Muito erro tem surgido da idéia de que o que quer que Deus deseja, Ele determina fazer acontecer. Visto que milhões de almas vão para o inferno, é concluído que Deus quer que elas vão para lá, pois (assim é pensado) se Ele não quisesse, Ele seria frustrado por causa delas irem para lá. Esta opinião é muito comum e é completamente errada.
Somente considere o começo da história humana. Deus disse aos nossos primeiros pais para não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ele queria que eles comessem, ou não queria? Claramente, Ele não queria que eles comessem. Todavia eles comeram dela. Ele ficou frustrado? É claro que não. Ele não ficou frustrado porque, por Sua graça eficiente, Ele poderia ter induzido-os a não comer. Todavia Ele escolheu reter essa graça e permitir a queda. No entanto, a completa responsabilidade por esse pecado pertenceu a Adão e Eva, que tinham graça suficiente para refrear, mas não a usaram.
Toda a história subseqüente fornece ilustrações deste princípio. Tome a declaração em Jr 13.11:
“Pois, assim como se liga o cinto aos lombos do homem, assim eu liguei a mim toda a casa de Israel, e toda a casa de Judá, diz o Senhor.”
Por que?
“Para me serem por povo, e por nome, e por louvor, e por glória.”
Este bom desejo se realizou? As próximas palavras são “mas não quiseram ouvir.” Deus permitiu que Seu bom objetivo fosse subvertido, não fosse realizado. Um outro exemplo aparece em Mt 23.37:
“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o quiseste.” (Cf. Lc 13.34).
Como Deus poderia ter induzido nossos primeiros pais a não comer da árvore, ele também poderia ter induzido Israel e Judá a ser o que Ele desejava que eles fossem, e os judeus resistentes do tempo de Cristo a terem recebido Seu gracioso ministério de salvação. Mas Ele não escolheu efetuar estes fins desejáveis. Todavia de nenhuma forma Ele queria que o mal sobreviesse a qualquer um. Ele meramente permitiu a violação de Seus desejos a fim de executar um propósito secreto que Ele tinha em mente.
Aplique isto à danação dos pecadores. Em Ez 18.23, 32 lemos:
“Tenho eu algum prazer na morte do ímpio? diz o Senhor Deus. Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?... Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus; convertei-vos, pois, e vivei.”
Similarmente no capítulo 33.11:
“Vivo eu, diz o Senhor Deus, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que morrereis, ó casa de Israel?”
Coloque junto com essas estas passagens:
Sl 145.9 “O Senhor é bom para todos, e as suas misericórdias estão sobre todas as suas obras”
Lm 3.33 “Porque não aflige nem entristece de bom grado os filhos dos homens;”
Mq 7.18: “Ele se deleita na benignidade.”[11]
Veja também Lc 7.30; 19.44; At 13.46; Rm 10.21; 2Co 2.15; Ap 22.17.
Podemos apontar aqui algumas declarações opostas no capítulo “The Sovereignty of God in Reprobation”[12] do livro de Pink. Ele diz:
“Deus decretou que os não-eleitos deveriam escolher o curso que eles seguem.” “Ao dar a existência e o nascimento àqueles que Ele sabia que rejeitariam a Cristo, Ele necessariamente os criou para condenação.” “Ele propôs que alguns destes passariam a eternidade no Céu e que outros a passariam no Lago de Fogo.... É claro que Ele designou e ordenou que esta pessoa devesse ser eternamente perdida.... Se há alguns descendentes de Adão aos quais Ele propôs não dar fé, deve ser porque Ele ordenou que eles devessem ser condenados.” “Dele ter deixado alguns homens na incredulidade e impenitência final, seguramente entendemos que foi a Sua eterna determinação assim fazer.... Ele deve ter decretado que um vasto número de seres humanos passaria deste mundo sem serem salvos, para sofrer eternamente no Lago de Fogo.” “Pv 16.4... expressamente declara que o Senhor fez os ímpios para o Dia do Mal; que este foi o Seu desígnio ao lhes dar a existência.”
Imediatamente após ele diz que as palavras de Cristo a ser dita no Dia do Julgamento, “Nunca vos conheci” (Mt 7.23), significa simplesmente, “Nunca vos amei” (ao invés de, “Nunca determinei minha escolha em você”). A disparidade entre os textos citados nos parágrafos precedentes e as citações feitas neste aqui, deveria alertar os leitores a desafiar alguns dos tratamentos de Pink de Rm 9.17-23, que imediatamente seguem as páginas referidas.
Em consonância com o Velho Testamento a respeito da proclamação da atitude de Deus em direção aos pecadores está a revelação do Novo Testamento. Em Jo 3.17 somos informados que “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.”[13] Ambos Calvino e Ryle entendem Jo 3.17 como eu. Calvino diz:
“Deus não deseja que sejamos subjugado com destruição eterna, pois Ele tem apontado [ou, ordenado] Seu Filho para ser a salvação do mundo.”
Cristo confirmou Suas palavras em 12.47b:
“Eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo.”
Nestas duas passagens o objetivo agradável do Pai enviar e do Filho vir era exatamente o mesmo: a salvação do mundo. Veja o Expository Thoughts, in loco de Ryle.
Os homens da Expiação Limitada afirmam que o “mundo” nestes textos deve significar somente os eleitos, pois de outra forma o Pai e o Filho estariam frustrados em seus desígnios, visto que todos os homens não se salvam. Mas que a expressão usada nestes dois versos não necessariamente denotam a vontade decretiva das Pessoas divinas, mas somente seu bondoso motivo, é demonstrado pela declaração similar que Cristo fez a Seus inimigos implacáveis em 5.34: “Digo isto para que sejais salvos.” Todavia “salvos” eles não eram. Por que? Porque, como Cristo acrescenta no v. 40, “Não quereis (como no grego) vir a mim para terdes vida.” Novamente, um caso de “mas não quisestes.” Por outro lado, Cristo disse, “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, há de saber” (7.17). Que a palavra “mundo” não significa o “mundo dos eleitos” é claro do verso que segue (Jo 3.18), que mostra que ele consiste daqueles que, afinal de contas, não crêem assim como dos que crêem, daqueles que são finalmente condenados assim como daqueles que não são, daqueles que rejeitam Cristo assim como daqueles que O recebem. Um famoso Comentário afirma:
“Embora a condenação seja para muitos o resultado da missão de Cristo (v. 19), este não é o objetivo da Sua missão, que é puramente salvar.”[14]
Que Cristo deseja a salvação de todos os homens é exposto em um folheto, The Free Offer of the Gospel (1948), preparado pelos dois homens da Expiação Limitada, John Murray e Ned B. Stonehouse, ex-professores no Westminster Theological Seminary, Philadelphia. Eles falam do
“desejo da parte de Deus para o cumprimento daquilo que Ele não tinha decretado, em outras palavras, um desejo da parte de Deus para aquilo que Ele não tinha desejado decretivamente”
que é a posição que eu tenho defendido acima. Similarmente, na próxima página, eles dizem, sobre um número de partes bíblicas citadas:
“Não deve haver lugar para pergunta mas que o Senhor representa a Si mesmo em algumas dessas passagens como ardentemente desejando o cumprimento de algo que Ele não tinha, no exercício de Sua vontade soberana, na verdade decretado que acontecesse.”[15]
Os professores prosseguem com o comentário sobre Mt 23.37, um texto que eu já citei, como uma ilustração do princípio precedente, e afirmam:
“Nosso Senhor, no exercício de Sua mais específica e exclusiva função como o Deus-Homem, dá expressão a uma vontade ardente de Sua parte que a correspondência da parte do povo de Jerusalém teria provido a condição necessária para a concessão de Seu amor salvador e protetor, uma correspondência, apesar disso, que não era a vontade decretiva de Deus para criar em seus corações.”
Estes autores também consideram que 2Pe 3.9 se refere a todos os homens, qualquer um: Deus
“é longânimo para convosco, não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se.”
Eles dizem:
“Nós não cremos que a restrição da referência aos eleitos seja bem estabelecida... a linguagem... mais naturalmente se refere à humanidade como um todo.”
Em sua Conclusão, lemos:
“Descobrimos que o próprio Deus expressa um ardente desejo para o cumprimento de certas coisas que Ele não decretou que acontecesse em Seu inescrutável conselho. Isto significa que há uma vontade para a realização do que Ele não tem desejado decretivamente, um prazer em relação ao que Ele não se agradou em decretar.”
Mais uma passagem que é especialmente relevante aqui é 1Tm 2.4, onde somos informados que Deus
“deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.”
Charles Hodge (1797-1878), em um de seus sermões dado aos estudantes no Princeton Seminary nas tardes de domingo, diz que o texto significa “que Deus deseja a salvação de todos os homens,” isto é, de todos os homens sem exceção. Isto, ele acrescenta, “concorda com o fato que Deus é benevolente, como mostrado em Suas obras, e todavia que Ele permite que muitos pereçam.”[16]
A mesma opinião – que Deus deseja algumas coisas que Ele não efetua – é apresentada por um outro homem da Expiação Limitada, o teólogo escocês do século 19, Thomas J. Crawford. Ele diz:
“Apesar dos comandos de Deus serem... indicativos do que Deus deseja, aprova, e se alegra, como congeniais à bondade e santidade de Sua natureza moral, eles não são certamente declarativos, ao mesmo tempo, do que Ele fixadamente propôs ou determinou em Seu governo do universo executar. Pois se eles assim fossem, é certo que eles seriam infalível e universalmente obedecidos por todas as Suas criaturas; ao passo que eles são freqüentemente violados, sem qualquer interferência de Sua parte para assegurar sua observância... A verdade é essa, devido ao real estado das coisas no mundo moral enquanto governado pela divina providência, nós necessariamente precisamos reconhecer a distinção entre... o que Deus requer em cumprimento de Suas alegações justas, ou deseja como agradável à Sua santidade e natureza beneficente – e, por outro lado, o que Ele propõe ou determina.”[17]
Agora tudo isto constitui um problema pesado para os defensores da Expiação Limitada: eles concordam conosco na crença que o valor da morte de Cristo foi infinito, visto que Ele foi uma Pessoa divina, e que foi, por essa razão, mais do que suficiente para salvar todos os homens, eleitos e não-eleitos. Mas eles nos dizem que Deus, na eternidade passada, restringiu esse valor infinito apenas aos eleitos, pois, eles dizem, em Sua intenção, a cruz era somente para os pecados dos eleitos. Isto cria uma necessidade deles mostrarem como Deus, desejando a salvação de todo o mundo, poderia ter, no entanto, imposto tal limitação no número de pessoas que seriam beneficiadas.
O crente na Redenção Geral não tem nenhum problema aqui, pois ele sustenta que Deus, tendo nenhum prazer na morte do ímpio, deixa o valor infinito da morte de Cristo irrestrito em sua aplicabilidade; ele crê que Deus enviou Cristo para morrer por todos da raça de Adão, embora Ele não decretou a salvação final de todos. Dizer que a morte de Cristo é aplicável a todos, embora Ele não morreu por todos, é dizer uma contradição.
Se Cristo morreu com a intenção de que todos fossem salvos, então todos serão salvos. Mas Ele morreu apenas com o desejo de que todos fossem salvos. Então provisão para a salvação de todos deve ter sido feita em Sua morte, ou ela não teria nenhuma relação com a salvação dos não salvos.
Notas:
[11] Veja meu livreto, “The Lovingkindness of the Sovereign God,” obtido nas Reiner Publications, Swengel, PA 17880; por 30 cents.
[12] Pink, op. cit., pp. 100f.
[13] Cf. Jo 11.42: (“para que eles creiam”) com o verso 45 (“Muitos.... creram nele”), mas todavia alguns não creram (v. 46).
[14] Jamieson, Fausset & Brown, Critical, Experimental and Practical Commentary (Lippincott ed., 1864-70), Vol. V, p. 364, col. 2 em Jo 3.17. Veja Testemunho Bíblico I (capítulo VI) para mais informações sobre este texto.
[15] Veja, também, Discussions: Evangelical and Theological de Robert L. Dabney. (Vol. I, pp. 282-318), sobre “God’s indiscriminate Proposals of Mercy.” O teólogo da igreja presbiteriana do sul lida com o assunto de uma maneira similar àquela apresentada pelos professores Murray e Stonehouse.
[16] Hodge, Sermon Outlines (1870), sermão pregado em 1º de março de 1868.
[17] Crawford, Mysteries of Christianity (Edinburgh, 1874), pp. 352f. Veja também seu The Atonement (Edinburgh, 1871), pp. 485f.
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