sábado, 14 de agosto de 2010

John Piper: Existem Duas Vontades em Deus?

Parte 1 de 6


Meu objetivo aqui é mostrar a partir das Escrituras que a existência simultânea da vontade de Deus para "todas as pessoas serem salvas" (1 Tm. 2:4) e sua vontade de eleger incondicionalmente aqueles que realmente serão salvos não é um sinal de esquizofrenia divina ou confusão exegética. 

Um objetivo correspondente é demonstrar que a eleição incondicional, portanto, não contradiz bíblicas expressões da compaixão de Deus por todas as pessoas, e não anula a sincera oferta de salvação para todos aqueles que estão perdidos dentre todos os povos do mundo.

1 Timóteo 2:4, 2 Pedro 3:9 e Ezequiel 18:23 podem ser ser chamados de textos pilares dos arminianos com ralação a vontade salvífica universal de Deus. 


Em 1 Timóteo 2:1-4 Paulo diz que a razão pela qual devemos orar pelos reis e por todos que se acham investidos de autoridade é para que vivamos vida tranqüila e mansa e que “Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador,o qual deseja (thelei ) que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”.

Em 2 Pedro 3:8-9 o apóstolo diz que o atraso da segunda vinda de Cristo é devido ao fato de que para o Senhor um dia seja como mil anos e mil anos sejam como um dia. “Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo (boulomenos) que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.” . 

Em Ezequiel 18:23 e 32 o Senhor fala sobre o seu coração pelos que perecerem: "Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? —diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva? . .. não tenho prazer (ehephoz ) na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. " (cf. 33,11).

É possível que uma exegese cuidadosa de 1 Timóteo 2:4 nos levasse a crer que "o desejo de Deus que todos os homens sejam salvos" não se refere a cada indivíduo no mundo, mas sim a todos os tipos de pessoas, uma vez que "todos os homens" no versículo 1 pode muito bem significar grupos como" reis e por todos os que se acham investidos de autoridade "(v. 2). 

Também é possível que o "convosco" em 2 Pedro 3:9 ("O Senhor é longânimo para convosco, não querendo que ninguém pereça") não se refira a todas as pessoas no mundo, mas a "convosco" cristãos professos, dentre os quais, como Adolf Schlatter diz, "são pessoas que somente através do arrependimento podem alcançar a graça de Deus e à herança prometida".

No entanto o caso de essa limitação vontade salvífica universal de Deus nunca foi convincente para os arminianos e provavelmente não se tornará convincente, especialmente porque Ezequiel 18:23, 32 e 33:11 são ainda menos tolerantes de restrição. Portanto como um sincero crente na eleição individual e incondicional, eu me alegro em afirmar que Deus não se deleita no perecer do impenitente, e que ele tem compaixão de todas as pessoas. Meu objetivo é demostrar que isso não se trata de algo dúbio. .

A intenção deste capítulo não é defender a doutrina de que Deus escolheu incondicionalmente quem Ele salvará. Eu tentei fazer isso em outros lugares e outros fizeram isso neste livro. No entanto tentarei produzir um caso verossímil de que apesar dos textos pilares do arminianos possam ser, na verdade, pilares para o amor universal, no entanto, eles não são armas contra a eleição incondicional. Se eu conseguir, então haverá uma confirmação indireta para a tese deste livro. De fato, eu creio que os arminianos tem cometido um erro ao tentar tomar os pilares do amor universal e transformá-los em armas contra a eleição da graça.

Afirmar a vontade de Deus para salvar a todos, ao mesmo tempo em que se afirma a eleição incondicional de alguns, implica que há, pelo menos, "duas vontades" em Deus, ou duas formas da vontade. Isso implica que Deus decreta um estado de coisas ao mesmo tempo em que também deseja e ensina que um diferente estado de coisas venha a acontecer. 

Esta distinção na forma das vontades de Deus foi expressa de várias formas ao longo de séculos. Não é uma invenção nova. Por exemplo, os teólogos têm falado da vontade soberana e da vontade moral, da vontade eficiente e da vontade permissiva, da vontade secreta e da vontade revelada, da vontade de decreto e da vontade de comando, da vontade decretiva e da vontade preceptiva, voluntas signi e voluntas beneplaciti, etc.

Clark Pinnock refere-se de maneira desaprovadora sobre "a noção extremamente paradoxal de duas vontades divinas a respeito da salvação". No volume mais recente de Pinnock (A Case for Arminianism) Randall Basinger argumenta que "se Deus decretou todos os eventos, então deve ser que as coisas não podem e não devem ser diferentes do que elas são." Em outras palavras, ele rejeita a noção de que Deus poderia decretar que uma coisa seja de uma maneira e ainda ensinar que devemos agir para fazê-la de outra forma. Ele diz que é muito difícil "coerentemente conceber um Deus em que esta distinção existe realmente"

No mesmo volume Fritz Guy argumenta que a revelação de Deus em Cristo trouxe uma “mudança de paradigma” na forma como devemos pensar sobre o amor de Deus, ou seja, como “mais fundamental e prioritário do que a justiça e o poder. " Esta mudança, diz ele, torna possível pensar sobre a “vontade de Deus” como se “deleitando mais do que decidindo". A vontade de Deus não seria o seu propósito soberano que Ele estabelece infalivelmente, mas sim "o desejo do amante para o amado”. A vontade de Deus é a sua intenção geral e ardente, e não seu propósito efetivo. Dr. Guy vai tão longe que chega a dizer: "Aparte de uma pressuposição sobre a predestinação, torna-se evidente que a vontade de Deus é deve sempre (sic) ser entendida em termos de intenção e desejo [como se opondo ao propósito soberano e eficaz] ".

Estas críticas não são novas. Jonathan Edwards escreveu há 250 anos, "Os arminianos ridicularizam a distinção entre a vontade secreta e a vontade revelada de Deus, ou, mais propriamente expresso, a distinção entre o decreto e a lei de Deus, porque nós dizemos que Ele pode decretar uma coisa, e ordenar outra. E assim, argumentam eles, temos uma contrariedade em Deus, como se uma dessas vontades fosse uma contradição a outra. "

Mas, apesar destas críticas a distinção permanece, não por causa de uma dedução lógica ou teológica, mas porque é inevitável nas Escrituras. O exegeta mais cuidadoso que escreveu em Pinnock's Case for Arminianism admite a existência de duas vontades em Deus. Howard Marshall aplica seu dom exegético para as Epístolas Pastorais. Com respeito a 1 Timóteo 2:4 ele diz:

“Para evitar qualquer mal-entendido, deve ficar claro desde já que o fato de Deus querer ou desejar que todas as pessoas sejam salvas, não implica necessariamente que todos responderão ao evangelho e serão salvos. Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e ambas as coisas podem ser ditas como sendo a vontade de Deus. A questão em debate não é se todos serão salvos, mas se Deus fez provisão em Cristo para a salvação de todos, desde que eles creiam, e sem limitar o escopo potencial da morte de Cristo meramente para aqueles que Deus sabia que viriam a crer.”

Neste capítulo eu gostaria de embasar o ponto de Marshall de que "Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e ambas as coisas podem ser ditas como sendo a vontade de Deus” Talvez a maneira mais eficaz de fazer isso é começar por chamar a atenção para forma como a Bíblia retrata Deus querendo algo em um sentido, que desaprova em outro sentido. Então, depois de ver algumas das evidências bíblicas, poderemos retroceder e refletir sobre como compreender isso em relação aos propósitos salvíficos de Deus.

Fonte: http://www.desiringgod.org/ResourceLibrary/Articles/ByDate/1995/1580_Are_There_Two_Wills_in_God/ 

Tradutor:  Emerson Campos Pinheiro

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