Biblical Theology 14, (London: SCM Press, 1962), pp.126 - 138; J. L . Houlden A Commentary on the Johannine Epistles (London: Adam and Charles Black, 1973), pp.32-37. Edwards, Epistles, p. 107 .

[75] Edwards, ibid.; "There is no mention of Gentiles or Jewish-Gentile controversies." p. 107. Houlden, Commentary, noting that the epistle gives no hint of the church i s "dual composition" of Jews and Gentiles comments that "it is impossible to tell whether this is because the incorporation of the Gentiles into the community is taken for granted and no longer an issue, or whether for these Christians it has never become a practical question." f .n. 1, p. 36. Robinson, Studies, p. 130; iiDoes the evidence of the Epistles confirm or contradict the view we derived from the gospel that Greek-speaking Judaism was the main object of John i s appeal and therefore presumably the heart of his Christian congregation? Unfortunately it does neither obviously. It is not easy to identify anyone with certainty."

[76] Lieu, Theology, pp. 20-21

[77] Westcott, Epistles, p.xxxii, Brown, Epistles, pp. 49-53, specifically addressing the view of the adversaries as i lapsed Jews i, Smalley, 1. 2. 3 John (who sees three groups being addressed), p. xxiv. Carson, Moo and Morris, writing of the differences between the Docetism opposed by Ignatius and the group opposed by John, observe "the Docetists opposed by Ignatius are tied to Jewish rites and beliefs, of which there are no traces in the Johannine Epistles. "p. 453 They continue: lithe most we can say is that, so far as the epistles of John go, the discernible errors and abysmal practices that are being opposed have much in common with the Docetism and Cerinthianism of which we know all too little." p. 454. D.A.Carson, Douglas J. Moo, and Leon Morris, An Introduction to the New Testament (Grand Rapids: Apollos, 1992)

[78] Owen makes this plain at 10: 415-421, especially 417-8 where he specifically rejects the view that there is any consolation in knowing that Christ died for sinners and that one is a sinner.

[79] Rayrond Brown, after a discussion of the sense of paraclete here, concludes "perhaps the best solution is to recognize that in i John 2: 1-2 Jesus stands before the Father both as intercessor and defending advocate. II Epistles p. 217.

[80] 10: 334

[81] "We conclude that all the world, and the whole world, being in other places taken indefinitely for men of all sorts throughout the world, the same words are no otherwise here to be understood." 10 :336

[82] ibid.

[83] ibid

[84] 10:337

[85] ibid.

[86] See f. n. 81 above.d.

[87] BAGD 2d. Bauer also suggests that K8~ai could have the sense here of to "be dependent on someone."

[88] Cotterell and Turner, Linguistics í when speaking of this verse in relation to In. 3.16, write that "these are only saved from blatant contradiction by the assumption that two different senses of the kosmos are intended. lip. 177. In context it would seem better to think that two different kinds of love are spoken of, here a desiring of and infatuation with, in 3.16 a benevolent active care.

[89] BAGD ßlOÇ 3.

[90]J. Stott, Letters, p.171-2.

[91] Westcott, Epistles, p. 159

[92] Smalley, 1. 2. 3 John, p. 81

[93] Lieu: "It remains unstated whether the world has always been so, believers having been rescued out of it, or whether the world has been made into something negative by its rej ection of God and of the community. It is ultimately that which the community experience as the hostile of indifferent i world out there'. Whether we are to think of active hostility or passive unconcern, of official action or popular reaction. of Jew or of Greek, of both, for the author it is undifferentiated l world l ." Theology, p. 84. In the light of our analysis of 'world' in the gospel passages there is no necessity of postulating a 'theological sequence' reflecting the i history of the Johannine community' in the use of the term (Brown, Epistles, p. 2241. There is no change in the i world i s i character, nor in God IS intent in relation to it.

[94] Stott, Letters, p. 106

[95] A. A. Hodge, The Atonement, with a new appendix by Curtis I. Crenshaw i (1867: reprinted Memphis: Footstool Publications, 1987), p. 424. Curtis Crenshaw's exegesis of 1 John 2.2 appended to that work, while acknowledging the importance of this text, is heavily dependent on Owen both for reasoning and exegesis and stands or falls with Owen.

[96] Brown, Ep~stles, p. 222 for a discussion of the ellipsis.

[97] Dabney, Systematic Theology, p. 525. cf. Brown, Epistles p. 224; Lieu, Theology, p.84; Westcott, Epistles, pp~44-S, Smalley, 1. 2. 3 John, p. 40 (while not endorsing his term "effective") .

[98] Dabney l Systematic Theoloqy, p. 528

[99] Brown, Enistles p. 224 for reference to a Jewish understanding of an 'universal aspect to the sacrifice of the day of atonement.

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