sábado, 31 de julho de 2010

Prosper de Aquitaine (390-455): Suficente por Todos, Eficiente pelos Eleitos

Defesa de Agostinho



1) Objeção: O Salvador não foi crucificado pela redenção do mundo inteiro.

RESPOSTA: Não há um entre os homens, cuja natureza não foi tomada por Cristo nosso Senhor, embora Ele tenha nascido em semelhança da carne pecaminosa, enquanto qualquer outro homem nasce em carne pecaminosa. Assim, o Filho de Deus, que era o próprio Deus, se tornou participante de nossa natureza mortal sem participar em seu pecado, concedendo aos homens pecadores e mortais a graça para que  aqueles que pela regeneração compartilham em Sua natividade possam ser libertados das amarras do pecado e da morte.


Assim, como não é suficiente que Jesus Cristo tivesse nascido para os homens serem renovados, porque eles devem ser renascidos Nele através do mesmo Espírito do qual Ele nasceu, também não é  suficiente que nosso Senhor Jesus Cristo fosse crucificado pelos homens para que eles fossem resgatados, porque eles devem morrer com Ele e ser enterrados com Ele no batismo. Se assim não fosse, então depois de nosso Salvador ter nascido na carne da nossa própria natureza e ter sidocrucificado por todos nós, não haveria nenhuma necessidade para nós de sermos renascidos e de sermos plantados juntamente com Ele na semelhança da sua morte. Mas como nenhum homem alcança a vida eterna sem o sacramento do batismo, aquele que não é crucificado em Cristo não pode ser salvo pela cruz de Cristo, e quem não é um membro do Corpo de Cristo não está crucificado em Cristo.

E quem não é um membro do Corpo de Cristo, não foi colocado em Cristo através da água e do Espírito Santo. Porque Cristo na fraqueza da nossa carne se submeteu a comum sorte da morte, para que pela virtude de sua morte nós fossemos feitos participantes de Sua ressurreição. Assim, embora seja correto dizer que o Salvador foi crucificado pela redenção do mundo inteiro, porque Ele verdadeiramente tomou a nossa natureza humana e porque todos os homens foram perdidos no primeiro homem, mas também pode ser dito que Ele foi crucificado apenas por aqueles que foram beneficiados pela sua morte.

Porque São João, o evangelista, diz: "Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. " A condição deles, portanto, é diferente daqueles homens dos quais ele disse: "O mundo não o conheceu. "

Nesse sentido, podemos dizer: o Redentor do mundo derramou Seu sangue pelo mundo, e o mundo recusou ser redimido, porque as trevas não compreenderam a luz. No entanto, houve trevas que compreenderam a luz, sobre as quais, o Apóstolo diz: " Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor"

O próprio Senhor Jesus que disse que veio buscar e salvar o que estava perdido, também disse: "Eu não vim senão às ovelhas perdidas da casa de Israel". E São Paulo explica quem são essas ovelhas da casa de Israel: "Porque nem todos os que são de Israel são israelitas; Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência."

Entre eles são contados aqueles a quem se refere o que citamos acima: "Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos." Não é só dentre os judeus, mas também dentre os gentios que os filhos de Deus, os filhos da promessa, são reunidos na única Igreja por aquele que chama as coisas que não são, como se já fossem, e que congrega os dispersos de Israel, a fim de cumprir a promessa de Deus a Abraão, que em sua semente todas as tribos da terra seriam abençoadas. "

Prosper of Aquitaine: Defense of St. Augustine, trans., by P. De letter, (New York: Newman Press, 1963), pp 149-151.


2) QUALIFICAÇÃO DO ARTIGO 9: Da mesma forma, aquele que diz que o Salvador não foi crucificado pela redenção do mundo inteiro não leva em conta o poder do mistério da cruz, mas considera apenas a porção da humanidade que não têm fé .

Pois é certo que o sangue de nosso Senhor Jesus Cristo é o preço da redenção do mundo inteiro. Mas não compartilham da aplicação desse preço aqueles que ou estimando seu cativeiro se recusaram a ser libertados ou tendo sido libertados voltaram ao cativeiro. A palavra do Senhor não falhou em ser realizada, nem foi a redenção do mundo frustrada por esse motivo. Porque, apesar do mundo ser considerado nos vasos de ira que não conhecem a Deus, ainda assim o mesmo mundo é considerado nos vasos de misericórdia que sabem que Deus os libertou, sem qualquer mérito precedente de sua parte, do poder das trevas e os transportou para o reino do Filho do Seu amor. "

Prosper of Aquitaine: Defense of St. Augustine, trans., by P. De letter, (New York: Newman Press, 1963), pp., 159-160.


3) OBJEÇÃO: Nosso Senhor Jesus Cristo não sofreu pela salvação e redenção de todos os homens.

RESPOSTA: O único e verdadeiramente eficaz remédio para a ferida do pecado original, pela qual a comum natureza dos homens foi viciada em Adão e condenada à morte e a qual é a fonte das três formas da concupiscência, é a morte do Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo livre de qualquer necessidade de morrer e sendo o único sem pecado, morreu pelos homens pecaminosos, que estão condenados a morrer.

Considerando, então, por um lado, a grandeza e o valor do preço pago por nós e por outro lado a comum sorte de toda a raça humana, deve-se dizer que o Sangue de Cristo é a redenção do mundo inteiro. Mas aqueles que passam por este mundo sem vir à fé e sem ter renascido no Batismo, permanecem intocados pela redenção. Assim, uma vez que nosso Senhor, verdadeiramente, tomou sobre Si a natureza e a condição que é comum a todos os homens, é correto dizer que todos foram resgatados, e que, no entanto, nem todos são realmente libertados da escravidão do pecado

É indubitável que a redenção é realmente aplicada apenas àqueles de quem o príncipe deste mundo foi expulso, aqueles que não são mais vassalos do diabo, mas membros de Cristo. Sua morte não age sobre toda a raça humana como se aqueles que nunca foram renascidos no batismo participassem  na redenção, mas para que o mistério fosse realizado uma vez por todas, na pessoa de Cristo deve ser renovado todo e qualquer homem pelo sacramento do batismo, que ele vai receber uma vez também. A bebida da imortalidade preparada de nossa fraqueza e do poder de Deus é apta a restabelecer a saúde a todos os homens, mas não pode curar ninguém, a não ser que ele beba dela." 

Prosper of Aquitaine: Defense of St. Augustine, trans., by P. De letter, (New York: Newman Press, 1963), p., 164

Minha nota:

Se alguém ler através dessas citações cuidadosamente, será capaz de ver que seu ponto é este: Cristo redimiu todos os homens suficientemente, mas somente os eleitos eficientemente, ou Cristo sofreu por todos suficientemente, mas apenas pelos eleitos eficientemente, visto que só é aplicada a eles. A fórmula mais tarde é convertida em: Cristo morreu por todos suficientemente, mas apenas pelos eleitos eficientemente. Finalmente, o conceito da fórmula Lombardiana (ver suas Sentences, Book III, Section 20, Paragraph E) remonta aos dias da Prosper (que escreveu como um defensor do ponto de vista de Agostinho), e até Ambrósio. Os reformadores, como Musculus, Zwingli, Vermigli, Calvino e Bullinger, conheciam isso bem e criam nisso. É uma vergonha que esta perspectiva dualista está sendo eclipsada por aqueles que lêem Calvin através da lente dos pensadores posteriores (escolásticos pós-reforma), e não através da lente dos que os precederam (os pais e os doutores), como Ambrósio, Agostinho, Prosper, Anselmo, Tomás de Aquino, Lombard, etc.

Fonte:  http://theologicalmeditations.blogspot.com/2007/01/from-prospers-defense-of-augustine.html
Tradutor:  Emerson Campos Pinheiro